Num ambiente atual de busca contínua de sobrevivência organizacional, a gestão estratégica do potencial e da performance das pessoas passou a ser um tema fundamental no mundo corporativo. Como é possível fazer com que as pessoas, com suas competências, potencialidades e desejos, se interessem e se comprometam com os objetivos da empresa de perenidade, sem terem assegurada essa sobrevivência para elas mesmas? A pergunta só pode ser respondida se entendermos que os objetivos pessoais poderão ser complementares aos organizacionais e que essas duas forças se atraem e se selecionam mutuamente. O impulso inato do indivíduo para o seu desenvolvimento histórico, psicológico e social necessita de uma oportunidade. E a empresa pode fornecer as circunstâncias para que isso aconteça. Em contrapartida, ela poderá orientar as ações das pessoas para que seus objetivos de resultado sejam satisfeitos.
O conceito de competências ganhou espaço rapidamente no mundo empresarial, pois fornece uma metodologia clara e coerente que permite a convergência das expectativas e necessidades complementares entre esses atores, pessoas e organizações. Mas, afinal, o que é gestão de RH por competências? Num estudo do conceito de competências, encontramos duas vertentes que o fundamentam: o da educação; e do planejamento estratégico. Na primeira, o conceito está ligado Í formação, ao desenvolvimento de habilidades e ao estímulo de atitudes – razão pela qual sua definição é “um conjunto de comportamentos das pessoas que são passíveis de treinamento”. No âmbito do planejamento estratégico, ele foi introduzido por C. K. Prahalad e Gary Hamel no livro Competindo pelo futuro (Editora Campus) e é utilizado como “um conjunto de conhecimentos e tecnologia que permitem a uma empresa oferecer um determinado benefício ao cliente, diferente de sua concorrência”. Esses mesmos autores ampliam o conceito no artigo The core competence of the corporation, publicado anos atrás na Harvard Business Review, mostrando que a aquisição das competências organizacionais é um aprendizado coletivo, passível de reprodução e compartilhamento. O argumento que utilizam é: as empresas conseguirão atingir o que se estabelece na sua estratégia se souberem identificar e desenvolver as competências organizacionais necessárias. Ambos os nascedouros do conceito de competência foram convenientes para a transposição de uma nova forma de administrar RH nas empresas.
Interação
A junção da vertente educacional, voltada para o aprimoramento das pessoas, e a estratégica, que se calca na identificação e no desenvolvimento das competências organizacionais, procura ajudar as corporações a buscar mais competitividade. A questão essencial, hoje, refere-se Í real interação entre as competências definidas e a realidade do negócio e a consequente expectativa sobre a performance das pessoas. É sabido que existem muitos quadros de competências importados e pouco adaptados Í nossa realidade; além disso, existem questionamentos quanto Í metodologia para o desenvolvimento desses quadros – já tendo sido consideradas todas as vertentes, demandas, entendimentos ou “vozes” (metodologia para levantamento das competências organizacionais ou do negócio). Várias empresas já trabalham com esses conceitos e práticas aplicados a uma gestão estratégica de RH, seguindo o encaminhamento:
Estabelecimento da estratégia empresarial » Identificação de competências organizacionais necessárias » Formulação de quadros de competências gerenciais e funcionais.
Esse modelo aparentemente simples assegura uma administração de recursos humanos em linha com as necessidades da empresa, desdobrando a estratégia em vários níveis da estrutura. A reflexão que fazemos aqui enfatiza um momento no cenário de RH no qual algumas empresas já definiram seus quadros de competências. Assim, vale questionar como será, então, o day after. Que ações de RH irão fortalecer igualmente as competências organizacionais, efetivando os resultados da empresa, e as competências das pessoas, que podemos medir com a prontidão destas para determinadas situações e exigências? A partir dessas questões, pode-se imaginar que esse dia seguinte será marcado pela gestão por competências propriamente dita. Uma das atividades de RH, além de responder Í s demandas acima, é subsidiar as empresas com metodologia para o levantamento dessas competências ou sinalizar quando elas precisam de revisão ou detalhamento, dependendo das mudanças de rumo da companhia ou do seu segmento de mercado. Imagine, por exemplo, que uma organização tenha uma necessidade explícita na estratégia de mudar e integrar culturas para as pessoas, estimulando a orientação para o cliente interno. Nesse processo, o RH ajudará no desdobramento dessa competência, ampliando a visão sistêmica organizacional.
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Vale ressaltar que operacionalizar as competências é importante para o detalhamento e para o exercício das ações. Essa operacionalização deve declarar exatamente o que é essa competência para a empresa A ou B e é tão importante quanto os quadros, pois dá a dimensão exata da expectativa com relação ao negócio e Í s pessoas.
Cuidar das expectativas
O day after da gestão de recursos humanos por competências é um tema atual. A expectativa levantada de um RH que monitora a estratégia merece ser praticada e contribui com os resultados das empresas e pessoas. Como, então, tratar a expectativa de desenvolver essas competências organizacionais? A área de RH, em seus subsistemas, sempre irá destinar suas ideias para aprimorar o seu desempenho estratégico nos âmbitos abaixo:
1- Da universidade corporativa ou na área de treinamento
> Como garantir o entendimento dos funcionários sobre o papel deles no crescimento da empresa por meio da alteração dos seus próprios parâmetros de performance?
> De que maneira o funcionário coloca suas potencialidades na direção das competências organizacionais?
> Como desmistificar esse conceito de competências e colocá-lo na prática do dia a dia?
2- De desenvolvimento organizacional (DO)
> Como estimular as pessoas ao autoconhecimento?
> Como introduzir, na cultura, a prática de coaching individual e coletivo?
> Como introduzir e estimular políticas e práticas efetivas de sucesso em aproveitamento interno das pessoas, mesmo com altos custos de tempo e dinheiro para dar prontidão aos funcionários promovidos?
> Quais ferramentas e projetos internos podem facilitar e estimular a gestão do conhecimento? Como transformar o conhecimento individual em coletivo? Como tornar real a gestão do conhecimento organizacional?
> Como treinar e desenvolver competências? Será com treinamentos formais?
3- De remuneração, benefícios e qualidade de vida
> Como desenvolver, remunerar e incentivar as pessoas na sociedade de serviços? Como remunerar e principalmente avaliar ideias?
> Como apoiar o direcionamento das pessoas para os objetivos estratégicos, resguardando sua integridade física e seu bem-estar?
> Como amparar as pessoas em suas demandas sociais, seus valores e diversidade?
4- Da visão e da importância e educação da liderança
> Como priorizar e orquestrar o desenvolvimento de liderança da empresa?
> O que é liderança para a empresa? Exemplo: liderar pessoas é ter a capacidade de harmonizar a forma de resposta das pessoas Í organização e apoiar e redirecioná-las em suas competências e desempenho objetivando resultado mútuo. O líder, portanto, é aquele que entende a repercussão de suas ações nos objetivos organizacionais, no desenvolvimento das pessoas e na criação e administração do clima.
5- Da filosofia da gestão de RH
Peter Senge pode nos auxiliar, inspirando-nos quando escreve sobre o modelo de empresa (learning organization), no qual a aprendizagem, além de ser contínua, precisa ser cumulativa e distribuída para todos. A organização que aprende possui:
> Grande flexibilidade;
> Compromisso com as pessoas;
> Uso assíduo de equipes;
> Sólidas competências organizacionais;
> Busca de novos paradigmas;
> Admite e aprende com os erros.
Projetos dirigidos Í organização que aprende devem ser criados em todos os níveis. Vale detalhar três formas dentre várias que podem apoiar a organização que aprende preconizada por Senge:
1- Formatação de Grupos de trabalho (GTs)
O primeiro passo para trabalhar com GTs está na permissividade da cultura para acatar as tarefas – resultados grupais provenientes dos mais diversos níveis da empresa e também na capacidade da companhia de lidar com o risco, pois criar e implantar novas ideias envolve mudança e instabilidades. A empresa, portanto, deve oferecer espaço (físico, de tempo, de apoio técnico e político) para que as pessoas pensem e possam propor soluções para questões atuais e futuras. As formas são variadas e criativas para transformar o conhecimento organizacional em conhecimento “circulante”. Imaginem como seria se pudéssemos ver o conhecimento andando pelos corredores. Seria fantástico! E pensar que isso pode ser muito viável é maravilhoso. Talvez fosse possível se as organizações não valorizassem somente vendas e resultados quantitativos, mas igualmente ideias. Fica claro que os GTs apoiam a gestão do conhecimento, pois promovem a geração e implantação de ideias. Se concordamos na questão que a perenidade do negócio depende em muito do conhecimento e que ele é um patrimônio das pessoas, é óbvio que a área de RH deve ocupar grande parte de seu tempo criando projetos, eventos, técnicas para transformar o conhecimento individual em conhecimento organizacional.
2- Tasktraining
Trata-se de uma metodologia patenteada de desenvolvimento de competências calcada no construtivismo. Como o próprio nome diz, as pessoas devem construir o conhecimento, pois ele não está pronto. A premissa, aqui, revela que treinar competências não se faz em treinamentos formais. Eles dão conta apenas de um dos aspectos da aprendizagem, limitando-se ao teórico. Não se trata de desvalorizar o teórico, mas de enfatizar outras formas de aprendizagem, tão importantes quanto, como: aprender praticando (exercitando competências); com os outros; com o passado (ressignificando). Esse processo indica uma forma eficiente de desenvolver competências, com base nas intervenções na realidade das empresas e apoiando a geração e gestão do conhecimento.
3- Banco de dados ou informações
Não existe um RH estratégico sem informações coerentes, padronizadas e legítimas sobre as pessoas. Esses dados sinalizam áreas, pessoas, grupos a serem trabalhados, monitorados, incentivados. Como saber onde estão nossos mais valiosos conhecimentos? Em quais áreas, em quais pessoas, em que grupos? Essa informação pode valer alguns milhões de dólares, vale muitas vezes os destinos e a perenidade do negócio. Mas embora sejam importantes, elas são pouco valorizadas estrategicamente. O conceito de banco de dados transnacional pode ser desenhado dando coerência e concretude ao desenvolvimento e Í carreira das pessoas, com destaque no exercício das competências, fornecendo parâmetros e clarificação de uma linguagem de performance que fortalece igualmente as competências (resultado qualitativo) e as metas (resultados quantitativos) como consequência natural da prontidão das pessoas alinhadas aos objetivos da empresa. Pensar no dia seguinte das competências ajuda a área de RH a garantir seu espaço estratégico e lidar da melhor forma com as diferenças e necessidades individuais das pessoas e das organizações, que, em muitos casos, precisam ser renovadas a cada desafio. A empresa que propicia uma reflexão sobre alguns desses aspectos certamente terá profissionais mais conscientes de seus motivos e de seus talentos e valores e terá mais do que os braços dessas pessoas, possivelmente terá também suas cabeças cheias de ideias. Bem-vindos Í Era do Conhecimento e Í Sociedade de Serviços.
*Maria Inês Costa é sócia-diretora da CB Center – Mudança através das pessoas