Carreira e Educação

Articuladoras de inteligência

de Carolina Sanchez Miranda em 4 de março de 2013
Adriano Vizoni
Marisa, da FIA: educação é o grande gap do país, seja formal, seja corporativa

“Como gestora, tenho visão e formação muito diferenciadas”, afirma Cristiana Heluy, assessora de comunicação e marca da Algar Telecom. E como ela conquistou isso? Dentro da própria empresa, na universidade corporativa. Há sete anos no Grupo Algar, Cristina já teve a oportunidade de fazer diversos cursos na UniAlgar e, no momento, participa de um programa de especialização em gestão com ênfase em marketing, ministrado em parceria com a Fundação Dom Cabral. “Tive um salto enorme do ponto de vista de gestão por conta da UniAlgar. É fantástico, porque os cursos aliam a demanda corporativa com a bagagem de uma instituição de ensino. Uma oportunidade única”, ressalta a executiva.

A iniciativa é boa para o profissional e também para a empresa. “A evolução da receita líquida do grupo, a capacidade de entrar em novos negócios, a imagem que temos criado em âmbito nacional, a capacidade de concorrer, tudo é decorrente de gente preparada para atuar. E, para isso, não dá para ficar só com o que o associado aprendeu na escola”, afirma Cícero Penha, vice-presidente de talentos humanos do Grupo Algar e reitor da UniAlgar.

Escolas próprias
O grupo, com sede em Uberlândia (MG), foi um dos primeiros no Brasil a criar a sua universidade corporativa (UC). “Em 1998, fui com mais cinco colegas aos EUA para ver o que estava sendo feito nessa área. Visitamos algumas, como a do McDonald´´s e a da Motorola, e descobrimos que já naquela ocasião – há 15 anos! – havia mais de mil universidades corporativas naquele país”, lembra Penha. “Por aqui, havia a academia Accor, que funcionava em Campinas (SP) e era uma iniciativa francesa. Brasileira, nós fomos a primeira. Vimos que o futuro apontava para as empresas criarem suas próprias escolas; então, tivemos coragem e criamos a nossa, com a filosofia de ser uma alavanca de desenvolvimento da nossa cultura e dos profissionais que trabalham para o grupo.”

Mas foram poucas as que, durante essas quase duas décadas, estiveram atreladas ao verdadeiro conceito de UC. De acordo com Luís Roberto Mello, consultor sênior do Instituto MVC, nesse período, a principal característica da maioria das universidades corporativas no Brasil era centralizar a oferta de programas de treinamento e desenvolvimento sob um mesmo guarda-chuva, alinhando o processo de qualificação profissional. “Muitos dos preceitos defendidos para a adoção de uma universidade dessa natureza – como a proatividade, o papel estratégico e o atendimento a todo o sistema de valores da empresa – não estavam sendo praticados. Pegaram os antigos centros de treinamento e mudaram a denominação para universidade corporativa”, explica Mello.

Da década de 1990 para cá, o que houve foi, principalmente, uma consolidação das UCs, ou dos sistemas de educação corporativa nas empresas, como constatou a Pesquisa nacional – práticas e resultados da educação corporativa 2012, realizada pela Fundação Instituto de Administração (FIA). “Resultados preliminares apontam claramente que há uma consolidação. Educação é o grande gap do país, seja formal, seja corporativa. Algo fundamental para qualquer empresa. O Brasil tem, ainda, alguns desafios maiores que são a Copa e as Olimpíadas, que irão requerer uma formação a mais em qualidade e quantidade de mão de obra. Não estamos falando de um modismo, mas de algo que veio realmente para ficar”, argumenta a professora Marisa Eboli, coordenadora da pesquisa e do curso de extensão em gestão da educação corporativa, da FIA.

Além da consolidação, houve uma evolução, mas não a passos largos. “Hoje, existe uma percepção de que a UC deve estar alinhada com o modelo de gestão de competências e gestão do conhecimento. Dessa forma, passou-se a desenvolver competências mais do que reagir a necessidades anteriores de treinamentos”, ressalta Mello. No entanto, a pesquisa da FIA mostra que a atuação estratégica de uma UC ainda é um desafio. Em muitas empresas, não existe o alinhamento descrito acima, o que pode ajudar a UC a se tornar efetivamente uma ferramenta para o alcance de resultados organizacionais, atuando de forma integrada aos demais processos da empresa e sendo articuladora da inteligência corporativa.

Melhor - Gestão de pessoasReconhecimento
Esse desafio está vinculado a outros dois que são o reconhecimento das demais áreas da organização sobre a importância da educação corporativa e, principalmente, a conquista do envolvimento das lideranças no processo de educação corporativa. Nesse aspecto, a pesquisa da FIA mostrou que o papel do líder como aprendiz e também professor no processo de educação corporativa precisa melhorar – os resultados apontam que muitos líderes sequer têm o conceito de educação corporativa bem assimilado.

Não bastasse isso, as UCs também enfrentam o desafio das restrições orçamentárias e da realização eficiente da avaliação de resultados de suas ações, que poderia ser usada como argumento para garantir mais recursos. Das 60 organizações pesquisadas, quase a metade (27) contou com o mesmo orçamento do ano anterior ou sofreu redução. Além disso, apenas seis empresas, do total de entrevistadas, afirmam fazer algum tipo de cálculo de ROI das ações de educação corporativa.

Tanto a professora da FIA quanto o consultor do Instituto MVC concordam que entre alguns dos caminhos para reduzir o custo de operação das UCs e aumentar sua eficiência está o uso mais sistematizado da educação a distância e de novas formas de aprendizagem a partir da colaboração entre profissionais.

Nesse ponto, vale citar o exemplo da universidade do McDonald´s. Há mais de 50 nos EUA e há 15 no Brasil, ela usa com maestria o conhecimento dos profissionais com mais experiência.  A empresa realiza programas em parceria com renomadas instituições de ensino, mas a maioria dos cursos não é ministrada por professores externos. “Os professores são os líderes da própria rede, preparados para isso”, diz Gabriela Padron, reitora da McDonald´´s University. Essa prática, segundo a executiva, além de reduzir custos, pode ajudar a resolver o desafio de engajamento dos líderes com o tema educação corporativa. “Fico impressionada com a paixão e o tempo que eles dedicam para a universidade”, comenta.

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Tornar os profissionais disseminadores de conhecimento não apenas pode conscientizá-los a respeito da importância da educação, mas também para manter dentro da organização o conhecimento que adquirem a partir da experiência de trabalho e da realização de programas de capacitação. E isso não apenas no nível executivo. 

“É necessário que existam atividades e momentos em que as pessoas possam compartilhar seus modelos mentais, suas crenças e tudo aquilo que aprenderam pela experiência e têm dificuldade de verbalizar – o que só é conseguido quando as pessoas estão juntas. Mas também é preciso ter mecanismos que tornem o conhecimento em produtos, que possam ser aplicados por toda a empresa”, diz Mello.

Uma forma de criar momentos de compartilhamento é, por exemplo, envolver os profissionais em novos projetos ou na busca de soluções para determinadas demandas da empresa como uma atividade da universidade corporativa. Para transformar o conhecimento em produtos, a UC pode promover o desenvolvimento de manuais de procedimento, conjunto de rotinas, de melhores práticas etc. “Em um processo de gerenciamento de projetos, desenvolve-se uma atividade chamada de “lições aprendidas”, na qual o gerente registra tudo aquilo que deu certo e tudo aquilo que deu errado”, sugere Mello.

Esse tipo de prática não só garante que o conhecimento permaneça na empresa como também traz resultados mais tangíveis ao negócio. E pode trazer mais ainda se fizer os programas de treinamento gerarem novos negócios, como se busca fazer na Universidade de Vendas, a Univen, da Saint-Gobain Abrasivos.

“Tudo que aprendo na Univen é 100% usado no meu dia a dia de trabalho”, diz Andrea Madeira, inspetora de vendas da companhia. O conhecimento adquirido na universidade da empresa é considerado fundamental para a aplicação da metodologia de vendas consultiva, a partir da qual a pessoa não apenas vende um produto, mas o faz pela identificação de necessidades e proposta de soluções para os clientes.

Vale ressaltar que todas as atribuições da UCs e sua atual importância estratégica para o desenvolvimento dos negócios não excluem a necessidade de autodesenvolvimento dos profissionais. Por isso, também é papel dos sistemas de educação corporativa – e isso foi apontado na pesquisa da FIA como algo a ser melhor trabalhado – incentivar os profissionais a serem protagonistas de seu aprendizado, deixando claro quais as habilidades que proporcionarão seu futuro crescimento na empresa, para que possam adotar uma postura proativa nesse sentido.

 

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