Para aumentar a competitividade num mercado em que a disputa é cada vez mais acirrada, as empresas estão ampliando os investimentos na qualificação de seus profissionais. Embora o resultado dessa política seja o aumento na procura de cursos de MBA e pós-graduação, ainda é grande o número de companhias que financiam até mesmo a graduação. O curso superior completo sempre foi pré-requisito na hora da contratação. Acontece que a escassez de mão de obra qualificada obriga algumas empresas a contratar e, depois, esperar a formação do profissional.
Sócia da área de people & change da KPMG no Brasil, Patrícia Molino acredita que por trás da iniciativa está a preocupação da companhia em fidelizar esse profissional, sobretudo quando se trata de um jovem talento. “A satisfação do empregado é importante e está na pauta das empresas. Ao investir na mão de obra que já tem, maximiza-se essa temática”, afirma. Para ela, a prática também é uma forma de a organização se precaver de um possível apagão de gente qualificada. “O crescimento econômico brasileiro vai levar a uma maior demanda por funcionários com boa formação”, explica.
Renato Gutierrez, consultor sênior da Mercer, avalia que a prática deve ser encarada como um benefício para os empregados e um investimento de longo prazo das empresas. “Ao pagar um curso de graduação, você retém um bom profissional e o prepara para o mercado de trabalho. Por outro lado, aumenta sua produtividade e eficiência e faz com que ele desenvolva uma relação de proximidade com a companhia”, diz.
Mas há quem discorde desse tipo iniciativa. Sérgio Mônaco, gerente de educação corporativa do Hay Group, é um exemplo. Ele afirma que as organizações podem correr sérios riscos de não obter o retorno deste investimento. “Os cursos de graduação têm entre 4 e 5 anos de duração. Não há nenhuma garantia de que o empregado não vai arrumar outro trabalho quando estiver, por exemplo, no último ano da universidade”, ressalta.
Segundo Mônaco, não faz mais sentido fazer esse tipo de aposta, uma vez que o ensino superior completo é uma exigência mínima para entrar no mundo corporativo. “Para a empresa, fica mais vantajoso custear uma pós-graduação, que é mais profissionalizante. Não é preciso bancar uma graduação para um funcionário. Em vez disso, você pode procurar estagiários e trainees”, acrescenta.
Pacote fechado
A preocupação em fidelizar esse profissional que está começando, entretanto, tem levado algumas empresas a pagar o ensino superior aos seus empregados, especialmente quando enxergam neles um futuro promissor. Dalton Viesti, coordenador de graduação da Trevisan Escola de Negócios, observa que, na maioria das vezes, a companhia se propõe a terminar de bancar os estudos de alunos que já estão no meio do curso. “Fora as situações em que o beneficiário já tem uma graduação e precisa de outra qualificação para ocupar um cargo específico. Lembro de um aluno formado em direito que faz hoje ciências contábeis, pois se trata de uma necessidade de sua organização.”
Em alguns casos, o funcionário consegue concluir o curso sem pagar uma mensalidade sequer. Cursando o último ano de contabilidade na Trevisan Escola de Negócios, Bruno Lindberg teve a sorte de começar a faculdade no mesmo momento em que foi contratado como auditor da PricewaterhouseCoopers (PwC). Com isso, aproveitou-se da política da empresa de bancar de forma integral o curso para todos os 2,2 mil empregados que trabalham como auditores. “Sinto-me satisfeito com uma companhia que se dispõe a gastar todo mês comigo 1,8 mil reais. Isso mostra que ela acredita no meu potencial”, afirma Lindberg, que tem 26 anos e já é formado em engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
Viesti não revela números, mas garante que esse mercado registrou um crescimento significativo em 2010 após uma pausa entre 2008 e 2009 por causa dos efeitos negativos da crise financeira mundial sobre a economia nacional. “As empresas geralmente fazem um pacote conosco, no qual há uma determinada quantidade de vagas em cada setor. No caso da Trevisan, as maiores parcerias são com companhias de auditoria, mas isso tem a ver com o perfil da escola, que é voltada para esse tipo de negócio”, diz. O beneficiário costuma ter entre 20 e 30 anos. As bolsas, por sua vez, variam de 50% a 100%. Depende da quantidade de empregados da organização e do caixa destinado para essa finalidade.
Investimento seguro
Antes de oferecer as bolsas, os especialistas recomendam às empresas que estabeleçam critérios para decidir quais funcionários vão ganhar o benefício. Dessa forma, as chances de ocorrerem disputas internas diminuem, alerta Gutierrez. “Com uma política transparente e uma comunicação bem clara, o empregado entende o que precisa fazer para ter a sua oportunidade. As regras eliminam aquela sensação de que a companhia privilegia um ou outro”, complementa Patrícia, da KPMG. A escolha do beneficiado varia conforme a prioridade e a estratégia de mercado da corporação. Ou seja, o curso deve ser totalmente condizente com área de atuação do interessado.
#Q#
Na maioria das vezes, os escolhidos apresentam uma boa avaliação de rendimento no trabalho. Também pode influenciar na opção o tempo de “casa” do funcionário. Para não gerar conflitos, Gutierrez defende ainda que a política de regras contemple candidatos de todos os níveis hierárquicos. Apesar das vantagens, há sempre uma contrapartida. O empregado precisa demonstrar que as bolsas são um investimento seguro da empresa. Para isso, constituem-se algumas normas. Isto é, um limite mínimo de frequência nas aulas e notas acima da média. “Aquele que não for aprovado costuma perder o benefício. As condições são importantes para que o funcionário também se sinta responsável e não se acomode”, adverte Gutierrez.
Com a única obrigação de não ser reprovado, Lindberg garante que a PwC não estabelece nenhuma contrapartida ao assumir a responsabilidade por seus estudos, nem mesmo um contrato de trabalho por um período posterior à conclusão do curso. Esse tipo de postura indica que a companhia cumpriu a meta de reter e fidelizar o profissional, no qual ela aposta, analisa George Paiva, há 17 anos como diretor de recursos humanos da Orange Business Services, principal marca da operadora de telecomunicações France Telecom. “É natural que o funcionário opte por continuar na empresa por muitos anos após a universidade, pois ao longo do curso cria-se um laço de identidade entre os dois lados”, argumenta Paiva.
Segundo o diretor, a proposta de investir na qualificação profissional já se tornou uma prática comum na Orange, principalmente nos últimos 10 anos, quando os primeiros resultados da iniciativa surtiram efeito, com a fidelização do beneficiado e um crescimento da credibilidade da companhia no mercado. Hoje, a Orange emprega 500 pessoas no Brasil, e entre 8% e 10% desse montante recebe bolsas que variam de 50% a 100% para cursos de graduação, pós-graduação e MBA. Entre os que cursam o ensino superior, aproximadamente 50% começaram a ganhar o benefício durante a faculdade. O programa de investimento oferece 5,25 mil dólares por ano para cada empregado selecionado. “Ao final de cada ano, há uma reunião com os líderes de cada área. Nesse momento, as opções são apresentadas e decidimos quem será contemplado”, explica Paiva.
Todos formados
Já no BicBanco, há outro tipo de preocupação no que se refere a esse custeio de qualificação profissional. Há cinco anos, ao perceber que cerca de 40% dos 900 funcionários não tinham o ensino superior completo, a instituição criou um programa, cujo objetivo é incentivar os empregados a ter uma graduação. Com bolsas de até 90%, o banco conseguiu formar 320 pessoas nesse período. Outros 109 estão matriculados em cursos ligados à atividade bancária.
“Em 2012, esperamos que todos os funcionários do banco tenham, pelo menos, a graduação. Estamos perto desta meta. Até agora, 86% do nosso quadro tem nível superior. Em uma segunda etapa do programa, queremos estimular a continuidade dos estudos, com bolsas para cursos de especialização”, diz Edênio Nobre, diretor executivo do BicBanco. Para qualificar a mão de obra, a instituição gasta por ano 2,4 milhões de reais. O valor representa quase 3% do orçamento do banco de 120 milhões de reais com despesa de pessoal.
Nobre, no entanto, avisa que os beneficiados devem prestar contas semestrais. A repetência só é permitida uma vez. Além disso, o empregado que tiver o curso pago só pode se desligar do BicBanco seis meses depois de concluir um semestre na faculdade. A Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) não tem nenhum aluno patrocinado pela empresa. Nem por isso deixou de investir no futuro de seus profissionais.
Dos 600 empregados, 83 têm 100% de bolsa em cursos de graduação da universidade. Outros 53 que estudam em outras instituições pagam apenas 50% da mensalidade. “Investimos porque, como educadores, acreditamos que o ensino superior tem um papel importante na formação do ser humano. Isso sem contar que a educação traz resultados práticos, inclusive, na eficiência no trabalho. O funcionário também se sente prestigiado e reconhece o esforço”, conclui Alexandre Gracioso, diretor de graduação da ESPM.
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