Gestão

Desapegados do ego

de em 6 de maio de 2014
Alejandro Formanchuk
Formanchuk: comunicação é cultura em movimento

Já imaginou uma empresa que não se comunica com seus funcionários? A que destino ela está fadada? Para Alejandro Formanchuk, diretor da Federación Iberoamericana de Comunicación Interna e presidente da Asociación Argentina de Comunicación Interna, a comunicação interna é o DNA de uma empresa organizada. Sem ela, nenhuma companhia sobrevive. Convidado a participar de um evento organizado pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) no fim de março, Formanchuk conversou com a revista Melhor RH por e-mail. Nesse bate-papo, além de apresentar os desafios que ele ainda enfrenta quando o assunto é comunicação interna, o especialista também destaca como o comunicador deve se comportar em uma empresa. “A comunicação eficaz é alcançada quando nos desapegamos, minimizamos o ego, deixamos de lado o estilo, quando passamos despercebidos e deixamos ver apenas os códigos do emissor”, diz. “Perceba que eu disse ‘ego’ sendo argentino!”

Qual o papel da comunicação interna nas empresas?
A comunicação interna tem um papel fundamental nas organizações. Se não houver nenhuma comunicação, não há nenhuma atividade organizada, simples assim. E isso não é uma “teoria”, é uma realidade que pode ser comprovada empírica e imediatamente. Se eu paro a comunicação, paro a ação. Gosto de usar a história da Torre de Babel para visualizar esse conceito. Nessa história, Deus queria parar um empreendimento organizado pelos homens, que era a construção da torre. Ele poderia ter feito isso de mil maneiras: matando as pessoas; fazendo desaparecer as pedras [usadas na construção]; tirando da mente dos trabalhadores o conhecimento sobre a construção etc. No entanto, o método mais eficaz escolhido foi mudar o idioma das pessoas, impedindo-as de continuar se comunicando. Quando a comunicação desaparece, os recursos restantes não podem ser explorados. Você pode ter as pedras, as ferramentas, as pessoas e o conhecimento, mas se não houver comunicação, você não consegue chegar ao céu. Por isso, comunicação interna é essencial, é o DNA da atividade organizada.

Nos dias de hoje, uma organização que não compreende e, consequentemente, não aplica nenhuma ação de comunicação interna corre algum risco?
No meu ponto de vista, não há nenhuma organização que não tenha uma comunicação interna. Todas as organizações do mundo (empresas, famílias, escolas, clubes, grupos de amigos etc.) geram a comunicação interna; caso contrário, não poderiam existir. A diferença é que algumas planejam essa comunicação e outras deixam-na ao acaso. E, claro, quando não há planejamento, há mais risco de que as coisas aconteçam da forma errada. Muitas vezes, quando nos reunimos com as empresas, alguns CEOs nos dizem, em um misto de brincandeira e de seriedade: “Bem, somos uma grande empresa e nunca tivemos uma área de comunicação interna e nem nos preocupamos com isso. E, por essa razão, isso não deve ser tão importante assim”. Ao que eu respondo: “Vocês se tornaram uma grande empresa não por não ter planejado a comunicação, mas apesar de não a ter planejado.” É como a alimentação. Nós sempre nos alimentamos e estamos vivos. Mas, certamente, uma pessoa que foi cuidadosa e consciente de sua alimentação agora tem muito mais saúde e vitalidade em relação a quem simplesmente acabou de abrir a boca e encheu-a com o que viu primeiro na geladeira.

Quais são os impactos dos aspectos culturais nesse tipo de comunicação?
Acredito que a comunicação é cultura em movimento. A comunicação é ontológica. Uma pessoa se comunica pela personalidade, e uma empresa de acordo com sua cultura. É impossível trabalhar comunicação sem trabalhar a cultura.

Quais as ferramentas básicas para um bom diagnóstico que identifique as necessidades prioritárias para a organização?
A comunicação é uma ciência social e, assim, utilizamos todas as ferramentas do nosso campo: observação participante, não participante, pesquisas, entrevistas, grupos focais, leitura de materiais significativos etc. Acredito que não há muita “novidade” no que diz respeito às ferramentas. Creio que o desafio continua sendo a capaciadade do comunicador em saber ler esses resultados e fazer um diagnóstico valioso. É como na medicina. Alguém pode levar os mesmos exames, como de sangue, raios x etc., para cem médicos e nem todos terão a mesma capacidade para detectar problemas e nem para sugerir tratamentos. Um médico iniciante talvez não veja nada e diga que ao paciente que ele está bem. Mas se Gregory House [nota da redação: personagem da série House e interpretado pelo ator Hugh Laurie] analisar esses mesmos exames, talvez ele mande o paciente imediatamente para a sala de cirurgia e acabe salvando a vida dele porque conseguiu ver o que os outros não viram.

Quais as características necessárias para que o gestor realize suas atividades com o máximo de eficiência e atinja os resultados esperados?
Basicamente, deve ser livre de dogmas e egos. Perceba que eu disse “ego” sendo argentino! A profissão de comunicador é uma atividade difícil, pois nosso objetivo é passar despercebido. Produzimos mensagens que não são nossas, não as dizemos e nem são para nós. No entanto, muitas vezes o comunicador – e incluo todos que realizam uma atividade projetiva – se faz ser notado abertamente por meio de estilos, fórmulas, teorias, leis, tendências, e creio que isso é um erro. A comunicação eficaz é alcançada quando nos desapegamos, minimizamos o ego, deixamos de lado o estilo, quando passamos despercebidos e deixamos ver apenas os códigos do emissor. É como o ofício de um ator: seu trabalho é realmente maravilhoso quando a pessoa desaparece atrás do personagem, quando não vemos um ator argentino, mas somente o personagem, quando nos esquecemos de que alguém está atuando.
#Q#
O profissional que trabalha com a comunicação interna deve estar preparado para lidar com conflitos?
Sem dúvida. E eu acrescentaria que também deve estar preparado para lidar com a complexidade.

Qual foi o maior desafio enfrentado em sua carreira trabalhando com comunicação organizacional?
Os meus maiores desafios foram e ainda são:
>Que a empresa entenda que a área de comunicação interna não tem o monopólio sobre as mensagens que são emitidas. Que a boa comunicação é tarefa de todos.
>Que o líder é o principal comunicador interno.
>Que o líder esteja disposto a ser treinado em comunicação.
>Que a empresa compreenda que as ações comunicam muito mais do que milhares de palavras distribuídas em revistas internas, cartazes ou intranets.
>Que os líderes saibam que se não são confiáveis não há comunicação eficaz.

Qual o papel de RH na comunicação interna? 
A área de RH é a nossa principal parceira na empresa. Ela é quem mais conhece as pessoas. E a verdade é que não importa se a área de comunicação interna é dentro ou fora de RH, esse debate não me importa… o que importa é que trabalhemos juntos.

O avanço das redes sociais tem afetado positiva ou negativamente a comunicação organizacional?
Creio que o impacto é positivo porque, hoje, as pessoas têm a oportunidade de fazer ouvir as suas vozes, como nunca antes na história. Essa lógica “prosumer” [NR: termo criado a partir da junção de producer e consumer] está mudando a forma de fazer comunicação interna e também exige pensar qual deve ser o papel de um comunicador interno. Há três anos, escrevi o primeiro livro em espanhol sobre “comunicação interna 2.0”, que também foi traduzido para o português, e ali eu já argumentava que estávamos entrando em uma era de comunicações cocriadas, compartilhadas, colaborativas, que enriqueciam a dinâmica de conversação em uma empresa. Para resumir: o papel histórico do comunicador interno sempre foi o de enviar mensagens, e hoje é complementado por outro papel, o de facilitar que outras pessoas sejam emissores das mensagens. Ou seja, o comunicador é uma espécie de “combustível” puro e também uma espécie de “lubrificante” na comunicação.

#L# Sobre os profissionais que trabalham com a comunicação interna: quais as principais competências que eles devem ter?
Do meu ponto de vista, o comunicador interno deve ser a pessoa mais educada e culta de uma empresa. Educado no sentido de que precisa conhecer muitos códigos para poder criar as comunicações que se encaixam com as diferentes culturas e personalidades [existentes em uma organização]. Ter conhecimento ou saber sobre “comunicação” é uma condição necessária, mas não suficiente para ser um comunicador. A organização é uma obra humana: é preciso nutrir-se das ciências que buscam compreendê-la e das expressões que a tornam visível.

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