Para acompanhar as transformações da sociedade, muitas empresas estão adaptando as relações de trabalho para formatos mais flexíveis e customizáveis. O horário de expediente pode ser negociado – ou mesmo substituído pelo home office. Benefícios agora são escolhidos individualmente, no modelo “boutique”. E a remuneração está cada vez mais atrelada ao desempenho. Até a função precisa variar de tempos em tempos para que o trabalho continue desafiante.
O conceito sociológico da Geração Y, que cresceu já no mundo digital, tem sido assimilado pelos departamentos de recursos humanos para um cotidiano profissional menos hierárquico e mais estimulante. De acordo com os especialistas, são jovens multitarefa, ambiciosos e menos afeitos a ordens cujos motivos não são claramente explicados. Por essas características, esses profissionais podem transitar de um emprego a outro sem grandes receios.
Na Ativas, empresa mineira especializada em gestão de tecnologia da informação, o horário de entrada foi adaptado há três anos. Agora, os funcionários podem optar por chegar às 8h ou às 10h. Também é possível esticar a jornada em troca de um horário de almoço mais longo, como informa a diretora de RH Fernanda Greco. “Algumas pessoas preferem malhar pela manhã, outras têm de encaixar a terapia na hora do almoço – com essas opções, cada pessoa adapta o horário de trabalho às suas necessidades.”
A flexibilização é especialmente utilizada por mulheres, segundo a diretora, porque elas ainda assumem a maior parte dos compromissos relacionados ao cuidado com a casa e a criação dos filhos. “Com a mudança na legislação do trabalho doméstico, muitos pais precisam agora levar ou buscar os filhos na escola”, ilustra Fernanda. A Ativas também mantém iniciativas piloto de home office. “Alguns de nossos projetos têm prazos de entrega muito bem definidos, o que funciona bem nesse formato.”
Banco de horas
Outro tipo de flexibilização é o banco de horas. “Um funcionário pode optar, por exemplo, pelo trabalho em meio período quando está em semana de provas na faculdade”, afirma a diretora. É possível até a ausência em período integral para uma viagem fora das férias. O funcionário tem um ano para repor as horas ou dias que deve, trabalhando um pouco mais depois do expediente. “Nunca precisamos descontar essas horas do salário de alguém.”
A Softtek do Brasil, multinacional focada em soluções de TI, também trabalha com jornadas flexíveis. “A idade média dos nossos funcionários é de 32 anos – 55% do nosso pessoal é da Geração Y”, afirma a gestora de RH Leticia Cupertino. Hoje, 20% de seus 1,7 mil funcionários trabalham em home office. “É uma opção interessante para todas as partes, porque a produtividade aumenta bastante”, diz.
Para quem trabalha na empresa, os horários de entrada podem variar em uma margem de três horas (das 7h às 10h), mesmo que de um dia para o outro, de acordo com a área e a liberação do gestor. A Softtek também permite uma licença não remunerada de até seis meses, com garantia de retorno à mesma função, para quem desejar fazer um curso fora do país, por exemplo.
Ao mesmo tempo, a companhia incentiva a diversificação do trabalho. Em algumas funções, é possível viajar bastante – em outras, o trabalho é fixo na sede. Assim, o funcionário pode adaptar o trabalho a cada momento de vida. Se é solteiro e sem filhos, pode prestar consultorias em lugares diferentes. Caso esteja casado e com filhos pequenos, pode optar por um cotidiano mais estável.
Benefício próprio
No ano 2000, empresas como a HP e a Compaq foram precursoras em programas de benefícios customizáveis. Aos poucos, esse modelo começa a se espalhar. Há 20 anos no mercado, a BRQ, empresa especializada em serviços de TI, considera bem sucedido seu programa de benefícios flexíveis.
Alguns parâmetros, é claro, são estabelecidos pela legislação trabalhista, mas o beneficiado pode, por exemplo, escolher um plano de saúde básico e investir os créditos restantes em um convênio odontológico ou em um seguro de vida.
“As necessidades das pessoas são muito diferentes e mudam com o passar do tempo”, afirma o diretor de RH José Roberto Haddad. “Os mais jovens gostam de investir em vale-alimentação; os mais velhos, em seguro de vida”, exemplifica. Hoje, são 4 mil funcionários, em oito cidades brasileiras e em Nova York.
A consultoria e corretora de seguros UIB Benefícios foi criada a partir desse conceito de “boutique”, em que o funcionário pode escolher os benefícios que mais o interessam dentro de uma cartela de opções.
Pode soar estranho, mas esse tipo de flexibilidade ainda enfrenta alguma resistência entre trabalhadores brasileiros, como explica Ricardo Lobão, CEO da UIB. É uma questão cultural. “Muitas vezes, o funcionário não se sente confortável em fazer essas escolhas porque teme ter de lidar com as consequências de uma decisão eventualmente ruim.”
É um formato que requer maturidade do consumidor ou, no mínimo, uma mente mais aberta. “Empresas de tecnologia, com funcionários mais jovens, tendem a implantar esse sistema com mais facilidade”, afirma Lobão. “Mas em outras áreas ainda prevalece uma mentalidade sindical de que as empresas devem ser provedoras de tudo.”
Outro obstáculo é financeiro. Como os funcionários podem flutuar entre diferentes opções, fica mais difícil para o departamento de RH obter descontos por volume de adesão em planos de saúde e de seguro de vida, entre outros. “Por tudo isso, as empresas que adotam benefícios flexíveis têm de investir cerca de 50% de seu orçamento em comunicação”, estima o CEO. Palestras e manuais precisam ser ricamente detalhados, para que os funcionários possam fazer suas escolhas com mais critério e convicção. Em geral, também é necessária a contratação de uma consultoria especializada para a administração das contas desses benefícios variáveis.
Dinheiro vivo
Na 4Bio Medicamentos Especiais, com base em São Paulo, a ênfase da flexibilidade se dá em um programa agressivo de remuneração. “Como o trabalho envolve a saúde e a vida das pessoas, nossa equipe precisa estar sempre muito motivada”, afirma o presidente da empresa, André Kina. “Para começar, pagamos salários 25% maiores do que a concorrência”, diz.
Soma-se a isso um plano de bonificação e participação nos lucros que pode chegar a seis salários adicionais por ano. Há ainda uma meta de longo prazo (cinco anos), que, se atingida, pode somar outros dez salários nessa conta. “Estamos há três anos nesse processo e tudo indica que o resultado traçado será atingido”, avalia o presidente. Se tudo der certo, em 2015, cada funcionário pode receber um total de 29 salários.
É uma meritocracia palpável, com retribuição em dinheiro. “Se um funcionário quer dar entrada em um apartamento, comprar um carro ou pagar a faculdade do filho, sabe que pode conseguir”, afirma Kina. “Assim, todos trabalham motivados e desafiados.” Criada em 2005, a 4Bio vem crescendo em um ritmo de 40% a 50% ao ano. Até o final de dezembro, o faturamento de 2013 deve chegar a 85 milhões de reais, com apenas 75 funcionários.
Flexibilidade já
O que pensam os trabalhadores – No Brasil
27% dos profissionais afirmam que sacrificam o sono para dar conta dos compromissos do dia a dia, seja acordando mais cedo ou passando noites em claro.
30% dizem que poderiam dormir mais se perdessem menos tempo no deslocamento até o escritório e 27% descansariam melhor se houvesse flexibilidade em relação ao local de trabalho. 56% acreditam que as empresas recompensam seus gestores pelo incentivo à flexibilidade.
O que pensam os trabalhadores – No mundo
55% das mesas de escritório ficam vagas na maior parte do tempo. 72% dos entrevistados afirmam que seriam mais produtivos se suas rotinas de trabalho fossem mais flexíveis. 80% acreditam que políticas de flexibilidade ajudam as empresas a reter talentos.
Escritório flex
Em 1989, antes da popularização da internet, o empresário britânico Mark Dixon criou um conceito visionário de escritórios para locação. A ideia surgiu durante uma viagem para Bruxelas, na Bélgica, onde percebeu que, por falta de um local adequado, executivos acabavam fechando negócios importantes em saguões de hotel. Hoje, a marca Regus tem escritórios flexíveis em 600 cidades, de 100 países. No Brasil, são 42 unidades, em 11 cidades (São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Fortaleza, Recife, Salvador, Brasília e Vitória), com um total de 7 mil clientes. A capital paulista concentra 21 dessas unidades – cinco apenas no eixo da Avenida Paulista. Sete delas foram inauguradas na cidade apenas no primeiro semestre deste ano.
Nesses centros de trabalho, é possível usar uma única mesa com acesso à internet ou alugar um conjunto de escritórios, como fez o Google Brasil por oito anos. O acesso individual funciona como uma adesão a uma grande rede de academias de ginástica. O usuário pode escolher a cada dia a localização mais conveniente. De acordo com a Regus, micro, pequenas, médias e grandes empresas tendem a se tornar mais produtivas ao aderir ao formato.
Os funcionários gastam menos tempo em deslocamento, ficam mais satisfeitos com a rotina de trabalho e a empresa economiza em infraestrutura fixa. “Como os nossos prédios são sóbrios, confortáveis e bem equipados, essa solução garante a manutenção de uma boa imagem corporativa”, afirma a diretora regional, Fernanda Patzina. É possível receber clientes, realizar reuniões e mesmo fazer videoconferências em salas adequadas. O preço anual por pessoa é de R$ 300 em área compartilhada e R$ 500 em escritório, conforme o contrato. De acordo com o plano, a Regus pode proporcionar, além da infraestrutura básica (telefonia e internet), serviços como processamento de texto, editoração eletrônica, contabilidade e suporte de RH.