Estagiários quarentões disputam vagas com a geração Y e galgam seu espaço no mercado |
O choque de gerações nunca foi tão visível até nos depararmos com um processo seletivo para uma vaga de estágio, em que jovens e profissionais acima de 40 anos disputam a mesma vaga. Então, desde quando essa realidade acontece? Esses profissionais competem por igual? O que os diferem?
Sandra Cabral, diretora de desenvolvimento e carreira do Grupo DMRH |
Essas perguntas que não querem calar fizeram parte do roteiro do filme Os estagiários, lançado na metade de 2013 e que conta a história de dois quarentões que se vêem descontentes e perdidos em suas carreiras e, almejando mudar de vida, se candidatam a uma vaga de estágio no Google. A diferença de idade, postura profissional, conhecimento técnico e dificuldades enfrentadas no convívio com a geração Y fizeram do longa uma comédia divertida, mas que retrata uma realidade cada vez mais atual nas organizações.
Atualmente, ter acesso a uma graduação está mais simples e acessível financeiramente, e isso está motivando “velhos profissionais” a realizar o sonho de fazer uma (segunda) faculdade ou alçar novos vôos em uma nova profissão. Por isso, para aprender na prática os conceitos repassados em sala, esses profissionais estão disputando vagas de estágio com a geração Y e, mesmo com os seus prós e contras, galgaram o seu espaço e já ocupam uma posição de destaque no mercado. Segundo dados do Centro de Integração Empresa Escola (Ciee), aproximadamente seis mil profissionais acima de 40 anos estagiam no Brasil, representando cerca de 3% dos estagiários da instituição. Entre as áreas mais escolhidas por esses profissionais estão a administração, pedagogia, educação física, entre outros.
Quando o assunto é a contratação, ficam visíveis para os RHs as diferenças entre os dois tipos de estagiários e qualidades como experiência, conhecimentos técnicos, facilidade em exercer a atividade e comprometimento com a vaga contam muito no momento da seleção, independentemente da idade do candidato. Segundo o superintendente executivo do Ciee, Eduardo Sakemi, “o jovem e o estagiário de mais idade competem, mas cada um tem um diferencial próprio. Por isso, a contratação depende de o selecionador encontrar naquela pessoa aquilo que está procurando”.
Débora Nascimento, gerente geral do Instituto Capacitare |
Para Débora Nascimento, gerente geral do Instituto Capacitare, dependendo do perfil da vaga, ter uma pessoa mais madura é um diferencial importante, uma vez que o aspecto de competências adquiridas é o que nem sempre é possível em seleção para jovens estagiários. “A maioria dos candidatos não possui experiência anterior. Dessa forma, eles conseguem competir, sim, com os demais candidatos, e o que irá definir sua continuidade no processo é o que eles apresentam de performance nas etapas de seleção propostas e no alinhamento com as competências que as empresas buscam em seus processos seletivos”.
Já Sandra Cabral, diretora de desenvolvimento e carreira do Grupo DMRH, alerta que mesmo em busca de uma vaga de estágio, esses profissionais devem estar atualizados, e sempre investir em formação. “Se um profissional com mais de 40 anos manter sua empregabilidade em alta, sua idade não deverá ser um peso no currículo. Agora, se um profissional tem mais de 40 anos e não faz um curso de atualização de tempos em tempos, com certeza irá diminuir sua competitividade em relação a profissionais mais novos e poderá ter dificuldade de encontrar uma nova oportunidade ou estágio.”
Um meio para um fim
Muitos são os motivos que levam um profissional acima dos 40 a estudar novamente, e dois deles são considerados os principais: sonho e mudança de carreira. Diferente de quem busca uma especialização, esses universitários geralmente encontraram barreiras no início da fase adulta para iniciar uma graduação. Seja por motivos de trabalho, falta de condição financeira, formação de família, a faculdade sempre foi um sonho inalcançável ou uma das últimas metas a serem realizadas por essas pessoas. Há também aqueles que acreditam estar na profissão errada ou mesmo que querem fazer o que gostam. Porém, ao chegar aos 40 anos ou mais esses empecilhos são reduzidos e o sonho se torna mais próximo da realidade como explica a estagiária em pedagogia Silvana Maria Pereira Rodrigues, de 46 anos. “Anteriormente eu era atendente de consultório dentário, mas sempre tive o sonho de fazer pedagogia, isso desde que os meus filhos nasceram. Surgiu a oportunidade e eu resolvi abraçá-la. Em dezembro eu termino o curso. Atualmente eu sou estagiária na área de matemática, mas eu pretendo tentar ingressar no Ensino Fundamental I.”
Silvana obteve todo o apoio da família para voltar a estudar, mas conta que, na faculdade, os colegas de turma não foram tão receptivos. “De início eu sofri muita crítica. De que não valia a pena, que depois de velha reiniciar uma carreira é besteira…. Eu ouvi isso dos próprios colegas de sala, e tinha dificuldades para entrar em alguns grupos”.
#L#O mesmo não aconteceu com Nagai Siqueira Araújo, de 47 anos, e que também faz estágio em pedagogia. Ela, assim como Silvana, tinha o sonho de fazer pedagogia, mas não enfrentou qualquer dificuldade com seus colegas de classe, e recebeu o apoio de todos. Antes de entrar para a faculdade, a estagiária em pedagogia trabalhava com contabilidade, mas não era algo de que gostava. Nagai pretende se formar no final do ano e dar continuidade na carreira de docente. “E eu também quero fazer a pós-graduação. Quando me formar, quero ir para a área de Educação Infantil, porque eu sempre tive o sonho de trabalhar com criança.”
Prós e contras Seja por sonho ou por mudança na carreira, muitos são os prós e contras vivenciados por esses estagiários em um processo seletivo. Na visão de Sandra, provavelmente poucas empresas enxergam esses profissionais realmente como estagiários, pois já possuem experiência profissional, mesmo que tenha sido vivenciada em outros segmentos ou áreas de atuação. “Isso significa que não é recomendado que sejam avaliados como candidatos a estágio, com a aplicação da mesma metodologia que foi desenvolvida para avaliar candidatos sem experiência profissional. Independentemente da trajetória de carreira que tenha sido vivida até essa idade, esse profissional já possui competências desenvolvidas ao logo da sua carreira, e este fato não pode ser negligenciado, muito pelo contrário, deve ser aproveitado da melhor forma possível”. Débora, do Instituto Capacitare acredita que o choque de gerações existe e essa tem sido uma preocupação discutida e trabalhada pelas empresas, em especial pelas áreas de recursos humanos. “É preciso entender que ambas as gerações têm seus prós e contras e uma não vai abandonar as suas características para se adaptar ou igualar à outra, e vice-versa. E a riqueza está exatamente aí. Não somos uma ilha e crescemos uns com os outros. Logo, é preciso buscar a convivência diante das suas potencialidades; trabalhando com o que cada uma tem de melhor e buscando atender às expectativas delas de acordo com suas características – pois o que é usado para motivar e reter uma, é diferente para a outra. Não dá para criarmos uma única fórmula para dialogar com essas gerações tão diferentes. E para isso os RHs precisam estudar e conhecer a fundo as peculiaridades de cada uma, para poder apresentar propostas e aberturas diferentes para elas.” Sakemi completa afirmando que “os RHs devem incentivar esses profissionais e visualizar sempre o que essas pessoas têm de melhor e o que elas podem oferecer. É preciso que os RHs prezem por uma composição mista porque o jovem vai trazer a novidade e o profissional de mais idade, a experiência. Toda empresa deve ter um pouco de jovem para inventar e inovar e dos mais experientes para avaliar pontos e ações positivas e negativas. Se as empresas conseguirem ter uma combinação de estagiários de diversas idades, haverá muitos ganhos.” |