Estabelecer diferentes parâmetros de remuneração, a fim de tornar os colaboradores cada vez mais competitivos, sempre foi uma grande preocupação das organizações que desenvolvem as melhores práticas de mercado e, por isso mesmo, se destacam como empresas de ponta em seus segmentos. Com a crise financeira mundial, que desde o final de 2008 provocou muitos estragos na economia e na saúde de várias companhias, essa preocupação ganhou ainda mais destaque no dia a dia dos executivos e dos profissionais de RH.
Uma pesquisa mundial sobre as tendências de recompensas pós-crise, realizada pela consultoria Hay Group com especialistas de RH de mais de 230 empresas, em 29 países, mostra que as organizações estão focando na contenção de custos e na melhora de desempenhos como a melhor rota para aumentar a sua lucratividade.
“As empresas estão bastante preocupadas com a retenção e a motivação, especialmente dos colaboradores com desempenho superior, que têm alto potencial ou habilidades raras no mercado. No entanto, a opção de pagar mais por desempenho e para reter talentos muitas vezes não existe mais, e as empresas estão mudando seu foco para recompensas mais intangíveis tais como liderança motivacional, trabalhos desafiadores e o desenvolvimento da carreira para aumentar o engajamento dos seus funcionários”, explica Carlos Siqueira, diretor do Hay Group.
Para Carla Machado, diretora de recursos humanos da ADP, a crise mundial trouxe um momento de reflexão importante para os profissionais da área de RH. “Depois de um período de muito aquecimento, as empresas estavam meio que no automático, sem parar para pensar se estavam mesmo desenvolvendo as melhores políticas e práticas no campo da remuneração”, diz. Com a crise, continua a executiva, as empresas tiveram de parar e repensar muita coisa e, a partir daí, contratar com mais qualidade, gerenciar internamente com mais efetividade e primar ainda mais pela qualidade das ações implantadas. “E esse movimento é muito importante porque ele está na linha do maior desafio do profissional de RH nos dias de hoje, que é saber organizar e orientar toda essa dinâmica frente a organizações interculturais, a profissionais cada vez mais remotos e a uma nova estrutura que nos obriga a buscar benefícios cada vez mais individualizados”, conta Carla.
Tornar a recompensa por desempenho uma realidade; canalizar as verbas limitadas disponíveis de maneira muito mais focada àqueles funcionários mais vitais para o futuro da empresa; alocar uma porção maior na remuneração variável para aumentar o foco em metas críticas e para reduzir a vulnerabilidade a custos fixos altos; centralizar os programas e as políticas de recompensa e investir em benchmarking com o mercado para assegurar que as organizações não estejam pagando demais em algumas áreas. Essas são as tendências em termos de recompensa que as organizações estão seguindo, conforme indica a pesquisa da Hay Group.
“A recompensa deixou de ser de domínio exclusivo dos especialistas em remuneração e benefícios, porque hoje chega a responder por até 70% dos custos totais de uma empresa, para se tornar um tema em pauta na diretoria das organizações”, afirma Siqueira. “Acertar a questão de recompensa é, atualmente, uma missão crítica para todas as empresas, uma vez que o novo imperativo empresarial é fazer mais com menos e o desempenho tornou-se o foco fundamental e, por isso mesmo, está sendo redefinido. Por consequência, a recompensa também”, explica o diretor da Hay Group.
Reforço na governança
Palestrante do CONARH 2010 com o tema Remuneração: as lições da crise. E agora, como fica?, Felipe Rebelli, líder da área de talentos e recompensas da Towers Watson, observa que a crise teve dois momentos sobre as políticas e estratégias de remuneração das organizações: primeiro foram ações que visavam conter ou reduzir os custos para preservar resultados em face da expectativa de redução nas vendas e nos faturamentos e aí entraram o congelamento de aumentos salariais por mérito e promoções e a redução nas verbas de bônus pagas. “Em um segundo momento, houve um reforço na governança das políticas de remuneração, que foram alinhados ainda mais à estratégia de risco do negócio”, enumera.
A remuneração depois da crise ganhou assim novos contornos e em alguns setores, como o mercado financeiro, por exemplo, propostas para uma nova regulação (veja mais na pág. 66). Medidas como uma completa revisão no desenho dos planos de bônus e nas métricas dos planos de remuneração variável; pagamento de parte da premiação para longo prazo e ênfase na geração de resultados sustentáveis e no alinhamento aos acionistas passaram a ser determinantes para o sucesso e as conquistas das empresas no mercado.
“O grande desafio do profissional de RH daqui para a frente é buscar economias que possam subsidiar outras iniciativas. É ser criativo para achar alternativas que não alterem ou eliminem algum tipo de remuneração. É encontrar soluções e alternativas internas no caso de treinamentos. É criar pacotes com remunerações variáveis e recompensas diferenciadas em longo prazo como fator de retenção de profissionais”, exemplifica Carla Machado, da ADP. Para a executiva, a crise também fez com que as empresas passassem a tratar a questão do budget relacionado à remuneração de uma forma muito mais criteriosa, já que essa estratégia é vital para a sustentabilidade do negócio nos dias de hoje.
Para Cícero Domingos Penha, vice-presidente de talentos humanos do Grupo Algar, a crise trouxe algumas lições importantes como a necessidade de usar a criatividade para gerar mais negócios. Além disso, o período de turbulências fez com que as empresas percebessem que já estavam trabalhando no limite e que, portanto, fazer demissões não era a melhor saída. “Isso possibilitou trabalharmos mais com o senso de responsabilidade e comprometimento das pessoas”, ressalta o executivo do Grupo Algar que também é um defensor da remuneração variável como uma tendência no mercado: “A remuneração variável dá um gás a mais no colaborador, é uma grande motivação para que ele invista cada vez mais na sua carreira. O único problema é que ainda temos uma questão cultural no Brasil que nos dificulta convencer os empregados a trocar um salário fixo por uma parte variável”.
Alavanca crítica
A pesquisa global do Hay Group também aponta que as empresas procuram forjar um vínculo mais estreito entre desempenho e recompensa. É a mudança de uma cultura de direitos e de paternalismo, que dominava o mercado antes da crise mundial, para uma cultura de desempenho. Ou seja, a tendência é que haja uma diferenciação maior de recompensas baseadas em desempenhos individuais. No intuito de encontrar o melhor equilíbrio entre métricas de curto e longo prazo, desempenhos corporativos e individuais, medidas financeiras, operacionais e de capital humano, a remuneração variável cresce e aparece.
Tendência cada vez mais comum, a remuneração variável é vista no mercado como uma alavanca crítica para motivar o desempenho e engajar os colaboradores nos objetivos da organização. Sendo assim, ela deixa de ser apenas uma ferramenta de fluxo de caixa e passa a ser um suporte para a estratégia de gestão de desempenho da empresa. Mas a maneira como a remuneração variável funciona ou é estruturada muda de uma organização para outra, dependendo muito da cultura organizacional de cada empresa e da interdependência que ela tem com outros elementos do programa de recompensas.
Analistas de mercado e profissionais de RH são unânimes em afirmar que nos países latinos a cultura de um sistema salarial mais variável ainda engatinha e os empregados preferem optar por um salário fixo, mesmo que ele seja menor. No caso brasileiro, em especial, um grande empecilho também é a nossa própria legislação ou os sindicatos, que não permitem a redução de salários fixos e, portanto, reduzem substancialmente as possibilidades de se motivar os colaboradores por meio de ganhos e salários variáveis.
Mais motivação |
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As principais ações de recompensa por desempenho |
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1 Introdução de estruturas de recompensa diferenciadas nas quais, cada vez mais, as recompensas disponíveis beneficiam o melhor desempenho e o alto potencial. 2 Construção de habilidades na gerência de linha relacionadas ao estabelecimento de metas, coaching de desempenho e reconhecimento e recompensa de desempenho. 3 Esclarecimento de definições de desempenho. 4 Equilíbrio entre metas individuais e corporativas para bônus. 5 Alinhamento entre metas individuais e estratégia global. 6 Maior utilização de recompensas múltiplas, combinação de incentivo de curto e longo prazo com o estímulo motivacional de melhor desenvolvimento de carreira e trabalhos variados e interessantes. |
Mexer no bônus ds outros |
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As tendências mais comuns em remuneração variável |
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1 Vincular bônus a metas de médio e longo prazo que suportem a sustentabilidade e o desempenho organizacional de mais longo prazo. 2 Garantir os recursos para pagamento dos bônus, tendo como foco principal a lucratividade. 3 Equilíbrio entre desempenho individual e corporativo no desenho dos bônus. 4 Simplificar os programas, em particular reduzindo o número e a variedade de programas de bônus. 5 Esclarecer e comunicar os objetivos e o desenho de remuneração variável. |