ESPECIAL MULHERES | Edição 340
Incentivar a igualdade de gênero pode trazer compensações econômicas para empresas e nações
Obra do escultor norueguês Gustav Vigeland (1869-1943), no parque que leva seu nome, em Oslo, na Noruega. As esculturas materializam inerências da existência humana, como o trabalho, a ira, a maternidade, o sexo, a fraternidade. Lá, pais e mães dividem a licença-parental |
E se alguém falasse que reduzir a diferença de gêneros no mercado de trabalho poderia ajudar a diminuir os efeitos da crise econômica no Brasil? A afirmação pode até soar um pouco utópica. Contudo, de acordo com os dados divulgados pela consultoria McKinsey, a igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho brasileiro injetaria 850 bilhões de dólares na nossa economia ao longo dos próximos dez anos. Um alívio para um país que acabou de anunciar a previsão do déficit fiscal de 2016 em 30,5 bilhões de reais.
A pesquisa Closing the gender gap (em português, algo como Diminuindo as diferenças de gênero) mostra ainda que a paridade entre os gêneros elevaria o PIB mundial em 28 trilhões de dólares até 2025. Cifra essa bem generosa, lembrando que uma das maiores economias mundiais, a dos EUA, arrecadou nos últimos anos algo por volta de 17 trilhões de dólares.
Olhar para esses números pode ser uma espécie de incentivo para empresários, líderes e governos que ainda não levam o assunto tão a sério. Prova disso são os dados da inserção delas no mercado de trabalho brasileiro. Por aqui, elas representam metade da população, compõem 44% da força de trabalho, porém detêm apenas 35% do PIB.
Discriminação de gêneros
Durante a quinta edição do Fórum Mulheres em Destaque, realizado em novembro último, Mariana Donatelli, gerente sênior da McKinsey, afirmou que a discrepância entre os números divulgados acontece principalmente porque a discriminação impede que a mulher atinja todo seu potencial no trabalho. “Uma funcionária vítima de violência doméstica, por exemplo, falta mais ao trabalho e apresenta uma produtividade menor”, disse.
A McKinsey examinou 75 tipos de intervenções que podem ajudar no controle da desigualdade em mais de 150 casos em todo o mundo. O estudo foi elaborado com base em 15 indicadores de desigualdade econômica, entre eles: a participação no mercado de trabalho; a diferença salarial; a mortalidade pós-parto; o nível de educação; a representação política; o casamento infantil; e a já mencionada violência contra a mulher.
Para a executiva da McKinsey, outra justificativa para essa diferença entre os gêneros é que as mulheres tendem a se concentrar em setores menos produtivos, como a agricultura. Além do fato de que muitas acabam trabalhando apenas meio período por conta de suas responsabilidades com a família – por vezes não compartilhadas com seus parceiros.
Para muitos governos na Europa, essa sobreposição dos diversos papéis da mulher dentro de casa é a principal causa da diferença no mercado de trabalho entre os gêneros. Nesse sentido, países como Noruega e Suécia criaram a licença-parental. É uma espécie de licença-maternidade dividida entre homens e mulheres. Entre os noruegueses, por exemplo, a licença-parental remunerada é de quarenta e nove semanas, que podem ser utilizadas tanto pela mãe quanto pelo pai para cuidarem do bebê que acabou de nascer. A ideia por trás da proposta é que fique claro à sociedade que homens e mulheres têm a mesma responsabilidade dentro de casa e no trabalho (veja mais sobre o tema na reportagem Onde os pais também têm vez).
Outra barreira para o tema é que ele não faz parte da agenda de muitos presidentes de empresas. Para a coach executiva Eva Hirsch Pontes, as empresas precisam estar realmente dispostas a considerar a possibilidade de contratação ou promoção de profissionais do sexo feminino. “Os diretores precisam fazer parte disso também, mas não basta que sejam apenas eles. É preciso incluir a participação de profissionais responsáveis pelo recrutamento e contratação, além de desenvolver novas lideranças”, destaca. Segundo Eva, não adianta enviar três homens brancos de meia-idade para o campus de uma universidade para garimpar talentos, pois o trio vai levar para a empresa um grupo de homens jovens brancos. “Onde está a diversidade nisso?”.
Para a coach, a presença do sexo feminino no mercado de trabalho simboliza uma grande transformação e é responsável por jogar luz em muitas outras mudanças que precisam ser feitas para reduzir a desigualdade de oportunidades. “Nas empresas, a luta pela equidade de gênero precisa ocupar mais espaço nos debates e necessita de ações concretas que estimulem a diversidade em diferentes cargos”, frisa.
Longe do C-level
É fato que as empresas estão um pouco mais alertas a esse debate e a desigualdade está diminuindo, contudo, a passos de tartaruga. Um estudo feito nos EUA mostra que se as companhias continuarem no mesmo ritmo dos últimos anos, vai demorar um século para que haja equilíbrio entre homens e mulheres ocupando os cargos mais altos das empresas, os chamados C-level. É o que revela outro levantamento da McKinsey, desta vez feito em parceria com a Lean In, uma ONG de empoderamento feminino criada pela diretora de operações do Facebook, Sheryl Sandberg.
Essa pesquisa mostra que houve um pequeno avanço desde 2012, mas que as mulheres ainda estão em menor número que os homens em todos os níveis corporativos – e quanto mais altos os cargos, pior a desigualdade. Na base da hierarquia: as mulheres são 45% dos funcionários. O número cai a cada nível.
No estudo, que contou com a colaboração de 118 empresas norte-americanas e cerca de 30 mil funcionários, ficou claro que a vida pessoal tem papel primordial nessa contabilidade. Em todos os níveis de hierarquia, as mulheres mencionaram nove vezes mais que os homens que dedicam seu tempo para cuidar das crianças.
Diferença salarial
As mulheres são de longe a minoria entre os C-levels, mas mesmo que alcançassem tal feito na carreira, provavelmente, elas ganhariam menos que seus pares do sexo masculino. Um estudo da publicação norte-americana Bloomberg Businessweek mostra que o abismo salarial entre homens e mulheres é acentuado conforme a ascensão profissional.
De acordo com o levantamento, após concluírem os estudos de MBA, homens e mulheres têm faixas salariais quase similares: eles ganham 105 mil dólares anuais e elas 98 mil. Passados quase oito anos dessa fase, a diferença salarial aumenta circunstancialmente. Eles passam a ganhar 175 mil dólares anuais e elas apenas 140 mil.
Em um triste alerta sobre o tema, o Fundo Monetário Internacional (FMI) disse que as mulheres ganham, hoje, o que os homens faturavam há dez anos. O FMI até lançou um programa para reduzir esse hiato salarial entre homens e mulheres em 25% até 2025. A entidade estima que a iniciativa crie mais de cem milhões de novos postos de trabalho na economia global
“Certamente, a iniciativa representa um grande desafio, mas com tanto foco no tema igualdade de gênero, temos claramente uma oportunidade única para explorá-lo”, disse otimista a presidente do FMI, Christine Lagarde, na abertura do Fórum Women’s 20, evento organizado pelo G20.
O mito da discriminação
Em um vídeo que circulou nas redes sociais, o economista Steven Horwitz, professor da St. Lawrence University, coloca ainda mais fogo nessa discussão. Ele afirma que a diferença salarial existente entre os gêneros, o que ele chama de mito, é fruto de escolhas que elas fizeram ao longo de suas carreiras. “O que está acontecendo não é uma discriminação do mercado de trabalho, mas sim a diferença de escolhas entre homens e mulheres de como investir em suas habilidades, educação e experiências profissionais.”
O economista diz, por exemplo, que as mulheres tendem a preferir trabalhar apenas meio período porque elas ainda assumem mais responsabilidades nas tarefas domésticas que os homens. Ele também acrescenta que a maioria das mulheres prefere carreiras em ciências sociais, já os homens em áreas como engenharia, segmento que registra os melhores salários. “Se homens e mulheres tivessem a mesma educação, a mesma experiência profissional e o mesmo cargo, as mulheres ganhariam 98% do que os homens ganham”, conclui.
Apesar do seu discurso, considerado por muitos sexista, Horwitz confessa que os homens também devem afzer mea-culpa nesse processo. “Nós temos de convencer os homens a assumir mais responsabilidades em casa”, diz.
Para a coach Eva Hirsch Pontes, o economista está sendo simplista com essa linha de pensamento. “Esse ponto de vista é uma simplificação que ignora as necessidades de adaptação da sociedade. O fardo que a mulher carrega – e aqui não menciono esse ônus de forma depreciativa – ainda recai, na maioria das vezes, sobre as mulheres.”
Na opinião de Eva, nesses momentos é que as empresas deveriam elevar as possibilidades para que as mulheres não precisassem escolher entre ter um filho ou avançar na vida profissional. “Se não há discriminação como afirma o economista, o que, então, justificaria o número de mulheres em conselhos de administração ser ainda tão reduzido em todo o mundo?”, retruca. As empresas, segundo a coach, precisam enraizar programas que melhorem a equidade de gêneros para que possamos ultrapassar essas barreiras que são sempre favoráveis ao universo masculino.
Mas, se as empresas não tomam a frente desses processos, os governos podem tomar a dianteira. Em 2015, a Alemanha, por exemplo, incluiu na legislação do país cotas de 30% para mulheres em conselhos de administração das empresas. A regra começará a valer a partir deste ano. “Essa é uma clara iniciativa para reduzir a desigualdade de gêneros na hierarquia das organizações”, destaca. E a julgar pelos números apresentados, empresas e nações só têm a ganhar com esse tipo de ação.
Como elas podem alcançar a liderança |
Vários são os obstáculos que impedem que mais mulheres cheguem a cargos de liderança. “Além da discriminação, as empresas ainda não se reinventaram a fim de oferecer práticas e recursos (como creches e horários mais flexíveis) que permitam que a mulher consiga conciliar sua vida pessoal e profissional e finalmente deslanchar na carreira”, explica Cris Kerr, idealizadora do Fórum Mulheres em Destaque. Dados como os da pesquisa Women in Business 2015, da Grant Thornton, mostram que o Brasil é o 3º país que menos promove funcionárias para posições mais altas, com 57% das empresas sem mulheres em cargos de liderança.
“É preciso mudar essa estatística. Conscientizar não somente as mulheres, mas também os homens, já que 92% dos CEOs são do sexo masculino, para que iniciativas em prol da equidade de gêneros façam parte da estratégia das empresas e sejam bem-sucedidas”, comenta Cris. Um estudo da McKinsey revelou que conselhos administrativos com pelo menos uma mulher na composição tiveram resultados 50% maiores do que aqueles que não contavam com presença feminina. Isso aponta que o equilíbrio traz mais resultado financeiro e que o papel de ambos os sexos é fundamental. Para que mais mulheres ascendam ao topo das organizações, a especialista do tema empoderamento feminino elencou algumas dicas de como ajudá-las a chegar lá. São elas: ► Aprenda a fazer uma boa gestão de seu tempo ► Trabalhe sua autoestima ► Faça conexões estratégicas dentro da empresa ► Pratique a autopromoção ► Saiba negociar ► Gerencie a culpa |