Irene, da LHH: companhias estão buscando uma demissão sustentável |
Em tempos de incerteza e de previsões negativas sobre a economia, as empresas correm para apertar o botão do “fazer mais por menos”. Em geral, é época de anúncio de demissões e de cortes no orçamento, em especial, da área de recursos humanos. Em muitos casos, diminuir o quadro de funcionários é uma providência necessária em tempos de “vacas magras”. Especialistas alertam, no entanto, que é nessa hora que o RH precisa ainda mais exercer seu papel estratégico e analisar, junto com a alta direção, os prejuízos que podem ser causados com tais medidas a médio e a longo prazos. A interrupção de programas de treinamento, por exemplo, não deve estar nos planos, principalmente se esperam que menos profissionais façam o mesmo trabalho, ou acumulem novas funções.
Um levantamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que, com a queda nas vendas, o setor de veículos automotivos fechou 23 mil vagas em 2014 e, neste ano, muitas montadoras já começaram a dispensar funcionários ou oferecer incentivos para a adesão a programas de demissão voluntária, como General Motors e Mercedes-Benz. A Volkswagen decidiu colocar seus 4,2 mil funcionários da unidade em Taubaté (SP) em férias coletivas. Empresas dos setores de construção civil e petróleo e gás também estão indo pelo mesmo caminho.
Embora a curto prazo as demissões possam significar um fôlego extra para as empresas, uma estimativa do Hay Group mostra que o custo relacionado à demissão de um empregado gira entre 12 e 18 meses de seu salário, considerando a perda de know-how, a capacidade de multiplicação de conhecimento, a experiência na execução de tarefas e solução de problemas, e, até mesmo, a satisfação dos clientes.
Gustavo Tavares, diretor do Hay Group, explica que a redução do quadro de pessoal e a busca por eficiência já faz parte, há muito tempo, do DNA das organizações em todo o mundo e, portanto, não são medidas exclusivas de países em retração econômica, como o Brasil, a Argentina e a Venezuela. “No entanto, em nosso país, esse processo já não se dará por mera opção das empresas, e sim por uma clara questão de sobrevivência, o que acaba exercendo uma pressão adicional não só nas companhias por si sós, mas em toda a cadeia produtiva”, avalia. “Apesar de entender que em muitos casos a demissão é a única alternativa, recomendamos fortemente aos empresários e aos profissionais de recursos humanos levarem em consideração que as crises são passageiras, e que a capacidade de pronta recuperação dos níveis de produtividade de uma empresa pode vir a ser uma vantagem competitiva determinante num eventual cenário de reaquecimento da economia”, diz.
Bavaresco, da Sonne Branding: as decisões financeiras nem sempre são saudáveis |
Prejuízo à vista
Valéria Andrade, diretora de RH da Kelly Services, consultoria em RH que atua também em recrutamento e seleção especializada e em mão de obra temporária ou terceirizada, chama a atenção para o prejuízo das posições em aberto após demissões e o tempo necessário para preenchê-las e treinar novos funcionários. “Demitir custa muito caro. As empresas devem considerar medidas menos drásticas de diminuição da produção, em reação a momentos de crise, como férias coletivas ou layoff”, diz. “Até para a imagem da empresa é importante que a demissão seja uma opção bem pensada e embasada, utilizada somente quando as demais opções não forem, de modo algum, benéficas”, avalia.
É por isso que Carlos Eduardo Dias, sócio-fundador da Hub, consultoria em RH, defende um mapeamento de talentos. “A empresa precisa reter os profissionais alinhados com a proposta de valor da organização. O principal papel de um RH estratégico, nesse momento, deve ser focar a retenção e o desenvolvimento de talentos.”
Demissão sustentável
Já para Norberto Chadad, CEO da Thomas Case & Associados, é justamente em momentos como esses que a empresa se dá conta de que pode ser mais eficiente com um quadro menor de funcionários, o que é positivo. “Nos períodos difíceis é imperativo demitir funcionários, mesmo com a perda do treinamento realizado nos profissionais”, defende.
Como uma forma de diminuir os danos causados aos funcionários dispensados e também de deixar as “portas abertas” a esses profissionais, pensando em um possível retorno desses talentos após a fase de crise, Irene Azevedo, diretora de negócios da LHH, conta que algumas organizações ajudam os empregados demitidos a se recolocarem no mercado. “Não adianta, vai ter redução do número de funcionários nas empresas, umas menos, outras mais. Só que algumas companhias estão buscando uma demissão sustentável”, explica. “O profissional demitido vai para onde? Para seus clientes ou concorrentes, e ainda pode falar mal da empresa para aqueles que ficam. Por isso, vale a pena fazer uma demissão tranquila e auxiliar esse ex-funcionário a encontrar outro emprego, mantendo a imagem da empresa positiva. Assim não haverá problemas no futuro.”
Manter a calma
“Don’t panic!” [não entre em pânico], aconselha Eugenio Mussak, citando a frase famosa da coleção Guia dos Mochileiros da Galáxia, de Douglas Adams. O escritor e colunista de MELHOR, que em breve lançará um livro sobre liderança em tempos de crise, afirma que as empresas precisam privilegiar a redução de custos gastando melhor, em vez de sair demitindo pessoas. “O que vemos, normalmente, é o executivo enviar um memorando para cada departamento avisando ‘tem de cortar 10%’. Isso não está certo, pois um setor pode ter esse percentual para reduzir, mas o outro talvez não tenha.”
Mussak defende que as empresas devem adotar como pontos de partida a revisão estratégica de seu negócio, o que inclui sua participação no mercado, suas ações de distribuição e sua gestão de recursos, financeiros e humanos. “O alvo não é simplesmente gastar menos, mas gastar melhor. É preciso rever processos. Uma época de crise pode ser uma oportunidade para a empresa se reinventar”, comenta.
“Na dúvida, corte no RH”
Se a economia dá indícios de retração e as previsões são negativas, as empresas costumam reduzir o orçamento ou suspender ações da área de recursos humanos. Além dos processos seletivos, os cortes muitas vezes ocorrem nos programas de treinamento, o que é considerado um erro por especialistas como Jack Phillips, pai da metodologia ROI (retorno do investimento) em T&D.
Tavares, do Hay Group, concorda. “Li uma piada recentemente que faz um excelente contraponto: ‘e se desenvolvermos as pessoas e elas forem embora?’ e ‘e se não as desenvolvermos e elas ficarem?’. Um bom plano de gestão de desenvolvimento deve contemplar que mesmo que algumas pessoas deixem a empresa ao longo dos anos, as que permaneçam tenham sido suficientemente capacitadas para dar seguimento ao plano estratégico de negócios. Garantindo isso, o seu plano de desenvolvimento já terá sido bem sucedido.”
Segundo o estudo Tendências em RH, do Hay Group, duas em cada três empresas conseguiram alcançar os resultados financeiros orçados para 2014, considerado já um ano difícil, em parte graças, como destaca Tavares, ao dimensionamento do chamado pipeline de talentos, que está ligado diretamente a investimentos em capacitação profissional. “Nosso estudo indica que as empresas mais bem preparadas para aproveitar as oportunidades futuras de mercado são aquelas que não descuidam de seus processos de desenvolvimento de talentos-chave, mesmo em momentos de crise”, observa.
Por erros de planejamento estratégico, a empresa pode acabar com uma “extrema ausência de recursos”, enfatiza Maximiliano Bavaresco, diretor da Sonne Branding. “As decisões exclusivamente financeiras nem sempre são saudáveis a médio e a longo prazos. É o paradoxo da sobrevivência ou da morte que corrói a sustentabilidade da companhia.” De acordo com Bavaresco, em tempos de crise, o RH deve analisar a situação, criar cenários e recomendar ações que tenham como intuito não somente preservar a maior eficiência e eficácia das equipes em torno de um objetivo comum, mas, acima de tudo, preservar a cultura organizacional e o valor da marca construídos a partir das relações e do conhecimento das pessoas, dentro e fora das organizações.
Campanhas de endomarketing
Uma das saídas em épocas de aperto financeiro é a promoção de treinamentos internos para a disseminação do conhecimento do negócio, aposta Sheila Nunes, gerente de RH da Finnet. “Intensificar campanhas de endomarketing com temas de comunicação e motivação, além de mapear e estabelecer processos corporativos não existentes também são importantes.”
Para Valéria Andrade, diretora de RH da Kelly Services, esse é o momento em que a área de recursos humanos deve assumir o seu papel consultivo, mostrando à alta direção onde os cortes impositivos, tais como demissão e redução de investimentos em treinamento, irão refletir em grandes prejuízos para a empresa. “O RH tem um papel fundamental também na comunicação. Muitas vezes, os executivos definem a estratégia a ser seguida e deixam-na fluir de cima para baixo. Essa abordagem às vezes não mobiliza os funcionários em torno dos objetivos comuns. Dessa forma, as organizações precisam movimentar seus empregados na tentativa de identificar onde e como cortar custos. Ser claro com os funcionários e mobilizá-los em torno de um objetivo comum têm reflexos muito positivos.”
Comunicação: remédio fundamental
Assim que o mercado começa a anunciar previsões negativas e os jornais anunciam demissões em massa, o clima de incerteza se instala. Como afirma o psicólogo Nicholas DiFonzo, em seu livro O poder do boato (Ed. Campus), na falta de uma posição institucional sobre o que está acontecendo, o boato cresce e afeta o clima organizacional. Ou seja, ser transparente e manter a comunicação é essencial.
Mussak cita a comunicação como um dos grandes focos de atenção da empresa em tempos de incerteza. “Em tempos de calmaria, já é ruim não saber o que se passa na cabeça de alguém, na crise é pior ainda. A empresa precisa se comunicar com todos os seus stakeholders.” Segundo ele, o papel do líder também é fundamental nesse cenário. “A crise tem a virtude de ser desconfortável, gerar movimento. O líder é aquele que faz diferente, que leva a equipe a buscar o novo. Por definição, a crise tem começo, meio e fim, e o líder deve mostrar para as pessoas que o momento vai passar”, diz.
Valéria Andrade, diretora de RH da Kelly Services, concorda. “O líder inspira e gera confiança em momentos de incerteza, e a transparência da liderança cria entre os colaboradores o sentimento de responsabilidade com a organização. A crise pode ser real, porém o medo e a insegurança são piores do que ela. O líder deve mostrar a direção, ser positivo, inspirar os seus funcionários para fazer o seu melhor e superar esse momento.”
Ideias integradas
O RH precisa estar de mãos dadas com os diversos líderes da empresa. Só assim poderá tomar medidas estratégicas que garantam o crescimento da organização, após o fim da crise. “São muitos os erros que as empresas podem cometer em um cenário de incertezas, da mesma forma que são muitas também as oportunidades que advêm de um cenário em que o contexto econômico é pouco favorável”, avalia Tavares, do Hay Group. “Negligenciar os talentos de uma organização, num momento em que é requerido que as pessoas deem o melhor de si, pode potencializar ainda mais os efeitos da crise. Diante dessa perspectiva, uma estrutura de RH que atue de forma verdadeiramente estratégica será fundamental para garantir a atração, a retenção de pessoas com o perfil adequado à cultura e ao momento da organização, garantindo não só a sua sobrevivência durante o período mais difícil da crise, mas também fomentando a retomada do seu crescimento uma vez que o pior já tenha passado.”
Para uma (boa) gestão financeira |
O primeiro passo para fazer uma gestão eficiente dos recursos financeiros da empresa em tempos de crise é buscar uma compreensão profunda sobre a cultura organizacional e como ela varia em momentos turbulentos. “As pessoas tendem a modificar seu comportamento sob pressão e, com isso, o ambiente também mudará”, observa Maximiliano Bavaresco, diretor da Sonne Branding.
Rever o planejamento estratégico, entender exatamente o caminho a ser percorrido, independentemente da incerteza e dos imprevistos, e em que parte do trajeto a empresa se encontra devem ser a etapa seguinte. “Crie diferentes cenários, no máximo três, e para cada um, defina claramente em conjunto com seus pares os requisitos necessários em termos de estrutura organizacional e de pessoas”, diz Bavaresco. Confira: Defina a missão de cada departamento ou unidade de negócio, com o cuidado de manter um alinhamento à estratégia, de forma sinérgica e complementar; Faça um assessment do maior número possível de pessoas, especialmente, as que forem chave para o sucesso da execução; Faça os desligamentos (se isso for extremamente necessário) no menor espaço de tempo possível e, em seguida, crie uma agenda positiva para diminuir a insegurança; A partir desse ponto, promova as ações imprescindíveis em T&D com o objetivo de desenvolver aspectos técnicos, comportamentais e práticos das equipes, otimizando os recursos organizacionais e de pessoas existentes e, especialmente, alocando os recursos financeiros de forma coerente e eficaz; Reforce e se engaje em disseminar tanto os porquês quanto o propósito, os valores e os princípios da organização; Acompanhe os indicadores de performance, dê feedback, reconheça os erros e os acertos por meio de comunicação interna constante e transparente, apontando também os milestones que já foram ultrapassados; Reconheça o esforço e premie a performance coletiva e individual na medida em que os resultados são alcançados. |
Seja forte. E resiliente |
A incerteza sobre os rumos da empresa pode dar “asas à imaginação” e levar a mente do profissional para previsões negativas sobre o seu próprio futuro. É por isso que a resiliência, ou seja, a capacidade de controlar emoções, de manter o otimismo e a calma diante de situações adversas, é fundamental em uma época de crise. “A resiliência é a condição indispensável nesses momentos difíceis. A capacidade de minimizar e não maximizar qualquer ocorrência negativa é fundamental para manter uma conduta sã em um ambiente muitas vezes insano”, afirma Norberto Chadad, CEO da Thomas Case & Associados.
Na prática, porém, não é uma tarefa simples. “Há muito tempo, a palavra ‘crise’ não aparecia de forma tão frequente em nossas vidas. Estamos na crista de uma crise de identidade, de valores e de senso moral. Em um cenário de verdades provisórias, transitórias, excesso de opções e verdadeiro culto ao efêmero, como manter o equilíbrio emocional ou fazer boas e verdadeiras escolhas?”, filosofa Felipe Maluf, sócio-diretor da YCoach. Para Tavares, do Hay Group, ser resiliente ajuda, e muito, sem dúvida, mas não é o suficiente. “Contar também com um amplo repertório de competências e estilos de liderança pode se mostrar muito mais efetivo em um momento de resultados desfavoráveis”, diz. O importante, segundo o consultor Jorge Bassalo, é saber o que está acontecendo. “A pior decisão de um profissional em momento de crise é se esconder. Se ele não tem clareza do seu papel na organização, deve conversar com seu líder e se posicionar — e esperar”, afirma. |
Matéria publicada em 2015.