Simone, da Osram: expor a real situação e conter o nível de insegurança |
Demissão não tem receita nem fórmula mágica. O desligamento sempre mexe com a autoestima de quem sai e desestabiliza quem fica. Ainda que o RH busque processos mais humanizados e saídas menos traumáticas, enxugamento, corte de pessoal ou reengenharia são sinônimos para uma mesma decisão: redução de despesas com pessoal diante do momento econômico desfavorável ou de algum problema interno transitório. Nessa leva, em geral, são cortados os salários mais altos, os funcionários com mais tempo de casa ou aqueles com benefícios mais generosos.
“Estamos vivenciando esse momento na pele”, confessa Simone Negrão, gerente de seleção, treinamento e desenvolvimento de pessoas da Osram, marca reconhecida há mais de 100 anos como sinônimo de iluminação. Com a rápida mudança das tecnologias e a invasão de produtos chineses num mercado em que a companhia sempre manteve a liderança, as plantas produtivas também se transformaram e as mudanças na gestão e na estrutura não demoraram. “A empresa tem necessidade de oxigenação”, diz Simone. O que fazer, então, com os colaboradores com 30 anos ou mais de casa?
Todos os funcionários da Osram, segundo a executiva, têm conhecimento desse momento da empresa. E os cortes, quando solicitados pelo CEO, seguem alguns critérios pela ordem: baixo desempenho, colaboradores mais jovens, quem não tem filhos pequenos. “Acolhemos da melhor maneira os demitidos e dispensamos do aviso prévio; pagamos e pronto. Muitas vezes, até encaminhamos para recolocação”, diz Simone.
Medo da black list
Para quem consegue se manter no cargo, o medo de ser cortado numa eventual próxima leva é constante. Com a recente recessão no país, impostos em alta e crescimento em baixa, encontramos muitas pessoas nessa situação. “Vivemos num clima de insegurança. Há poucos dias, uma colega minha com mais de trinta anos de casa foi embora; amanhã, poderei ser a próxima dessa lista”, relata uma colaboradora da indústria automotiva, que preferiu não ser identificada na reportagem, com medo de represálias.
A personagem conta que o clima na empresa já não andava lá muito bem desde o começo do segundo semestre de 2014. À época, começaram a aparecer rumores de demissões, especialmente entre aqueles que trabalham no chão da fábrica, diretamente na produção de veículos. “Tivemos bons resultados na indústria automobilística nos últimos cinco anos. Mas as pessoas estão agora sem dinheiro para comprar carros e o governo não tem mais fôlego para dar incentivos”, conta. O resultado dessa soma de fatores negativos foi o de sempre: demissões.
Os rumores viraram, então, realidade. Mas, ao contrário do que se falava, os principais cortes ocorreram em setores administrativos. A colaboradora conta que no setor em que atua o sindicato é muito forte. “O pessoal que era para ter sido demitido não foi – conseguiram em negociação com o sindicato a sobrevida deles aqui. Porém, muitos colegas da área administrativa não tiveram a mesma sorte.”
Acúmulo de funções
A personagem relata que parte daqueles que se foram, aos poucos, está sendo substituída, por outros terceirizados. Mas muitas posições estratégicas foram assumidas por pessoas que já acumulavam tantas outras funções. “Todo dia acordo sabendo que terei novas responsabilidades”, diz, por ora, a sobrevivente.
Claudia Giudice: ter um plano B |
Esse cenário descrito costuma ser bem parecido em qualquer empresa que se vê diante da necessidade de cortar para sobreviver, conforme relatam consultores de RH. É uma instabilidade que vai crescendo e tomando conta dos colaboradores, e que a rádio peão se encarrega de espalhar em forma de pânico.
“Resisti a duas grandes demissões. Com uma diferença de quatro anos, a companhia demitiu 75 pessoas numa primeira leva e outro tanto numa segunda. Foi horrível. As pessoas eram chamadas para uma sala: iam tremendo e voltavam chorando”, explica Dan Korov, consultor em tecnologia de segurança. Para ele, o pior dessa situação foi o clima de insegurança que se instalou entre os que ficaram.
“Nem vou falar em sobrecarga de trabalho, já que a empresa demitiu porque esperava um crescimento que não veio”, diz. Diante do clima, Korov decidiu não esperar uma terceira leva de demissões. “Saí antes e abri minha própria empresa”, desabafa.
Demissão na companhia é um grande desafio para o gestor. Levantar o ânimo do time que sobreviveu aos cortes só mesmo com muita transparência, cumplicidade e divisão de tarefas, na opinião de Madalena Feliciano, da Outliers Careers, especializada em gerenciamento de carreira. “Os colaboradores precisam saber que os cortes foram necessários para a sobrevivência da empresa e que a companhia agora depende de todos os funcionários para sair da crise”, explica.
Dividir responsabilidades, acatar ideias e prestigiar quem ficou depois do enxugamento são atitudes colaborativas que farão os sobreviventes vestir a camisa e até trabalhar em dobro, se necessário. Afinal, eles sabem que o momento de crise é transitório e que o resultado final pode ser muito compensador para todos (veja mais sobre o assunto no quadro Injeção de ânimo).
Acabar com a falácia
Como relatado, quando o ambiente do diz que diz que fica próximo do insuportável, a empresa precisa agir para conter o sangramento. Na Osram, quando isso acontece, a ponto de paralisar as pessoas e prejudicar a produtividade, Simone conta que o CEO convoca uma town hall, espécie de reunião interativa, para expor a real situação e conter o nível de insegurança. “É uma forma de fazer o ambiente voltar o mais próximo possível da normalidade e acalmar os colaboradores para que trabalhem sem sobressaltos em relação ao dia de amanhã”, observa Simone Negrão, da Osram.
Esses sobressaltos são compreensíveis. Afinal, quem se prepara para o momento da demissão? Ainda que perceba que a empresa não vai lá muito bem das pernas, qual é o funcionário que imagina estar numa lista de demissão? Alguma vez passou pela cabeça de quem entra numa empresa como contratado, com carteira assinada, que sua trajetória, da mesma forma que teve início, terá meio e fim? Que empresas se preparam com programas de conscientização dos colaboradores para eventuais desligamentos numa situação de crise? É comum uma companhia prever que algum dia poderá precisar demitir para garantir a própria sobrevivência? E em caso de previsão, saberia como fazer para amenizar a situação de quem sai?
A falta de preparo e de visão dos funcionários sobre o que gostariam de fazer se não estivessem exercendo a atividade que exercem pode transformar a demissão em um acontecimento ainda mais traumático. Há quem entre numa empresa acreditando que só sairá dali quando se aposentar. “Isso não existe mais”, afirma Simone. O profissional deve entrar na companhia sabendo que o emprego não é para sempre e que precisa tratar de sua carreira: dominou o que aprendeu, parte para outra. Já passou o tempo em que a empresa oferecia determinados benefícios para segurar o colaborador no posto. “O tempo do paternalismo acabou”, frisa. “Cada funcionário deve ser responsável pela própria carreira, não pode esperar as benesses que a empresa costumava oferecer; essas práticas ficaram no passado”, destaca.
Transição de carreira
Se demitir é difícil e não tem receita, a forma de demitir pode ser ainda mais complicada. Demissão tem de ser a última alternativa, na opinião de Mariá Giuliese, especialista em práticas de demissão e transição de carreira. Mariá acredita que, se a empresa quer um RH estratégico, deve ter uma política de demissão com o aval dos gestores, determinando critérios, participação e avaliação de desempenho. “Quando não há critérios, fica sempre a impressão de que a demissão é uma decisão pessoal e que o gestor está querendo se livrar de alguém e não fazendo justiça”, diz Mariá.
Foi o que aconteceu com Suely Gubman, hoje proprietária de uma empresa de logística de distribuição de revistas, jornais e catálogos. “Depois de 25 anos de trabalho [como jornalista], o novo chefe que assumiu o departamento pediu a minha vaga para um amigo. Fui demitida.” Nas palavras de Suely, a demissão foi a ponta de lança para empreender o negócio próprio. Após trabalhar como freelancer por um tempo, ela resolveu empreender. “Foi o melhor que poderia acontecer: constatei que, sozinha, eu conseguia fazer o trabalho muito melhor que o departamento inteiro. E decidi abrir minha própria empresa”, conta.
Caminho semelhante seguiu Bernadete Pupo. Ela, que gerenciava a área de RH de uma companhia, foi demitida após vinte anos de empresa num momento de enxugamento. “A demissão atinge em geral os mais experientes, com salários mais altos e com mais capacitação. Minha primeira reação foi de revolta, porque me tirou da rotina, do comodismo, da zona de conforto”, conta. Porém, diz Bernadete, ela acabou encarando esse inesperado pontapé pelo lado bom. A nova realidade despertou nela novos interesses: fez dois mestrados, lançou livros, ministrou palestras.., enfim, ampliou a área de atuação. “Hoje, construí planos B, C e D para nunca mais passar de novo por aquele impacto”, indica.
Clima após as demissões
Elizenda Orlickas: último recurso |
Em sua maioria, os processos de demissão são subjetivos e o demitido nunca saberá por que foi o escolhido. Mas o RH precisa ter habilidade suficiente para lidar com o clima que vai encontrar depois da demissão – e estabelecer critérios. Há profissionais especializados em demitir pessoas. Em caso de necessidade, a empresa pode contratar alguém para orientar o demissor de forma que a demissão seja o mais civilizada, adequada e serena possível. “O RH precisa se apropriar da responsabilidade que tem e fazer parcerias com empresas de recolocação e de outplacement para deixar o colaborador mais confortável”, recomenda a especialista Mariá.
Recolocação é uma forma de demitir sem abandonar o profissional na rua da amargura. É uma demissão com possibilidade de continuidade em outra empresa a partir da ajuda de um consultor que reformula o currículo e garimpa no mercado alguma empresa com perfil semelhante e cargo similar. Outplacement, a especialidade de Mariá Giuliese, é um respaldo mais sofisticado que a empresa oferece ao colaborador demitido e só pode ser contratado pela pessoa jurídica. Outplacement orienta e dá suporte na transição, estrutura o planejamento de carreira no curto, médio e longo prazo e orienta o próprio negócio.
Confusão na demissão
Demissão inadequada dá problema. Funcionário constrangido num processo de demissão pode apelar para uma ação de ressarcimento por danos morais. “Fui demitida grávida da empresa onde trabalhava por engano”, explica Marlene Cohen. A profissional conta que a editora na qual trabalhava passou por problemas financeiros e não efetuou o pagamento de seus colaboradores. O fato rebelou uma greve. A empresa viu nessa insubordinação do pessoal uma brecha para demissão em massa por justa causa.
“Mas eu não estava em greve, estava em casa, de licença, esperando pelo nascimento do meu filho. O RH esqueceu desse detalhe e enviou cartas de demissão para todos os funcionários – para mim inclusive”, relata.
A empresa pediu falência, ninguém recebeu nada. “Entrei na justiça para provar que minha demissão foi injusta. Meu filho está com 23 anos e o processo ainda espera julgamento.”
Análise do cenário
Para evitar dores de cabeça para o empregado e empregador, especialistas orientam a empresa a não proceder às demissões sumariamente, como se tivesse pressa de se livrar de alguém com alguma doença. É melhor ser habilidoso e buscar processos mais humanizados – e, em caso de dúvida, contratar os serviços de algum profissional de fora. É mais benéfico pagar por um serviço bem feito do que ter de amargar uma indenização por assédio moral. Consultor que vem de fora para o processo de demissão tem distanciamento crítico e ideias menos comprometidas. Além disso, sabe como formar parceria com aquele que demite para que a transição seja o mais suave possível.
Demissão deve ser feita com um grande prazo, na opinião de Elizenda Orlickas, consultora de RH. Como a empresa sabe que a situação que levou ao enxugamento não aconteceu de uma hora para outra, ela recomenda que as demissões sigam certos critérios: “Não devem ser feitas em dezembro nem na volta das férias dos colaboradores; além disso, é providencial respeitar quem esteja passando por alguma questão pessoal ou familiar”, recomenda.
Empresa demitir funcionário com alto capital intelectual num momento de crise também é um risco. Como abrir mão de talentos preciosos, pessoas que são peças-chave na empresa, numa determinada circunstância em que não há como sustentar aquele salário – não importa se de forma transitória ou permanente? Contar com a confidencialidade do colaborador é fundamental para a empresa, mas a discrição do funcionário também é crucial para sua própria reputação. “Se sair contando os segredos da organização, o colaborador corre o risco de não obter a confiança do eventual novo empregador”, diz Elizenda.
Plano B
Madalena, da Outliers Careers: dividir responsabilidades |
Investigar os colaboradores que têm algum plano B ou outra atividade paralela também pode ser um critério em caso de enxugamento. Um programa de conscientização poderia informar com transparência total aos gestores que o momento é transitório e que os subordinados têm todo o direito de saber o que acontece.
“Não tem jeito confortável de demitir – nem para quem demite nem para quem é demitido.” Essas são palavras de Claudia Giudice, ex-executiva da editora Abril, que foi desligada da empresa após 23 anos de casa. Ela expôs publicamente as feridas de ser demitida e planeja lançar um livro relatando a história.
“A confissão de demissão é triste, envolve uma sensação de fracasso, de perda, mas eu tive coragem, não tive vergonha de dizer e compartilhei publicamente o que estava passando”, frisa. A terapia em praça pública fez bem para Claudia. Ela passou a se dedicar mais a seu negócio: uma pousada perto de Salvador (BA). “A vida sem crachá e sem o celular da empresa pode ser boa para quem tem um plano B. Para mim foi”, destaca.
“Ainda que a demissão seja o último recurso, as pessoas precisam ter conhecimento do que, quando e como vai acontecer”, diz a consultora Elizenda. Só assim se evitam os boatos e os medos desnecessários: “Quem vai sair tem tempo de se colocar novamente no mercado e quem fica se organiza para absorver mais trabalho”.
Humanizar a demissão |
Dispensa de colaborador mexe com a carreira do profissional, impacta os demais colaboradores e, se mal conduzida, abala a imagem da corporação. Por isso, deve ser planejada, organizada e bem orientada pelo RH em colaboração com os gestores. A consultoria Lens & Minarelli elaborou um guia de práticas que trata da dispensa de forma profissional, serena e sensível em dez recomendações:
1. Demissão custa tão caro quanto contratar. Portanto, deve ser tratada como recurso extremo. Antes disso recomenda-se esgotar todas as possibilidades de transferência, treinamento, coaching, diálogo, avaliações, baixa motivação. 2. Colaboradores não são propriedade do chefe imediato. Assim, a demissão deve ser ponderada e decidida por consenso entre o chefe que pretende demitir, seu superior e o RH. 3. O tratamento deve ser cuidadoso, individual e responsável para evitar que se agravem eventuais problemas que o colaborador esteja enfrentando. Idade avançada ou proximidade da aposentadoria, problemas de ordem pessoal ou familiar são questões a ser consideradas. 4. A comunicação da dispensa é de responsabilidade do chefe imediato e a conversa deve ser individual, em local e horário adequados. Nunca na sexta-feira nem em final de expediente. Informar as razões que determinaram a demissão e que se buscou uma solução alternativa são argumentos recomendáveis. Agradecer a colaboração e ouvir as considerações e desabafos do demitido são missões pessoais e intransferíveis. 5. Desligamento não significa isolamento. O demitido deve ter oportunidade de falar e se despedir de todas as pessoas, se assim quiser. Se o processo foi conduzido com tranquilidade e responsabilidade, não há razão para impedir que o demitido se despeça de todas as pessoas com as quais trabalhou. 6. Demissão abala profundamente quem fica. É fundamental informar imediatamente todos os colegas da equipe para evitar a boataria, a rádio peão e até a queda de produtividade. 7. O valor de mercado de um profissional empregado é maior do que um desempregado de igual perfil. Por isso, a comunicação prévia da demissão é recomendável, para que o profissional tenha tempo e tranquilidade para cuidar da continuidade da carreira. Mais: poderá tratar de seu orçamento para o tempo das vacas magras sem ser pego de surpresa. 8. Demitido deve ser tratado com respeito e sair pela porta da frente exatamente como no dia em que entrou. 9. Perder o emprego significa perder a estabilidade, a tranquilidade e a seguridade até que o demitido tenha uma nova colocação. Fica por conta da empresa estender por um determinado tempo benefícios como assistência médica, seguro de vida e até o automóvel. 10. Nem sempre os profissionais têm tempo de se preparar para o mercado enquanto estão empregados. Quando demitidos, se sentem sem chão, perdem o rumo. Muitas empresas se tornam responsáveis por esse sentimento e adotam alguma política de continuidade de carreira. |
Injeção de ânimo |
Para motivar o time, a empresa precisa de alguém muito competente na linha de frente. “É nessas horas que o líder é fundamental, de verdade”, diz Madalena Feliciano, da Outliers Careers. “É aquela figura que prova a todos que a cultura do medo não vai funcionar e que a união e a criatividade de todos são a única saída.” Afinal, não tem nada mais fácil do que liderar uma empresa que está sempre no azul; o desafio está em cortar custos, controlar a ansiedade e a inquietação do time, motivar os colaboradores e cultivar a serenidade para que todos produzam sem sobressaltos.
“O verdadeiro líder faz toda a diferença no momento de crise”, afirma Madalena. “É aquele que pode até cair, mas levanta muito rapidamente; conhece as habilidades das pessoas, é transparente e passa tranquilidade aos liderados”, diz. Transparência é característica fundamental num momento pós-corte na empresa. Da mesma forma que a demissão provocou impacto, os colaboradores precisam ser comunicados, de forma clara e objetiva, que mudanças deverão ocorrer, mas que todos estarão juntos para enfrentar a transição e que participarão com seu trabalho e ideias. “É importante lembrar que as crises são cíclicas e que acontecem justamente para despertar a criatividade, sair da zona de conforto e criar a possibilidade de fazer diferente”, diz. “É uma forma de baixar a ansiedade e não contaminar a equipe.” E já que o sacrifício deve ser de todos, os superiores também podem oferecer sua contrapartida deixando de receber determinados benefícios, sugere Madalena. “Processos de mudança trazem desconforto para todos e, se os líderes demonstram que estão participando desse movimento para o bem coletivo, a transição pode ser mais suave e mais serena.” |