Gestão

Diálogo: a ponte entre as culturas

de Dum De Lucca em 5 de dezembro de 2014
José Renato Domingues / Crédito: Divulgação
Domingues, da Tigre: respeitar a cultura local / Crédito: Divulgação 

Com a globalização e o fortalecimento de investimentos no Brasil, hoje em dia é mais comum o tema “fusões e aquisições” na pauta do empresariado nacional. A informação se confirma em números. Em 2013, negociações dessa espécie cresceram 5,2% em comparação com 2012, de acordo com pesquisa publicada pela consultoria PwC. O segmento de serviços auxiliares foi o destaque do ano com 121 transações, representando 15% do mercado. Na sequência, aparecem tecnologia da informação (105), varejo (85) e serviços públicos (57), sendo que 291 negócios somaram US$ 88,1 bilhões.

Ir às compras ou unir forças sempre parece algo bom. Mas no caso de fusões e aquisições a observação deve ir além das cifras, colocando o fator humano (colaboradores) no primeiro plano da análise. O dilema: como trabalhar com os sentimentos da força de trabalho antes, durante e depois da compra ou da união de duas ou mais empresas deve focar os trabalhos que antecedem e precedem a F&A.

Valorizar o fator humano
O consultor Ruy Moura, sócio da Acquisitions Consultoria Empresarial, destaca que cerca de dois terços dos fracassos de aquisições são associados a não integração dos colaboradores. “O comprador tem de entender a cultura da empresa que está adquirindo. Se não houver um mapeamento adequado do perfil dos profissionais que ali atuam um conflito será gerado”, explica. E assim a sucessão de tragédias ocorre: primeiro a frustração de ambos os lados, depois o êxodo de profissionais qualificados e, por fim, o fracasso do negócio.

É como comprar uma casa que está alugada, cujos inquilinos ainda não foram informados sobre os planos dos novos proprietários. Por isso, para o consultor, um dos pontos fundamentais no processo é considerar os colaboradores e suas competências. “Do contrário se perdem os valores que poderiam ser agregados”, informa.

Para o trabalho não desandar é preciso um bate-papo aberto com os colaboradores (atuais e futuros). Para o consultor, é função do RH conhecer sua nova população, mesmo porque em alguns casos há sobreposição de funções, o que pode levar a decisões dolorosas, como possíveis demissões. “Mas, regra geral, as empresas procuram aproveitar as competências de todos os colaboradores”, indica Moura.

Unificando culturas
A empresa de tecnologia da informação Stefanini tem know-how no assunto. A multinacional brasileira, que estendeu sua participação no mercado internacional em 33 países, em um curto período de tempo — a primeira subsidiária foi inaugurada em 1996, na Argentina — está se preparando para uma nova fase de expansão. Com a previsão de fechar o ano com uma receita da ordem de dois bilhões de reais (alta de 11% em comparação com 2012), a empresa acaba de traçar um plano ambicioso para os próximos anos: dobrar de tamanho e atingir um faturamento de R$ 4 bilhões em 2016.

Para cumprir a meta estabelecida a receita da Stefanini é valorizar as pessoas. “A Stefanini valoriza o conhecimento dos novos colaboradores porque acredita que não está adquirindo somente uma empresa, mas todo o capital intelectual contido nela”, observa Marcia Mazzetto, diretora de RH do grupo. Isso significa que os colaboradores são a chave de sucesso, assim, remanejamentos e demissões não fazem parte da estratégia de fusões e aquisições da multinacional. Ao contrário, a executiva explica que, quando há uma fusão ou aquisiçã, as pessoas são preservadas.

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Cláudia Ajbeszyc / Crédito: Divulgação
Claudia, da Localweb:nossa maior dificuldade foi o engajamento / Crédito: Divulgação

Nesse processo de união de equipes, o principal desafio, lá atrás, foi unir culturas tão distintas, do México à China, ao gingado brasileiro da companhia. Mas, a julgar pelo depoimento da diretora de RH da Stefanini, o desafio foi superado. “Por ser uma empresa que valoriza a diversidade cultural global, a Stefanini está em constante processo de aprendizado dessas culturas locais e, consequentemente, faz uso desse aprendizado tornando mais rápido e tranquilo cada novo processo de aquisição ou fusão”, explica. “Por atuarmos em trinta e três países, já absorvemos a forma de integrar culturas de diferentes locais. Hoje, isso é um processo normal para nós”, completa.

De acordo com Márcia, a missão, a visão e os valores da empresa são fortemente trabalhados pelas equipes de RH, assim como as atitudes que norteiam os colaboradores. A executiva ainda destaca que o modelo de gestão de pessoas da companhia foca a cultura do empreendedorismo, fortemente reconhecida na figura do fundador da empresa, Marco Stefanini. “Em todos os locais em que atuamos, imprimimos a cultura do empreendedorismo”, indica.

Respeito mútuo
Líder nacional na produção de tubos de PVC e outros itens para a construção, o Grupo Tigre é uma das maiores do mundo no setor. A empresa tem dez plantas no Brasil e quatorze no exterior, espalhadas em países como Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Estados Unidos, Paraguai e Uruguai. A empresa conta hoje com aproximadamente sete mil funcionários, que ajudam a fabricar mais de 450 mil toneladas de produtos anualmente. Esse montante rendeu, só em 2013, R$ 2,9 bilhões de faturamento para a empresa.

Uma das últimas empreitadas da Tigre no exterior foi a compra da Comercial Matusita S.A.C., empresa peruana de tubos e conexões com sede em Lima. A maior dificuldade dessa fusão, como relata o diretor executivo de RH e comunicação interna, José Renato Domingues, foi o choque cultural.

“Unificar culturas tão diferentes foi um desafio. O respeito ao que já estava implantado e funcionando foi fundamental”, relata. Para tanto, questões relacionadas aos sistemas existentes na empresa peruana, às formas de tomadas de decisões, ao fluxo de informação, entre outros aspectos, foram tratadas com muito cuidado. “A decisão foi não mexer muito nas equipes. Fizemos a alocação de três executivos da Tigre para liderar, porém, foram poucas as mudanças nos outros setores da Matusita, principalmente, na operação. Hoje o efetivo é de cerca de 400 colaboradores nessa planta”, detalha.

Domingues explica que a análise de aspectos como remuneração, benefícios e perspectiva de desenvolvimento de carreira foram fundamentais no alinhamento das duas culturas. “Eles entenderam que agora estão em um grupo maior e têm a possibilidade de crescimento”, afirma. O executivo ressalta que, do ponto de vista de carreira, o ganho para os colaboradores locais foi imenso. Na atual situação, eles podem migrar para outros países da região em cargos inclusive mais altos.

Conservadorismo local
A grande diferença entre a gestão de RH local e a da Tigre, como diz Domingues, é o excesso de conservadorismo. “Estamos implantando menos rigidez, mais conversa, mais informalidade, pois eles têm uma postura travada, formal e muito quieta”, analisa. Nesse processo, a imersão do RH local de acordo com as políticas da Tigre foi fundamental.

E os resultados positivos desse cuidado com a integração das pessoas já é positivo. O executivo informa que a produção da antiga Comercial Matusita S.A.C. cresceu entre 18% e 20% desde a aquisição e a expectativa é que o índice chegue a 30% a mais, a partir da inauguração da nova planta.
Já de olho nessa nova fase o próximo passo é a modernização da fábrica no Peru. “Vamos capacitar para a operação da nova fábrica, preparamos o grupo para sistemas mais modernos de gerenciamento, pois os equipamentos modernos são novidade para eles”, informa o executivo.

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Marcelo Nóbrega / Crédito: Divulgação
Nóbrega, da LATAM: A paixão por voar uniu as duas companhias / Crédito: Divulgação

Tecnologias e pessoas
Fundada em 1998, a Locaweb foi a primeira empresa brasileira a oferecer serviços de hospedagem com infraestrutura própria. Hoje, dispõe de um portfólio completo de serviços para a internet, atendendo aos diversos segmentos com diferentes perfis de clientes. 

Nessa caminhada, a Locaweb adquiriu nos últimos dois anos empresas do setor de tecnologia para complementar o portfólio de produtos da companhia: a Eventials, em 2012, e, no ano seguinte, mais três companhias: a Tray (plataforma para loja virtual), a SuperPay (gateway de pagamento) e a All In Mail (plataforma de e-mail marketing).

“Fomos ao mercado e procuramos as líderes nas áreas de compras e eventos (a All In Mail, a SuperPay e a Tray), com o objetivo de reforçar nosso portfólio de e-commerce e oferecer excelência no atendimento aos nossos clientes”, destaca Alexandre Cadaval, gerente de produtos corporativos. As aquisições fizeram com que a empresa quadruplicasse de tamanho e atingisse o número de 10 mil clientes.
No caso da Locaweb, como as companhias compradas eram pequenas, a maior preocupação foi em relação à manutenção dos empregos e cargos dos então novos colaboradores (176). Cláudia Ajbeszyc, gerente de recursos humanos, conta que dúvidas de como a nova força de trabalho seria aproveitada, se ela teria espaço na Locaweb, ou mesmo se queriam ficar na empresa, preocupavam a área de RH.

Aproximar práticas
“Como as empresas adquiridas são de tecnologia e cada uma trouxe sua especialidade, aproximar as práticas das instituições foi um ponto estratégico”, relata. A executiva conta que para os gestores, das antigas companhias, foi dada a oportunidade de continuarem em outras funções dentro da Locaweb. Contudo, houve baixas nas equipes. “Os desligamentos que aconteceram foram nas áreas administrativas, mas mesmo assim algumas pessoas ainda permaneceram na empresa”, afirma.

Ela salienta que o principal desafio do RH foi acolher os novos colaboradores já que fusões e aquisições geram um clima de incertezas. “Nossa maior dificuldade foi o engajamento. Não é tarefa fácil mostrar [aos novos funcionários] que o grupo Locaweb era interessante e que a empresa poderia dar condições de trabalho [a eles].”

Cláudia conta que a integração foi realizada em doses homeopáticas. Antes mesmo de as novas organizações terem sido incorporadas à Locaweb, houve um processo de aculturamento com as práticas corporativas da empresa, que foram intensificadas após o fechamento dos negócios. “Depois começaram a adequar as práticas, conversar e explicar como seria a integração. Reunimos os diretores para planejar e trocar informações”, narra.

Ela completa dizendo que agora não há mais hesitações por parte dos colaboradores. “O que percebo é que os colaboradores sentem-se muito bem”, diz. Para seguir essa lua de mel a Locaweb estuda novo plano de carreira. “Um aspecto muito importante é saber quem tem dupla função, quais as metas estabelecidas para cada um e o que eles pensam sobre a aquisição, para integrá-los da forma correta”, finaliza.

Semelhanças que facilitam
O mercado da aviação sul-americana também passou por recente fusão. Em 2012, a companhia brasileira TAM uniu-se com a chilena LAN, formando o grupo LATAM, que agrega mais de 53 mil colaboradores. Segundo o vice-presidente de gestão de pessoas da TAM, Marcelo Nóbrega, não houve muita dor de cabeça para integrar os colaboradores na nova corporação. “Uma empresa sempre tem suas histórias, crenças e valores. Unir dois universos pode ser complexo, mas, no caso da associação entre TAM e LAN, estamos diante de duas empresas com mais semelhanças do que diferenças”, ressalta. Para o executivo, a aspiração compartilhada e os valores coincidentes são os fatores que permitiram iniciar a união dessas duas fortes marcas. “A paixão por voar é algo que está arraigado nas duas organizações.”

Nóbrega explica que o momento é de construir uma cultura unificada, a cultura LATAM, e esse processo tem início nas lideranças e perpassa todos os demais níveis, buscando estabelecer uma comunicação de mão dupla que viabiliza o diálogo e o engajamento das equipes. “É evidente que não se reinventam crenças, mas é possível renovar a cultura. No caso da construção da cultura LATAM, estamos em busca disso”, afirma.

O executivo indica que na construção dessa nova cultura são evidenciados os traços semelhantes das companhias. “Eles é que vão nos permitir, juntos, atuar no modelo de negócio que desenhamos em conjunto para esta nova companhia”, observa.

 

 

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