Gestão

Vencer os mitos

de Caroline Marino em 17 de outubro de 2011
Adriano Vizoni
Gabay, da Aon Hewitt: modelo ajuda a empresa a reforçar o valor do pacote de benefícios (foto: Adriano Vizoni)

Não faz muito tempo, Ronn Gabay, líder da prática de administração de benefícios da Aon Hewitt, teve uma conversa com uma funcionária da consultoria. Ela dizia que recebera uma proposta de outra empresa e que o salário era maior. Mais precisamente, 300 reais a mais do que os cerca de 1,5 mil que ganhava. A primeira pergunta que vem à cabeça de um gestor nesse momento é: e você aceitou? Não foi preciso Gabay esboçar essa questão, pois a própria funcionária deu a resposta: não iria para a outra companhia, pois ao fazer as contas, percebera que o que sobraria no bolso, do salário dela, não ajudaria a pagar a faculdade que ela tanto sonhou em fazer.

Mas o que tem a ver essa história em uma matéria sobre benefícios flexíveis? Simples: na Aon Hewitt, que adota esse modelo há quase uma década, a funcionária consegue reduzir o valor do auxílio-alimentação e usar essa “economia” (cerca de 250 reais) como auxílio-educação. Ou seja, escolhendo o que e quanto quer de benefícios, ela garante uma boa parte da mensalidade da faculdade no pacote, permitindo que sobre mais do salário no fim do mês. “Conseguimos reter talento sem ter de aumentar a remuneração”, comemora Gabay.

Muito comum nos EUA, por aqui esse modelo ainda gera mais expectativas do que aplicações reais. Parece ainda existir uma fama ruim em relação a ele, como diz Gabay. Culpa, talvez, das próprias empresas que, quando pensaram em implantar os tais benefícios flexíveis, trocaram os pés pelas mãos. Ou melhor, apenas importaram o modelo americano. Na terra de Tio Sam, nos beneflex, como alguns os chamam, há um componente fiscal que tem ajudado, e muito, a propagação desse modelo. Lá, eles existem basicamente para atender a uma legislação referente à dedutibilidade de impostos. “Grande parte do que é oferecido no pacote é dedutível na fonte [dos funcionários]. Diferentemente do Brasil, onde só a previdência é dedutível”, diz Gabay. Assim, por meio desse modelo flexível, o trabalhador americano consegue ter uma otimização da dedutibilidade dos impostos nos seus benefícios. “O objetivo, nos EUA, é muito mais fiscal do que ter uma satisfação do funcionário”, comenta.

Ao não deixar de lado essa finalidade fiscal, muitas empresas penaram. Elas começaram a implantar um modelo levando em conta itens que não eram e ainda não são considerados benefícios pela legislação, como carro, moradia, escola para filho, entre outros. “E sofreram as consequências disso”, lembra Gabay. Como consequências, temos ações trabalhistas nas quais alguns desses benefícios foram incorporados ao salário. Isso fez com que os benefícios flexíveis ganhassem uma má fama no mercado. Outra questão que também dificultou o acesso a esse modelo foi a dificuldade em administrar essa flexibilidade. “O RH já tem de dar muita atenção para cuidar de um modelo tradicional; imagine, então, vários pacotes”, lembra Gabay. Agora, esse problema é resolvido com a ajuda da tecnologia. E as empresas passaram a estudar novas formas de implantá-lo, mas ainda eles são uma realidade um tanto distante.

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É o que se pode inferir a partir de dados de uma pesquisa recente da Towers Watson: embora 21% das companhias entrevistadas tenham feito um estudo de viabilidade sobre a implantação desse modelo, apenas 2% implantaram, efetivamente, a prática (veja mais dados da pesquisa da pág, 24). E, de acordo com alguns consultores ouvidos por MELHOR, esse cenário não deve mudar a curto prazo. “Acho difícil decolar no Brasil. Pensar que um dia 50% das empresas vão possuir esse modelo é uma utopia”, diz o consultor sênior da Mercer, Francisco Bruno.

Ele explica que, de tempos em tempos, o mercado aquece e as empresas buscam realizar estudo de viabilidade, mas a implantação propriamente dita ainda continua lenta. O consultor de benefícios da Towers Watson, César Lopes, também não vê uma mudança no mercado. Isso em função dos muitos mitos criados ao longo dos anos, nos primeiros desenhos feitos pelas empresas por aqui. Alguns desses desenhos permitiam que o funcionário abrisse mão de benefícios básicos, como saúde e seguro de vida, e transformasse os pontos que sobravam em dinheiro, o que significava salário indireto e, depois, problemas legais. “Hoje, no entanto, os projetos são mais estruturados e protegem a empresa de possíveis riscos fiscais”, garante Lopes.

Pacote de pontos
Para não ter nenhum vínculo com salário, o modelo de benefício flexível utiliza créditos ou pontos que são usados para “comprar” algum item. Essa nova “moeda” é, geralmente, distribuída para um funcionário em função do cargo e do número de dependentes que possui. Mas Bruno, da Mercer, reforça que os créditos que sobram numa transação de compra de benefício nunca podem ser transformados em dinheiro. “O que pode ser feito é destinar o que restou para a previdência ou jogar numa conta corrente para pagar, por exemplo, academia ou fazer um tratamento que não está coberto no plano de saúde”, afirma.

Bruno aconselha, na hora de desenhar um plano de benefícios flexíveis, a simplificação. “Não adianta inventar muito e colocar benefícios como automóvel, segurança executiva e viagens, pois isso pode ser entendido pela legislação como salário e gerar problemas”, afirma. Segundo ele, o desenho deve ser feito apenas com os benefícios de cunho social, como assistência médica, odontológica, vale-refeição e alimentação e transporte de funcionário. Feito isso, a companhia deve criar padrões de pacotes. “Você pode oferecer, por exemplo, dois ou três tipos de assistência médica e deixar o colaborador escolher se ele prefere ter um seguro de alto padrão ou um mais simples e usar o resto dos pontos para a previdência, por exemplo”, explica.

Outro ponto importante é não permitir que o empregado abra mão de benefícios básicos, como assistência médica e seguro de vida. “Muitas vezes, o funcionário pensa que não precisa ter um plano de saúde na empresa pelo fato de sua mulher, por exemplo, possuir na empresa que trabalha. Mas e se amanhã ela perde o emprego?”, ressalta Lopes, da Towers Watson.

Bônus em benefícios
Já pensou em atrelar a remuneração total do funcionário aos benefícios flexíveis? “Trata-se de uma ação que pode ser feita por qualquer empresa, desde que ela tenha vontade e capacidade em investir na melhoria da remuneração total do colaborador, e no próprio pacote de benefícios”, diz Ronn Gabay, da Aon Hewitt. Exemplificando: imagine uma companhia que possua uma grade salarial com 10 níveis. “Se um gestor quiser dar um aumento para uma pessoa, irá promovê-la da grade 2 para a 3 de salário. No conceito de juntar as estratégias de remuneração total com a de benefícios flexíveis, a empresa pode criar, por exemplo, 3 níveis de benefícios em cada um dos níveis salariais. Assim, um funcionário que está na grade 2 de salário e na grade 2 de benefício pode continuar na mesma grade salarial e passar para uma grade acima de benefício.” Trata-se, segundo Gabay, de um conceito moderno: bônus em créditos de benefícios. “Isso pressupõe que a empresa vai ter de colocar a mão no bolso em benefícios e não em salário – o que sai muito mais barato para a companhia e também para o funcionário, uma vez que ele não vai pagar imposto sobre isso.”

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A implantação dos benefícios flexíveis esbarra, também, na falta de cultura sobre o tema por parte dos colaboradores e da liderança. Bruno lembra de uma companhia que decidiu adotar o programa, mas desistiu pela falta de adesão dos funcionários – dos 350 colaboradores, apenas um procurou a área de recursos humanos para desenhar o plano. “Nesse caso, o RH bancou sozinho o projeto, faltou o apoio das lideranças para a conscientização dos colaboradores sobre a prática”, ressalta. Segundo ele, depois de feito o estudo de viabilidade, o RH deve mostrar aos gestores das outras áreas as vantagens dos benefícios flexíveis e que, apesar do investimento inicial, a empresa terá resultados positivos (não financeiros), como atração e retenção de talentos e aumento da produtividade. Depois dessa conscientização, continua, a área deve montar um programa de comunicação para todos os funcionários para explicar como funciona o programa e quais as suas vantagens. “Se pensarmos apenas no fato de que as necessidades de um executivo de 50 anos e de um de 30 anos são diferentes, já temos uma vantagem e tanto de oferecer o flex”, diz.

E por quais outras razões vale a pena um modelo de benefícios flexíveis? Além de ajudar a atrair e reter talentos, pois dá a liberdade de cada um escolher o melhor pacote em função do momento de vida e de carreira, ele pode apoiar a empresa em questões como comunicação.

Falta percepção
“O funcionário, às vezes, não tem uma percepção adequada do pacote de benefícios”, diz Gabay. E isso não se refere somente a saber quanto custa, mas quais benefícios ele tem. Um exemplo muitas vezes esquecido, mas que é importante e tem um custo é o seguro de vida. “Pelas nossas pesquisas, cerca de 98% das empresas oferece esse item para seus funcionários, mas poucos se recordam. É algo que ele não vai usar no dia a dia; na verdade, quem vai usar é a família.” No modelo de benefícios flexíveis, todo ano o funcionário é questionado sobre o pacote que ele vai escolher e isso o ajuda a ter uma ideia do que ele tem e de quanto custa – o que ajuda a empresa passar para ele o conceito de remuneração total. 

 

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