Crescimento de atividades por projetos cria uma nova trilha: a carreira em W
Dutra, da FIA: evitar a multiplicação desnecessária de posições gerenciais |
A partir dos anos 1990, as organizações brasileiras foram instadas a competir em um ambiente globalizado, gerando a necessidade de modernização de suas plantas e uma produção com maior valor agregado. A complexidade das operações cresceu e aumentou a demanda por profissionais capazes de contribuir em uma realidade mais exigente.
O espaço para profissionais com uma maior especialização técnica ou funcional foi ampliado, e surgiu a necessidade de criar uma carreira para eles. Um planejamento que pudesse contemplar uma carreira técnica ou funcional com a mesma valorização da carreira gerencial, chamada de carreira paralela.
Normalmente, se associa à carreira paralela a chamada carreira em Y, diante da dificuldade de um profissional técnico ou funcional aceitar a gestão de alguém que não venha da mesma base de formação. Por exemplo, nem sempre um médico que trabalha em um hospital é subordinado a uma pessoa que não tenha a mesma formação e assim por diante em todas as realidades organizacionais.
No caso da carreira em W, a ideia é que exista uma carreira comum, até determinado ponto, e depois várias possibilidades de crescimento, que podem passar pelas carreiras técnica, gerencial e de gerente de projetos.
Segundo o professor da Fundação Instituto de Administração (FIA) Joel de Souza Dutra, a carreira paralela tem sido utilizada de diferentes maneiras, dependendo do estágio de amadurecimento das empresas e do grau de adaptabilidade de suas políticas e práticas na gestão de pessoas. Em todas as situações, há uma grande aceitação por parte dos profissionais técnicos ou funcionais por se oferecer a eles uma ampliação de seus horizontes profissionais, associada à oferta de maiores recompensas e símbolos de status. “A carreira paralela oferece ao profissional técnico ou funcional uma alternativa à carreira gerencial. Desse modo, ele não necessita ocupar posições com as quais não tem nenhuma identidade. Isso representa um ganho importante para as organizações, que podem evitar a multiplicação desnecessária de posições gerenciais, além de possibilitar a adoção de estruturas enxutas e mais adequadas às suas necessidades”, pontua. As carreiras com múltiplo paralelismo têm como característica básica a existência de várias trajetórias ou eixos profissionais, conforme exemplo apresentado na tabela na próxima página.
Nas trajetórias profissionais, é possível serem estabelecidos os níveis de exigência de cada um dos degraus da carreira e os critérios de acesso para eles, além de também serem estabelecidos os critérios para a mudança de eixo de carreira, entre os quais podem ser: técnicos; administrativos ou funcionais; de suporte logístico; de apoio técnico etc.
A trajetória gerencial estabelece os degraus e os critérios de acesso para as posições de chefia dentro de uma determinada carreira. O acesso à projeção gerencial é facultado a todas as trajetórias profissionais, ou seja, não importa qual a trajetória da pessoa, ela tem como uma possibilidade profissional o acesso às posições mais elevadas da trajetória gerencial.
Transparência
Algumas organizações com alto nível de complexidade começam a se preocupar em oferecer maiores possibilidades de crescimento aos seus profissionais. O Hospital Sírio-Libanês (HSL) desde 2014 adotou o modelo de trilhas de carreira para todos os seus colaboradores. Fábio Patrus Pena, superintendente de gestão de pessoas, explica que o desenho do plano implicou uma transparência total não só da política de remuneração, mas também das progressões horizontal e vertical e das possibilidades de carreira, pelo fato de terem sido abertos novos acessos, como as carreiras em Y e W. “Fomos evoluindo o modelo de construção das competências (e é importante destacar que nosso modelo não é genérico nem institucional ou gerencial, porque cada profissional de saúde de nível superior tem um perfil de competências) que abarcasse as seis carreiras de saúde – médico, enfermeiro, biomédico, fisioterapeuta, farmacêutico e nutricionista –, os profissionais administrativos e de apoio com as competências técnicas transversais e as gerenciais segmentadas em quatro níveis”, diz. “Na medida em que esse trabalho ficou pronto, nós revalidamos a classificação dos cargos e a avaliação de desempenho para o nível gerencial. Hoje, a trilha mostra toda a possibilidade de crescimento dentro da natureza da função, desde o auxiliar até o superintendente corporativo”, conta.
Para facilitar o entendimento, foi adotado um modelo lúdico comparando a trilha de carreira a uma linha de metrô em que cada estação equivale a um cargo, com várias cores para determinar os requisitos e, ao clicar no cargo, o colaborador pode consultar as competências e os requisitos da função, de modo que ele pode transitar em qualquer um dos 140 cargos do hospital, divididos em 25 trilhas. A conexão é feita por meio do banco de talentos no qual ele pode se candidatar às oportunidades disponíveis. A vantagem é a eliminação das fases iniciais do processo seletivo e aproveitamento do pessoal interno. “Como quase metade da seleção já é eliminada no início, o RH negocia a transferência do funcionário que deseja migrar”, explica Patrus.
O executivo comenta que todas as carreiras de saúde têm áreas de competência comuns com detalhamento específico, ligadas à excelência assistencial, gestão do trabalho e aprendizagem. A educação e aprendizagem são empregadas em um sentido mais amplo porque o profissional de saúde educa os pacientes, orienta as famílias e pares em situações de risco, trabalha em equipe multiprofissional, deve se preocupar com a comunicação e também com seu desenvolvimento.
Pelo fato de o Hospital Sírio-Libanês já ter um modelo bem consolidado de enfermagem, inclusive com livro publicado, em que o profissional é alocado no campo, acompanhando a prática dentro dos quartos com os pacientes, com orientação in loco, com avaliações e capacitações específicas, à medida que o modelo foi crescendo, o hospital foi organizando uma estrutura paralela dedicada à educação. “Isso gerou um paradigma porque, na reestruturação da área de RH, encontramos esse modelo consolidado só para a enfermagem e não para as outras carreiras”, aponta Patrus.
Como se trata de uma ação de sucesso, o desenho foi fortalecido na ponta do plano, criando estruturas em cada uma das carreiras. Para as pessoas com potencial de atuação mais desenvolvido, foi formalizada uma carreira que permita um desenvolvimento técnico. “Portanto, hoje, temos a carreira de gestão e a carreira de desenvolvimento, ou seja, temos enfermeiro de desenvolvimento, nutricionista de desenvolvimento, fisioterapeuta de desenvolvimento e farmacêutico de desenvolvimento, pois são profissionais que ficaram dedicados e podem ter entre suas atividades montar uma pós-graduação no Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa (IEP), fazer tutoria dos novos colaboradores que entram e orientar as pessoas que vão receber esses novos profissionais”, diz.
De acordo com o executivo, o RH consolidou esse grupo em um fórum de educação, de modo que a área passa a ter um papel junto com o IEP de alinhamento de políticas, orçamento, cronograma dos programas, desenho dos programas EAD. “Vale lembrar que, no ano passado, foi lançado o Centro de Capacitação Multiprofissional, que tem simuladores com os mesmos recursos de um quarto do hospital e uma réplica do posto de enfermagem com todo o aparato para simular atendimentos de emergência. Esse centro atende a todas as carreiras e também vai funcionar como um motor dos serviços multiprofissionais, o que para nós é um desafio porque cada um atua bem tecnicamente dentro da sua categoria, mas hoje cada vez mais há um conjunto de processos que são multifuncionais.”
Patrus explica que a carreira em W contempla o eixo de gestão, o novo eixo de desenvolvimento e o eixo de especialista, que é o técnico sênior que pode crescer em algumas áreas com certificações específicas, por exemplo, um enfermeiro especialista em dor que passa a ser uma referência institucional.
No caso dos médicos, o hospital trabalha com dois tipos de profissionais: o “celetista”, que atua nas unidades de pronto atendimento e terapia intensiva; e o “horizontalista” que faz o trabalho de acompanhamento diário dos pacientes ou plantonistas que vêm ao hospital uma ou duas vezes por semana. “Na verdade, o modelo de competências não muda, trabalhamos o desenvolvimento dos profissionais da mesma forma, de modo que os requisitos de carreira e critérios de mérito também se aplicam a esse grupo. Por exemplo, um dos indicadores de mérito que utilizamos é o número de plantões que o médico faz por mês. O que faz pouco sabe que terá menos chance de crescer do que o que faz mais”, esclarece o superintendente de gestão de pessoas.
Retenção
Outro exemplo de organização que adota o modelo de paralelismo múltiplo de carreira, conforme lembra Joel Dutra, é a Embraco. Até 2013, a companhia adotava o modelo em Y, com a carreira tipicamente administrativa em que o profissional evolui para uma gerência e uma paralela para o público de pesquisa & desenvolvimento, na qual ele poderia se desenvolver tecnicamente e atingir níveis similares aos de um diretor sem ter de atuar nessa posição, trabalhando como pesquisador-mestre em uma determinada área. Entretanto, a área de RH entendeu que o direcionamento da carreira administrativa é para a gestão de pessoas, enquanto que a carreira técnica é para os profissionais que não desejam gerenciar pessoas e se aprofundar tecnicamente em determinado assunto – e a Embraco permite esse direcionamento por se tratar de uma empresa que trabalha muito com inovação.
Para atender os profissionais que gostam de gerenciar, mas também se identificam com a atividade técnica, foi lançada uma carreira intermediária focada em projetos, com um conhecimento maior em relação ao produto em comparação com áreas administrativas, de modo que o profissional vai gerenciar um time que não responde a ele diretamente por ser multifuncional e também atua na área técnica, que é algo que o motiva.
Em algumas áreas técnicas como pesquisa & desenvolvimento, qualidade e manufatura, foi criado um pool de engenheiros que são colocados para interagir com áreas diferentes, bem como são oferecidos conteúdos e apresentadas possibilidades de carreira no futuro. O engenheiro que deseja virar pesquisador sabe qual é o caminho, o que é requisitado em termos de competências técnicas e como ele deve se preparar para chegar a níveis mais altos. Já o que deseja se tornar gerente terá de abrir mão das competências técnicas porque isso não vai contar para uma carreira gerencial, e são discutidos esses aspectos logo no início para que, a partir de determinado nível, cada um direcione para aonde deseja ir. “Lógico que não é só o querer. A empresa precisa ter a oportunidade, é preciso avaliar se o profissional tem o perfil adequado. Porém, quanto mais ele se conhece, mais fácil fica a tomada de decisão. A Embraco quer evitar com essas ações o ‘deixa a vida me levar’ e ter um gerente que odeia ser gestor. A ideia é ajudar as pessoas a se planejarem mais e melhor em relação às trilhas”, esclarece Lorena Viscomi, líder de RH.
Matéria originalmente publicada na edição 339, de fevereiro de 2016 da Revista Melhor RH.