
A transformação digital do RH não é mais sobre tecnologia, mas sobre leitura inteligente de dados. Segundo Elton Moraes, professor do Insper, o People Analytics olha para o “bairro inteiro”, enquanto o HR Analytics observa apenas “a casa”. Em outras palavras, o primeiro conecta o comportamento humano ao desempenho do negócio.
Moraes explica que o People Analytics amplia o escopo e cria pontes entre indicadores de RH, finanças e operações. “Quando cruzamos dados de turnover com desempenho e engajamento, entendemos o verdadeiro impacto humano na performance”, ensina. Para ele, essa integração marca o início da maturidade analítica dos RHs brasileiros.
Na prática, isso significa substituir a intuição por evidências. “Os dados passam a apoiar decisões que antes dependiam apenas da percepção, como promover um líder, desenhar programas de retenção ou medir o impacto de benefícios no engajamento”, esclarece o docente.
A cultura de dados ganha força no RH brasileiro

Na Serasa Experian, a jornada de People Analytics começou com um movimento global, mas ganhou corpo no Brasil em 2023, com a criação de uma equipe regional. Camila Souza, gerente de RH da empresa, afirma que a principal mudança foi deixar de usar os dados apenas como suporte e passar a aplicá-los estrategicamente.
“Hoje conseguimos cruzar informações de RH e Finanças, garantindo análises mais profundas e alinhadas ao nosso contexto local”, conta. Um dos maiores desafios, segundo ela, foi integrar sistemas distintos com parceiros externos, mantendo a conformidade com a LGPD e as políticas de segurança.
O resultado, contudo, é expressivo, na visão da gerente de RH. “Monitorar demissões voluntárias, comparar salários entre gêneros e analisar indicadores de clima nos permite agir antes que um problema cresça”, explica Camila. Segundo a líder, a combinação entre dados e insights humanos virou parte da cultura.
Ferramentas, integração e o papel da tecnologia

A base de qualquer estratégia analítica está na qualidade dos dados. Marcello Porto, diretor de Produto, Inovação e IA na LG Lugar de Gente, reforça que o primeiro passo é integrar as informações em uma plataforma unificada. “Quando os dados estão espalhados em planilhas, o RH perde o controle e as análises se tornam frágeis.”
Segundo Porto, soluções modernas de gestão de pessoas já vêm com recursos analíticos e inteligência artificial embarcados. Ele cita o avanço de modelos preditivos e agentes conversacionais que tornam o uso dos dados mais acessível. “People Analytics é o motor que impulsiona o RH para um novo patamar de decisão estratégica”, diz.
Para o diretor da LG lugar de gente, tecnologia não é o fim, mas o meio. “Nada convence mais do que resultados concretos. Empresas que usam People Analytics percebem impacto direto na retenção e na redução da rotatividade”, completa Porto.
Competências analíticas e a nova mentalidade do RH
Para Elton Moraes, o RH do futuro será analítico ou ficará obsoleto. “Não é sobre saber programar, mas sobre formular as perguntas certas. Analytics começa com um problema real, não com um gráfico bonito”, provoca.
Ele defende que profissionais de RH dominem estatística básica, Power BI e noções de SQL, mas, sobretudo, saibam traduzir dados em histórias que convençam o CEO. “O grande dilema é equilibrar técnica e narrativa. Um insight só vale se gerar ação”, afirma.
Na Serasa Experian, a transição também passou por capacitação. Camila Souza explica que o time foi reorganizado para incluir profissionais de ciência e engenharia de dados. “Hoje já usamos IA e machine learning para automatizar análises e criar produtos internos mais inteligentes.”
Ética, confiança e o uso responsável das informações
Nenhuma análise sobre pessoas é neutra. Moraes alerta que ética precisa estar no desenho do projeto, não no final. “Coletar só o necessário, ser transparente sobre o uso e auditar vieses são pilares básicos”, ressalta.
Camila reforça essa visão ao citar a política interna da Serasa Experian. “Restringimos os acessos e os dados são apresentados de forma agregada, sem identificação pessoal. Privacidade é parte da nossa cultura.”
Para Porto, o uso responsável dos dados é também uma questão de credibilidade. “O colaborador precisa perceber que as informações servem para gerar valor, não vigilância. Confiança é o ativo mais estratégico do RH.”
O futuro: IA e personalização da experiência do colaborador
Os três especialistas convergem em um ponto: a Inteligência Artificial será a grande aliada da próxima fase do People Analytics. Porto vê um futuro dominado por modelos preditivos e personalização em tempo real. “A IA tornará as análises mais acessíveis e as decisões, mais rápidas e seguras.”
Camila aposta na integração entre IA e modelagem preditiva para antecipar cenários estratégicos. “Vamos chegar ao ponto de identificar perfis ideais de liderança e simular estruturas organizacionais mais eficientes.”
Já Moraes destaca que o avanço tecnológico exigirá ainda mais rigor estatístico e transparência. “A maturidade virá quando o RH conseguir unir ciência e propósito: dados de qualidade, analisados com ética e foco em impacto humano real.”
5 aprendizados para RHs evoluírem em People Analytics 1. Comece pequeno, mas com propósito. Escolha um problema real de negócio e use dados para resolvê-lo. 2. Estruture bem suas bases de dados. Integração e governança são pré-requisitos para insights confiáveis. 3. Desenvolva competências analíticas e narrativas. Saber contar histórias com dados é tão importante quanto analisá-los. 4. Adote uma cultura ética e transparente. Explique aos colaboradores como os dados serão usados. Isso gera confiança. 5. Use IA como aliada estratégica, não como modismo. Automatize processos, mas preserve o olhar humano sobre as decisões. |