Roberta, da Arator: as pessoas precisam estar satisfeitas com o trabalho e terem orgulho de seus papéis na organização / Crédito: Adriano Vizoni |
Acordar na segunda-feira torcendo pelo fim do expediente da sexta é indício de insatisfação com o trabalho. Mas pode ser também motivo para uma grande virada, para uma nova etapa na carreira. Falta de entusiasmo pela atividade não é queixa rara nem localizada. Pesquisa do Instituto Gallup feita entre 2011 e 2012 revelou que 70% da população mundial economicamente ativa trabalha insatisfeita. O estudo aponta que entre 54% e 66% não estão engajados no que fazem; outros 11% a 17% estão ativamente desengajados e não se preocupam em disfarçar. De todos os entrevistados, apenas uma parcela de 22% a 27% estão engajados e desenvolvem potencial para cumprir metas. Esse desengajamento custa entre 450 bilhões e 550 bilhões de dólares só nos EUA.
Insatisfação profissional é um fenômeno que se intensificou com a chegada das novas gerações ao mercado de trabalho. “A geração Y é a que tem mais facilidade para começar tudo de novo. É um pessoal multifuncional, que pensa rápido, tem ideias múltiplas e uma ansiedade imensa (mas convive bem com ela). Em geral, são pessoas que não têm medo de arriscar. O pensamento recorrente dessa geração é ‘vou fazer algo que me faça feliz’ – e, não por acaso, a felicidade é o objetivo principal das pessoas nesse novo milênio.” A definição é de Antoniel do Nascimento, diretor de RH da Grant Thornton Brasil, empresa voltada para auditoria, consultoria e outsourcing. Mas, como a própria história do executivo revela, a transição de carreira não é algo apenas inerente aos jovens.
Carreira em movimento
Nascimento sabe bem o que significa trocar de carreira quando a atividade profissional parece sedimentada. Ele formou-se em ciências contábeis, trabalhou como auditor e, depois de quatro anos na área, viajou para Paris, onde cursou MBA em mercado financeiro. Passou 17 anos comprando e vendendo ações e, quando as aventuras pareciam estar longe das lentes de Nascimento, eis que, aos 41 anos, decidiu mudar tudo de novo. Aproveitou o ano sabático para fazer um trabalho voluntário na Cruz Vermelha francesa.
“Durante 20 meses fui voluntário entre a Costa do Marfim e Moçambique”, conta. “Aprendi muito mais do que imaginei e voltei à França para redefinir minha carreira profissional”, diz. Decidiu que o Brasil era a rota da vez e passou a trabalhar na área de atendimento a clientes da Grant Thornton Brasil, empresa voltada para auditoria, consultoria e outsourcing. Mas a carreira de Nascimento sofreu outra guinada e ele foi parar no RH da companhia.
Ao que parece, a movimentação de carreira do executivo não foi acompanhada de alguns sinais colaterais que acometem profissionais veteranos, tais como o suor excessivo, dor de estômago, falta de atenção e desinteresse. Quando esses sintomas são constatados, o orientador profissional Maurício Sampaio sugere ficar atento a uma simples equação de 70/30. Ele explica: “Em 70% do tempo, o profissional tem de trabalhar motivado, interessado no que faz; nos outros 30% do tempo ele precisa se preocupar em bater metas”. Para Sampaio, 70% seriam o bônus do trabalho, enquanto os outros 30%, o ônus. Se essa relação for muito desproporcional, alguma coisa está fora de ordem – e precisa mudar.
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Rose Sales: é importante o autoconhecimento. Saiba o que não fazer / Crédito: Divulgação |
Brilho nos olhos
Roberta Valença, hoje CEO da Arator, consultoria que aborda a sustentabilidade na estratégia empresarial, não precisou fazer essa equação para descobrir que não atuava na área que mais a emocionava. Certa vez, quando ela exercia o cargo de gerente de marketing institucional em uma empresa, o presidente desta companhia a convidou para criar um projeto de cunho social voltado para a área de atuação da empresa (TI, saúde e finanças). “O projeto virou meu filho. Senti aquele ‘preenchimento da alma’ de que tanto ouvia falar e que achava ser balela”, confessa.
A executiva conta que, a partir da descoberta, resolveu investir na ideia de fazer parte do grupo de atores sociais da mudança. “Fiz mestrado em gestão da sustentabilidade na Unicamp e as coisas foram aflorando; quando a gente se movimenta com sinceridade e foco, tudo vai se interligando a favor no intuito de te direcionar para seu caminho”, destaca.
E não demorou muito tempo para Roberta trabalhar, de fato, com o tema. “Recebi um convite da rede de locadoras 2001 Vídeo, que buscava um profissional de marketing com visão de sustentabilidade. Aceitei o convite, pois, além de tudo, sou apaixonada por cinema!”, conta. Mas a história profissional da empreendedora não parou por aí.
Em 2010, com mais três amigas, Roberta abriu uma empresa voltada a auxiliar corporações na implementação da estratégia de sustentabilidade, o embrião da atual Arator. “Cada uma tinha uma formação diferente: administração, economia e engenharia ambiental. Achávamos que nos complementávamos e poderíamos oferecer um trabalho diversificado e completo.” Contudo, o rumo da história não seguiu como o planejado.
“No meio do caminho percebi que elas estavam desmotivadas. Não era o sonho delas, era só o meu”, explica. Foi então que, em outubro do ano passado, Roberta abriu a Arator, ainda em voo solo, mas com vários business partners; e ela não se arrepende da decisão. “Eu me sinto viva, a emoção toma conta de mim quando estou trabalhando e é ela [a emoção] que move minhas escolhas”, afirma.
Fuga de talentos
A percepção de mudança de carreira não cabe apenas ao profissional. O sinal vermelho também pode ser dado pela empresa em que ele atua. “O protagonismo de carreira é um assunto muito discutido entre executivos de recursos humanos atualmente”, sustenta Caroline Pfeiffer Marinho, diretora-geral da operação Suíça, da LHH|DBM — empresa de soluções de talentos, que atua na transição profissional.
De acordo com a executiva, a melhor forma de promover o debate sobre o tema dentro das empresas é instrumentalizando os colaboradores para que eles tomem a iniciativa de gestão de suas próprias carreiras. “Não fazê-lo é, por um lado, exigir protagonismo sem apoiar o colaborador e, por outro, ignorar um anseio de pessoas que serão ‘seduzidas’ pela grama do vizinho que parece mais verde. É assim que as empresas perdem seus talentos”, destaca.
Por isso, é fundamental que a área de recursos humanos seja estratégica. “O RH deve atuar intimamente com os gestores e auxiliá-los a fazer coaching com seus colaboradores”, indica Roberta, da Arator. Para ela, o setor precisa ser sensível a essa transição natural dos colaboradores. “Abrir mão de bons funcionários ao perceber que eles têm de seguir algo que os satisfaçam mais é difícil. Será que sua empresa está preparada?” indaga.
A executiva afirma que o cuidado em lidar com o assunto no ambiente corporativo é pertinente. Se a empresa não investir no tema, acaba por desmotivar sua força de trabalho e, com isso, há perdas em produtividade. “O RH pode ajudar (e muito) ao trabalhar uma relação de propósitos claros com seus funcionários. As pessoas precisam estar satisfeitas em fazer o que fazem. Precisam ter orgulho de seu papel na organização”, completa.
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Bet, da Escola de Berlim: nenhuma habilidade deve ser disperdiçada na mudança / Crédito: Divulgação |
A importância do mentoring
E na trajetória profissional de Roberta, o gestor dela na rede de locadoras 2001 Vídeo teve atuação decisiva para que ela tomasse novo rumo na carreira. “Certo dia, esse ‘mestre’ me disse: ‘Roberta, você precisa cair de cabeça na sustentabilidade. Seus olhos brilham quando faz um projeto voltado só para essa área e você contagia ao falar do tema’”, relembra. E o gestor completou: “Vou perder uma grande gerente, mas ganharei uma amiga de respeito para sempre”. Para Roberta, o gesto do chefe foi essencial para que ela buscasse algo que realmente a emocionava.
Como é raro tropeçar com gestores de visão tão ampla como na história mencionada, a missão de cuidar da carreira das pessoas fica destinada ao RH. Mas para isso é preciso que alguns profissionais dessa área desatem nós que os amarram apenas às funções burocráticas do “departamento”. Essa foi a incumbência que o missionário Antoniel do Nascimento, da Grant Thornton Brasil, agarrou quando começou atuar no RH da empresa. “A única política do RH era admitir e demitir pessoas”, conta. De acordo com Nascimento, não havia uma forma de atuação na companhia em que a admissão significasse inclusão do novo funcionário e a demissão se transformasse numa forma de o colaborador começar tudo de novo sem traumas.
Em conversas com amigos da área de RH, o executivo foi se familiarizando com ela, passou a entender melhor como ela funciona, recrutou psicólogos, criou um código de ética, estabeleceu um regulamento interno e instituiu avaliações para todo o pessoal. Quatro anos depois de assumir o RH, o departamento tem 20 funcionários entre Rio de Janeiro e São Paulo e conquistou uma cadeira na reunião da diretoria. “O RH da Thornton é tão importante quanto qualquer outro departamento da empresa”, enfatiza.
Ele confessa que precisou bater firme, mas aos poucos conseguiu que o RH da Thornton abrisse espaço para participar também da vida das pessoas, visualizar cada um dos funcionários e tentar entender a vida deles além dos muros da empresa. Nascimento não planeja uma nova reviravolta de carreira. “Gosto de conversar e tenho facilidade de lidar com as pessoas”, diz. “Trabalhar pelo bem-estar dos colaboradores faz bem para todos, mas principalmente para a empresa”.
Autoconhecimento
Para chegar a uma decisão como a de Roberta é preciso, antes, trilhar o caminho do autoconhecimento. Para Rose Sales, que trabalha com reorientação de carreira, o primeiro passo em direção à mudança é o profissional ter bem claro o que quer e o que não quer fazer. Identificar o estado atual e estar consciente dos próprios talentos, habilidades e capacidades ajuda muito. Esse processo de autoconhecimento é trabalhoso, mas não chega a ser tão árduo quanto pesquisar aonde quer chegar. “Quando atinge esse esgotamento com a carreira, a maioria dos profissionais sabe apenas que não está feliz; o que gostaria de fazer para ficar confortável com o que faz ainda é uma incógnita”, diz Rose. O trabalho de identificação do caminho a seguir deve ser feito em paralelo com o desenvolvimento de competências, treinamento técnico e um bom planejamento. Identificar o que está incomodando pode ser um bom começo: muitas vezes, o profissional não percebe se o que incomoda é a carreira ou a profissão.
Diversos aspectos podem levar a uma mudança de carreira. A especialista no tema, Caroline, da LHH|DBM, elenca pelo menos três deles. A executiva destaca que a primeira escolha ocorre na adolescência, quando os estudantes do ensino médio precisam definir uma profissão a seguir. “Nessa época, as pessoas são influenciadas por aqueles que as cercam, mas poucos [estudantes] conhecem efetivamente o trabalho que exercerão”, explica. Outro aspecto é que a vida útil e profissional de um indivíduo tem aumentado, mas os ciclos de atuação, diminuído. “Isso faz com uma pessoa tenha a oportunidade ou necessidade de realizar diversas escolhas e mudanças profissionais ao longo de sua carreira.” E por fim, a simples busca por maior realização pessoal ou até mesmo a diversidade podem influenciar na escolha.
Devo mudar? E como fazê-lo? Os sintomas da insatisfação com a atual trajetória profissional são muito particulares, cada um tem os seus. Abaixo, a consultora de carreira Mariá Giuliese comenta situações e aponta algumas saídas: Embora a sensação de desconforto esteja muito grande, a insegurança quanto à conveniência de mudar de posição ou de carreira pode ser maior. Se o RH da empresa não estiver preparado para ajudar, a saída pode ser a busca por um interlocutor qualificado com formação para acompanhar o momento e orientar para novas possibilidades. Identificados interesses e vocações, a hora é de descobrir o que o mercado demanda e como utilizar todo o conhecimento numa nova função. Conferir as tendências e descobrir no que elas se encaixam são tarefas que o candidato a novos voos deve fazer com o auxílio de um profissional. |
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Nascimento, da Grant Thornton: a felicidade é o objetivo principal neste novo milênio / Crédito: Divulgação |
Com a longevidade que parece querer empurrar as pessoas a passar dos 100 anos, é natural que haja pela vida algumas mudanças de carreira, indica Flora Victória, vice-presidente e fundadora da Sociedade Brasileira de Coaching. “As pessoas estão desenhando um plano B, uma segunda carreira que soma a prática adquirida a uma oferta de valor”, diz. Essa segunda chance pode até ser melhor que a primeira, quando o jovem entrava no mercado e não sabia direito para onde estava indo e, por isso mesmo, não tinha muitos planos. “Com mais experiência, o profissional usa seu potencial máximo, aumenta sua satisfação e assume a responsabilidade pela própria vida”, complementa.
Porém, é preciso ficar atento: transição de carreira envolve terapia profissional e um profundo treinamento de autoconhecimento a ponto de transformar um dentista em comunicador, um médico em geólogo e fazer até um psicólogo clínico migrar para a área empresarial. Acontece de tudo na reorientação de carreira. Muitos profissionais podem constatar que não nasceram para ser empregados e acabam se preparando para comandar o próprio negócio. Vai longe o tempo em que o profissional entrava no mercado de trabalho e permanecia na mesma empresa até a aposentadoria. “Hoje, as pessoas podem mudar cinco, seis vezes de profissão durante a vida”, diz o orientador Maurício Sampaio. “Mudança de ramo é uma questão geracional.”
Em qualquer faixa etária essa transição gera sofrimento, alerta Mariá Giuliese, especializada em clínica de carreira. “Em geral, as pessoas ficam preocupadas com os riscos e não vislumbram os ganhos”, diz. Mas trabalhar como empregado também envolve riscos: “A empresa mantém o funcionário até quando é bom para ela, até quando ele dá resultados favoráveis”, completa.
Perdas financeiras
Mas que ninguém se iluda: mudar o rumo e migrar para outra atividade exige ousadia e planejamento. Profissional decidido a virar a mesa precisa saber que qualquer recomeço implica perda financeira. Para aguentar o tranco, são necessárias providências como planejamento financeiro de remuneração, construção de um alentado networking e reformulação de currículo. É como trocar o pneu com o carro andando. “Precisa continuar fazendo o que faz sem fechar nenhuma porta e, ao mesmo tempo, abrir outras”, diz Bet Braga, profissional ligada à Escola de Berlim, que utiliza a neurolinguística para orientação de profissionais. Transferir as habilidades da atividade que exerce para a nova carreira profissional é mais que recomendável. “Nada deve ser desprezado”, recomenda Bet. “Tudo pode ser aplicado à nova etapa da vida e ao novo espaço com mais segurança.”
“Mas a certeza de saber que se podem utilizar todas as habilidades conquistadas numa atividade diferente sem prejuízo algum só vem com a autoconfiança”, explica Liamar Fernandes, que trabalhou como RH durante 25 anos e, hoje, desempenha a função de coach. “Quando as pessoas tomam coragem, se conscientizam de que querem mudar e vislumbram algum objetivo, as coisas começam a acontecer”, conclui.
Do desconforto ao alívio Fui fazer uma pós-graduação em responsabilidade social e aprendi metodologia de trabalho, que se encaixa muito bem na atividade que exerço hoje. Quando a gente está angustiada com o que faz e não consegue visualizar uma direção mais confortável, o melhor a fazer é investir o tempo buscando o alvo. No trabalho com a coach, descobri que gostava do que fazia: de trabalhar com análise e de estabelecer metas, mas queria levar meu potencial para alguma empresa que me desse estabilidade e remuneração regular. Quando me senti segura, enviei currículos e acabei admitida em uma indústria de bebidas, onde tive uma experiência fantástica de três anos. Meu trabalho cresceu, apareceu e transbordou para fora da empresa. Não demorou e uma organização que reúne as áreas de gastronomia e hotelaria me chamou para uma entrevista. Foi uma conversa ótima e uma oferta de salário tentadora que me fizeram redirecionar de novo minha carreira. Hoje, sou coordenadora de formação, qualidade, capacitação e empregabilidade. No Rio de Janeiro, onde o setor de gastronomia tem uma rotatividade muito grande, o que é péssimo para o empregador, meu trabalho é investir no capital humano em lugar de demitir. Para isso, introduzi novos produtos como palestras comportamentais, além de investir na formação de equipes de acordo com o perfil de cada funcionário. Trabalho feliz porque sei que tenho muito a realizar e que tudo que aprendo pode ser reaplicado.” Depoimento de Sideise Eloi, coordenadora de gastronomia e hotelaria numa organização do Rio de Janeiro. |