Atualmente, é inexorável que a evolução, a influência e a presença das tecnologias computacionais em nossas vidas são cada vez mais intensas, seja na resolução de atividades triviais do dia a dia – como acessar serviços bancários e cursos de diferentes complexidades, efetuar pedido de comida por “delivery”, solicitar transporte por aplicativo na porta de casa, fazer compras do mês sem precisar ir ao supermercado e comprar a bebida gelada a qualquer momento do dia, a fantasia do carnaval e o remédio na farmácia – até realizar atendimento médico ou providenciar serviços públicos, como, por exemplo, a emissão da segunda via de um documento.
Tudo isso vem fazendo parte das nossas vidas há dez anos, mas esse processo foi severamente acelerado nos últimos três, muito em razão dos efeitos colaterais da pandemia e da necessidade de resiliência da sociedade, mas também pela evolução do nosso conhecimento tecnológico e incremento significativo da capacidade computacional experimentada pela sociedade. O detalhe é que nem sempre esse movimento acontece de forma, linear, homogênea e “consciente” por todos. Indo além, o fato mais relevante frente a isso tudo é que estamos presenciando uma penetração e o acesso cada vez maior desta evolução em todas as camadas da sociedade, ainda que apenas na condição de usuários.
Diante deste contexto, um dos elementos mais relevantes a ser observado é que toda essa dinâmica não só está provocando mudanças significativas em nossos hábitos e relações sociais, como também tem influenciado diretamente no contexto das relações profissionais e dos ambientes de trabalho. Seja porque negócios e empresas precisaram cada vez mais entregar soluções conectadas e responsivas com a evolução, as transformações e as ressignificações no uso da tecnologia computacional; seja porque os profissionais de hoje terão que ser cada vez mais adaptados e conhecedores das soluções tecnológicas, independente da função que exerça, seja um motorista, mecânico, eletricista, manutentor, analista administrativo, vendedor, programador, designer, marqueteiro, escritor, médico, artista, operador da bolsa, CEO, ou seja, toda e qualquer posição ou atividade profissional que se possa imaginar..
Em termos de adaptação profissional, tudo isso já está nos colocando diante de novas fronteiras, cada vez mais apoiadas em dados e novos modelos, formas e ambientes de trabalho. Sendo que hoje as interações e relações de trabalho podem se dar em ambiente físicos, virtuais por conexões “simples” ou em ambientes imersivos, mais conhecidos como metaverso. Foi justamente sobre essa realidade e possibilidades que a Plataforma Melhor RH promoveu recentemente um painel virtual, no qual tive a oportunidade de participar. O objetivo central foi nos provocar sobre como o metaverso deve influenciar nas relações de trabalho, nos processos de gestão de pessoas, no desenvolvimento profissional e em especial, quais serão as principais mudanças e os desafios que essa evolução tecnológica deve impor para os profissionais de RH. A intenção foi ampliar o espectro de reflexão de como estes profissionais poderão seguir atuando na adaptação das organizações, frente a este processo inexorável de transformação das relações de trabalho, a partir da evolução digital e da capacidade computacional que estamos presenciando.
Diante de tal desafio, conseguimos identificar e explorar ao menos 10 elementos e tendências que nos pareceram de maior relevância:
Ambientes e formas de trabalho: com a maior acessibilidade da tecnologia, seja por questões de custo, seja por aprendizados que devem evoluir, os ambientes de trabalho serão cada vez mais diversos entre o presencial, virtual, remoto e assíncrono. Com isso, a tendência é evoluir para diferentes modelos e formatos de trabalho, em que é possível afirmar com alguma segurança que vamos vivenciar o que estou chamando de “figitalwork”, ou seja, uma lógica em que o virtual e o físico devem se misturar e se fundir cada vez mais. Vamos passar por mudanças de paradigmas, como, por exemplo, deixar de ter locais de encontros, para pontos de conexão, dado que os fusos horários, o calendário e os formatos de trabalho serão cada vez mais dinâmicos, em que acordos e combinados sobre entregas e resultados terão mais relevância que programações fechadas e estáticas, dentro do que hoje reconhecemos como jornada de trabalho.
Processos e ferramentas: tudo isso exigirá a revisão e aprimoramento contínuo de nossos processos e “ferramentas” de suporte para o trabalho. O que em certa medida já está acontecendo. Por exemplo, basta um “olhar” mais atento para perceber como a Microsoft está integrando seus diferentes aplicativos do Pacote Office com outras ferramentas voltadas à conexão e, ainda, intensificando as funcionalidades de armazenagem e acesso às informações, remetendo a utilização mais intensa da nuvem. Outras plataformas mais acessíveis, a exemplo do Google, seguem o mesmo caminho, desenvolvendo soluções e aplicação em nuvem que possibilitam diferentes formas de conexões, que não dependam exclusivamente de um computador. Hoje, muita coisa já se resolve só com o celular. Em algum momento, tanto computador como o celular serão “devices” obsoletos, o que vai contar mesmo serão as informações e dados, que poderão ser acessados de diferentes formas e, mais ainda, como capturamos valor, como aprimoramos nossas relações e que soluções conseguimos criar a partir destes acessos.
Transformação cultural, saberes e carreiras: teremos desafios expressivos que irão nos exigir novos saberes e, principalmente, a capacidade de seguir aprendendo. Capacidade adaptativa precisa ser uma competência quase que fisiológica, para que possamos aprender a desaprender, reaprender e, com isso, absorver continuamente novas habilidades e competências. O conhecimento de ontem tenderá a ficar rapidamente “vencido” e, portanto, as “carreiras” serão menos lineares. Isso não significa dizer que não teremos conhecimentos especializados, mas que o conhecimento prático e técnico estará mais disponível e, portanto, será mais adaptado e fundido entre diferentes saberes e disciplinas, visando construir soluções complexas a desafios práticos.
Transição de gerações: em curto prazo, desafios etários serão mais intensos, dada a transição de gerações em convivências nas organizações. No contexto atual, os “skills” ainda são, em certa medida, distintos e essa profusão diversa convive hoje cotidianamente nas empresas. Se reconhecido e bem trabalhado nas empresas, o entendimento sobre as virtudes e os desafios das gerações poderão ser uma grande oportunidade para construir soluções e adaptações mais universais de forma acelerada. Isso porque se de um lado temos os chamados “nativos” digitais de outro temos mais duas ou três gerações com origem em eras menos tecnológicas, convivendo dentro do mesmo ambiente de trabalho, com troca de saberes entre os mundos analógico e virtual, essas camadas etárias precisarão ser reconhecidas, equalizadas e transferidas para que todos avancem na mesma direção e propósito comum. Assim, preservam-se competências humanas importantes dos relacionamentos diretos, com as capacidades aprimoradas da evolução da inteligência computacional, as conexões virtuais e a lida de dados de forma prudente e responsável.
Regulação das relações trabalhistas: haverá uma necessidade cada vez maior de adaptação rápida e responsiva do ambiente formal das relações de trabalho, dado que o arcabouço regulatório em países mais regulados como o Brasil tende a ser anacrônico pelo modelo como é constituído de formação das leis. Isso, cria um ambiente complexo entre a capacidade de adaptar e fazer valer a intenção da proteção social da legislação, com ímpeto empreendedor quase “sem freio” cada vez mais intensificado por essa realidade tecnológica exponencial.
Propósito, reputação e exposição: empresas estarão cada vez mais expostas, já que os controles, ainda que intensificados, tenderão a ser menos eficientes. Por isso, uma cultura organizacional forte será fundamental para ter profissionais engajados, alinhados e vinculados com seu propósito organizacional, que, por sua vez, precisará ser conectado aos seus propósitos individuais. As empresas precisarão lidar cada vez mais com os riscos reputacionais porque estarão mais expostas diante desta dinâmica, assim como na proteção e preservação de seus dados e informações, considerando sua realidade de mercado e competitividade.
Acessibilidade e inclusão: uma das coisas fascinantes da tecnologia é que ela é capaz de potencializar nossas capacidades humanas. Com o avanço das tecnologias computacionais e a evolução dos ambientes virtuais, em especial os ambientes imersivos, certamente vamos caminhar para uma sociedade na qual as barreiras físicas e culturais, que infelizmente ainda existem e excluem muita gente, tenderão a ser rompidas. Seja por questões básicas de acessibilidade física, seja porque neste ambiente digital, ao que se percebe hoje, as pessoas são menos julgadas por suas expressões de como querem ser reconhecidas. Sobre este aspecto teremos um campo ilimitado de evolução e, claro, também de desafios.
Desenvolvimento profissional: os modelos de treinamento e desenvolvimento já estão sendo amplamente revisitados, seja nas escolas e universidades, seja nos ambientes corporativos. Os formatos tradicionais de salas de “aula/treinamento” com grades estáticas, presencial e fechados ainda existirão por um tempo, mas serão cada vez mais pressionados por outras abordagens apoiadas na evolução da capacidade computacional, tornando as pessoas mais protagonistas do seu desenvolvimento. Além disso, ambientes imersivos, gamificação e soluções que propiciem maior experimentação, permitirão um nível de aperfeiçoamento muito maior e, logo, tenderão a ser cada vez mais presentes na realidade das organizações. Imaginem se um técnico tiver acesso ao funcionamento de uma máquina a partir do scanner detalhado desta em um ambiente imersivo, o quanto ele poderá atuar no seu aperfeiçoamento ou manutenção com maior assertividade, precisão e com menor custo por conta disto. Ou mesmo um médico entrando em um corpo humano imersivo a partir de um modelo real. Tudo isso será possível com níveis de investimentos cada vez mais acessíveis.
Ética e sociedade: entre os diversos elementos de transformação tecnológica, teremos desafios éticos e sociais expressivos, dada a disponibilidade de dados que serão gerados e as legislações que tenderão a evoluir para exigir cada vez mais responsabilização das empresas sobre a disponibilidade dos dados. Logo, a cultura de proteção de dados e os protocolos de cibersegurança serão fundamentais. Além disso, ainda teremos um grande desafio com os grupos socioeconômicos mais vulneráveis, com o risco de acentuarmos os abismos de exclusões já existentes, considerando nossas deficiências educacionais já herdadas do mundo analógico. Sobre isso, empresas, lideranças e profissionais de RH terão um papel central para que os desafios sejam convertidos em oportunidades para o bem de todos.
Saúde mental: considerando que tudo isso nos remete a mudanças intensas e contínuas das nossas relações pessoais e de trabalho, cada vez mais assíncronas, mais conectadas e menos definidas, é inevitável que também teremos efeitos colaterais sobre a nossa saúde mental. Por isso, vamos precisar também de um tempo para aprender como lidamos com tudo isso, de forma a acomodar as tensões dessa nova era, sob pena de perdermos as benesses desses avanços por uma sociedade mentalmente mais comprometida, com retrocessos na qualidade de vida. Logo, as organizações precisarão ter olhares atentos para os efeitos colaterais dessas mudanças em seus negócios.
Em resumo, as oportunidades deste novo cenário apontado pela evolução tecnológica associada a expansão da capacidade computacional e abertura de novas fronteiras para o mundo digitalmente conectado, em especial com a possibilidade de evolução cada vez maior para ambientes imersivos, devem ser reconhecidas com sabedoria, a fim de identificar também as benesses e os desafios. Dessa forma, devemos nos aprimorar para que possamos seguir superando as barreiras atuais e futuras, dado que o caminho nessa jornada hoje, ao que tudo indica, é inexorável e será cada vez mais tecnológico e conectado. Portanto, cabe-nos como profissionais de RH ter cada vez mais consciência e propriedade disso, para que possamos seguir nos aperfeiçoando e apoiando o desenvolvimento de cada profissional e, consequentemente, melhorando a capacidade de adaptação e evolução da própria organização.