Gestão

Aumento de responsabilidade

de Gumae Carvalho e Thais Gebrim em 22 de junho de 2009
Fabio Barbosa, presidente do Santader Brasil

Ele está à frente de uma das maiores fusões do mercado financeiro no Brasil. Experiência tem de sobra, afinal, Fabio Barbosa, presidente do Grupo Santander Brasil, traz no currículo a integração do Real com o holandês ABN Amro. E agora, centra suas atenções na fusão com o banco espanhol, do qual foi nomeado presidente do grupo no Brasil. Nomeação que, aliás, causou surpresa – ou não, para alguns.

Esse foi um dos poucos, quase raros, casos em que o presidente da empresa adquirida assume o comando da futura organização. Até então, esperava-se que esse posto fosse ocupado pelo colombiano Gabriel Jaramillo, na época presidente do Santander no país. Jaramillo foi alçado ao cargo de diretor do banco para a América Latina e Barbosa indicado para seu lugar. Quanto uma empresa perderia se um profissional como Barbosa pedisse para sair? Muito. E o que faz alguém valer tanto para uma organização? Sua capacidade de liderança alinhada aos novos tempos.

“Digo, de brincadeira, que sou o diretor de RH do banco”, conta Barbosa. “Meu trabalho é cuidar para que a empresa crie as melhores condições possíveis para o desenvolvimento das pessoas. Costumo dizer, também, que precisamos ter pessoas melhores para ter profissionais melhores. O foco é o desenvolvimento do indivíduo e cobro bastante isso. Só com pessoas satisfeitas teremos um bom atendimento e, então, clientes satisfeitos e acionistas satisfeitos. É um círculo virtuoso que começa com a satisfação pessoal”, explica o novo presidente do Santander Brasil.

Além do enfoque nas pessoas (e suas consequências), Barbosa também é conhecido como um “banqueiro verde”, graças às políticas e aos programas voltados para a sustentabilidade criados no Banco Real. Sua preocupação com o futuro traduz-se no dia a dia, quando toma as decisões de um banco que emprega mais de 50 mil pessoas. “É muita responsabilidade e essa consciência precisa estar presente nas decisões”, reforça.

Barbosa é o que se pode chamar de líder responsável, conceito que vem ganhando força com a ajuda da atual crise por que passamos. Mas o que vem a ser isso? “Liderança responsável é aquela que se preocupa com todos os impactos de sua decisão e, principalmente, com o desenvolvimento da sociedade”, responde o presidente do Santander.

Não seria estranho se cada um de nós não se perguntasse agora: “E todo líder não deveria ser responsável?” Em tese, sim, muito embora tenhamos assistido a profissionais muito mais interessados em liderar o aumento de suas contas bancárias, custe o que custar para o meio ambiente e para a sociedade… A crise está aí para provar isso. Lembremo-nos dos escândalos dos bônus da AIG, dos grandes bancos americanos que caíram por terra, da GM e outras montadoras nos EUA que andam pelas free ways que o diabo asfaltou…

Mas nem tudo está perdido. Crises passam e, mais do que isso, vemos uma nova geração de profissionais que passam a levar em conta na hora de escolher uma empresa para trabalhar questões como o desenvolvimento da sociedade. “Há muitos casos de formandos em MBA que estão optando por seguir carreira em ONGs em detrimento de grandes empresas. Os valores não financeiros começam a entrar cada vez mais na pauta”, lembra Barbosa, que estará na abertura do 35º Congresso Nacional sobre Gestão de Pessoas (CONARH) debatendo o tema liderança responsável com John Wells, presidente do IMD – centro de estudos para executivos sediado em Lausanne, na Suíça.

À frente de um movimento internacional em prol do tema (liderança responsável) na superação da crise, Wells mostrará por que esse conceito está baseado no entendimento de que os líderes têm uma missão que vai muito além de gerar resultados financeiros imediatos para as organizações – precisam, sim, gerar valor e crescimento sustentado, levando em conta o impacto de suas decisões para seus parceiros, comunidade e meio ambiente.

Para Wells, a liderança responsável entrega os resultados certos da maneira certa. No caso das empresas, diz ele, “resultados certos” significam lucros superiores e de longo prazo, utilizando os recursos de forma mais eficiente e eficaz, proporcionando crescimento e sustentabilidade, o que vai gerar mais valor e satisfazer mais os stakeholders. “E ´maneira certa´ é tratar as pessoas e as instituições de forma justa e com equidade, o que inspira confiança e lealdade, fundamentais para um bom negócio”, assinala.

César Souza, presidente da Empreenda

Valores
Mais uma vez, pode-se pensar que a expressão “liderança responsável” comporta uma redundância. Afinal de contas, ou é responsável ou não é liderança. Entretanto, como ressalta o consultor e educador Eugenio Mussak, presidente da Sapiens Sapiens Desenvolvimento Integral, costuma-se utilizar o termo especialmente para os líderes que não têm preocupação apenas com os resultados, mas que também levam em conta as consequências sobre as pessoas, sobre a sociedade e sobre o meio ambiente. “Líderes responsáveis têm pensamento sistêmico, fazem conexões com o futuro e não abrem mão do comportamento ético”, reforça. 

E é nessa linha que segue César Souza, autor do best seller Você é do tamanho dos seus sonhos (Agir Negócios). Para ele, que também é presidente da Empreenda, liderança responsável é a baseada num conjunto de valores que visa desenvolver outros líderes e que respeita comunidades e o ambiente em que vivemos. “É o oposto da predadora, que só visa o resultado econômico e financeiro de curto prazo, doa a quem doer, custe o que custar”, diz.

Esse modelo de líder está com o prazo de validade expirando. Lembram-se da nova geração a que se referiu Fabio Barbosa? Pois bem, esses profissionais possuem valores diferentes – para o bem. “Eles não aceitam ser liderados por quem se baseia nos atuais conceitos e práticas de liderança”, diz César Souza, embora acrescente que, infelizmente, muitas empresas ainda estejam treinando líderes?para uma realidade que já não existe mais. A nova liderança, segundo o consultor, apresenta algumas características que a diferem das demais. “Falo do líder 2.0 ou líder inspirador, em vez do líder de ´comando e controle´, que caracteriza os líderes 1.0 do passado”, afirma.

Uma das questões que envolvem liderança é a capacidade de as empresas formarem seus líderes do futuro. Na edição de dezembro de 2007, MELHOR tratava desse tema, mais precisamente, como esse assunto tirava o sono dos gestores de RH. Na época, uma pesquisa mundial feita pela IBM Global Business Service e pelo IBM Institute for Business Value revelava que 75% dos profissionais de RH entrevistados afirmaram estar preocupados com a capacidade da empresa em que atuavam em desenvolver futuros líderes.

“As empresas, independentemente de tamanho ou de atividade, não podem abrir mão de capacitar seus colaboradores, especialmente seus líderes, pois eles são os grandes responsáveis pela operação. Entretanto, isso significa investimento de dinheiro e tempo, e nem sempre os dirigentes têm lucidez suficiente para entender a importância da educação corporativa”, observa Mussak, lembrando que neste primeiro semestre houve uma diminuição considerável de investimento em capacitação. “O que me parece uma contradição, pois em épocas de crise é que as pessoas bem preparadas são necessárias, especialmente os líderes”, acrescenta.

E como o RH pode ajudar no processo de formação ou de transformação desses líderes? César Souza acredita que essa força só será possível se o próprio RH se transformar e passar a ser um RH responsável, empreendedor. “Falo isso porque conduzi um evento no ano passado com 300 profissionais dessa área. Fiz uma pesquisa instantânea para saber quais deles tinha claramente identificado um substituto que já tivesse sido legitimizado como tal pela diretoria da empresa. Apenas 23% responderam afirmativamente. Aí pergunto: como o RH pode levantar a bandeira da sucessão e cobrar sucessores dos homens de linha quando ele mesmo não tem sucessores?”

Cuidar de sucessores antenados com as novas demandas de mercado e da sociedade (leia-se bases sustentáveis) é um dos aspectos que devem ser colocados em pauta na hora de formar líderes responsáveis, capazes de ampliar a visão sobre o valor e os impactos dos resultados. E por falar nisso, não seria o caso também de – além de transformar o RH – transformar os stakeholders para que entendam esses novos cenários e compreendam que o futuro não se faz de resultados a qualquer preço no curto prazo? Mussak acredita que alguns stakeholders já não estão mais preocupados apenas com os resultados e, sim, com os resultados sustentáveis. Só que, às vezes, muitos não percebem que há a necessidade de algum sacrifício no resultado imediato em nome do futuro. “Lidar com a ansiedade, especialmente dos acionistas, é uma das difíceis tarefas da liderança que tem responsabilidade com o futuro sem descuidar do presente e vice-versa”, comenta.

Eugenio Mussak, presidente da Sapiens Sapiens

Quem também acredita que existe uma transformação em curso sobre a visão de resultados por parte dos acionistas é Souza. O problema, na opinião dele, está representado nos executivos que querem ser mais realistas que o rei e acabam seduzidos por promessas de bônus polpudos no fim do ano. “Isso faz com que, em alguns casos, eles metam os pés pelas mãos – como vimos recentemente. E os RHs se omitiram nesse processo e, muitas vezes, concordaram passivamente com as peripécias de executivos espertos e apressados… em embolsar seus bônus”, conta.

Ainda sobre a tarefa do RH de ajudar a formar esse novo perfil de liderança, Eugenio Mussak acredita que essa área tem a responsabilidade de consubstanciar os gestores a fazer gestão de pessoas. “Há um engano comum de que a gestão de pessoas é tarefa do RH, mas, na prática, percebemos que quem faz isso são os líderes. Como uma das preocupações crescentes na atualidade é a da formação de líderes nas organizações, o RH está profundamente comprometido com esse assunto”, diz.

Nesse ponto, voltamos ao Fabio Barbosa, que, como afirmou no início desta matéria costuma dizer que é o RH do banco. Ou seja, ele faz gestão de pessoas. Aliás, ele é tido como um bom identificador de talentos, tarefa extremamente importante em processos de fusão e aquisição, como a do Santander e Real, agora. “Persigo uma meta no banco de fazer com que os funcionários se sintam de bem com a vida. Esse é, para mim, o segredo de um bom ambiente de trabalho e a base para o fortalecimento das empresas. O RH tem um papel muito importante de apoiar a construção desse ambiente”, diz Barbosa, que soube dar ritmo ao processo de integração do Real com o ABN, sem causar danos à imagem dos bancos.

Ritmo
Eugenio Mussak recentemente lançou, com o filósofo e consultor Mario Sergio Cortella, o livro Liderança em Foco (Editora Sete Mares). Na obra, que reproduz um saboroso diálogo entre eles, Mussak toca num ponto interessante: a necessidade de o líder saber dar o ritmo para seus liderados. Trata-se de um desafio para os futuros líderes, ainda mais quando continuamos vivemos num ambiente em que predomina o “curto-prazismo”, sem contar uma busca desenfreada por resultados mirabolantes em tempos menores – que ajudaram a culminar na atual crise.

O educador acredita que esse é um dos paradoxos de nosso tempo: qualidade versus urgência. “Líderes responsáveis desenvolvem o senso certo em seus liderados. Acredito que não estamos mais na época dos sensos de urgência e de prioridade, simplesmente”, comenta. Ele explica que precisamos exercitar os sensos de previsão e de valor. Em outras palavras: o senso de previsão antecipa as urgências e impede que elas aconteçam.

Trata-se da habilidade de ter o olho no futuro e a competência de administrar o tempo. “Já o senso de valor recomenda que façamos uma separação entre o que é importante e o que é fundamental. O importante sustenta o presente e o fundamental garante o futuro. Essa diferença é sutil e as pessoas têm extrema dificuldade para lidar com ela, por isso os líderes responsáveis são tão necessários”, diz.

Para aqueles que desejam caminhar por essa nova senda, um alerta: ser líder pode assustar, uma vez que o preço que se paga por ocupar esse papel nem sempre é barato. Aos líderes, o preço do poder é, exatamente, a responsabilidade. “Em outras palavras, quem transfere a responsabilidade pelos insucessos, seus, da equipe ou da empresa, está dando uma demonstração de falta de poder. Responsabilidade significa responder por seus atos, mas os líderes vão além, respondem pelos atos de seus liderados”, finaliza Mussak. 

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