Quando éramos garotos, os mais velhos costumavam dizer que nossa geração ia longe, pois parecíamos ter nascido sabendo programar o videocassete muito melhor do que eles. E deu certo? Bem, a realidade é que faz um bom tempo que não vemos um videocassete. E se virmos um, talvez não lembremos como se faz. Feliz é a nova geração, que não mais precisa aprender a programar essa máquina e não sabe o quanto é irritante ver aquele relógio digital piscando sem parar. Pensando melhor: feliz seria essa nova geração se a mesma evolução (ou revolução?) que vimos nos equipamentos eletrônicos e nas telecomunicações tivesse impactado nossas crianças, jovens e adultos, com a mesma força, a maneira como ensinamos e como aprendemos!
Não é necessário ser um pesquisador da educação para perceber que buscamos replicar para as novas gerações a fórmula de como nos ensinaram. Há algum tempo, havia um paradigma bem claro: tínhamos a hora de “brincar” e a hora de “ir para a escola”. Nela, na escola, as matérias eram divididas em blocos e privilegiavam um aprendizado vertical, profundo, teórico. Não era Í toa que o momento mais esperado era o do recreio – nunca longo o suficiente! Se você passou por isso, deve lembrar também que a grande maioria dos alunos ficava ansiosa pelo fim daquela tortura. Anos depois, chegávamos ao ambiente de trabalho e não havia ninguém que pudesse nos dizer se o problema do cliente deveria ser resolvido por uma teoria de física, de biologia ou de matemática, uma vez que o mundo não é dividido em matérias ou disciplinas. Na dúvida, apelávamos para a “educação física” e, com muito suor e esforço, aprendíamos as coisas “na prática”. Isso mudou? Muito pouco. As disciplinas ainda imperam nas escolas. Se tanto, introduzimos algumas tecnologias, como notebooks e a internet, mas o aprendizado ainda é fragmentado e distante da realidade. A colaboração e o compartilhamento de conhecimentos são desestimulados e vistos como “cola” ou incapacidade de resolver os problemas sozinhos. Isso para uma geração que compartilha, sem pudor, sua vida no Facebook, Twitter, Instagram e redes semelhantes.
Antes de prosseguir, gostaríamos de observar que o leitor poderá, ao final do texto, sentir uma certa sensação de déjÍ vu. Escrevemos este artigo pensando na integração e na “arrumação” do conhecimento já possuído. Assim, a novidade está em termos uma visão sistêmica do aprendizado, bem como na operacionalização daquilo que já sabemos. A par do já escrevemos, nossa participação na última conferência internacional da ASTD também deixou claro que o casamento entre aprendizado e tecnologia veio para ficar.
E a educação corporativa?
Fazendo um paralelo com as empresas, também incentivamos uma educação fragmentada no ambiente corporativo. Em seu popular Framework para compartilhamento de conhecimento, a British Petroleum apresentou os três grandes momentos para essas atividades: antes, durante e depois. Simples e genial, não é? Certamente, nenhum momento fica fora dessas três categorias. E por que motivo o aprendizado deveria ficar desalinhado? Aprender antes de pôr em prática algum conhecimento, aprender durante a realização de uma tarefa e aprender depois com os erros e acertos ou como forma de perenizar as competências desenvolvidas são alguns exemplos que podemos citar. Todo momento passa a figurar como uma oportunidade de aprendizado, principalmente em uma sociedade transmídia, multiconectada, multitarefa e multicanal como a nossa. Só que, apesar disso, em uma grande parcela dos casos, o aprendizado corporativo ainda é estimulado fora do contexto do trabalho e primordialmente cai na categoria do “antes” – cursos antes da implantação de um novo processo ou tecnologia, ações preparatórias para o lançamento de algum novo produto ou promoção, entre outros exemplos. Nenhum problema, se a nossa taxa de retenção de aprendizado não ficasse, dependendo do autor e da pesquisa, em uma faixa entre 3% e 7% do que foi lecionado em iniciativas com essas características. Aprender antes é bom e importante, mas não pode ser uma ação isolada.
O lado interessante é que, apesar disso tudo, cresce o número de empresas que investem em soluções de suporte ao desempenho, on-the-job learning e workflow learning. Em tradução livre, aprendizado no trabalho e aprendizado durante o fluxo de trabalho. Seja para atendimento ao cliente, operação de máquinas e equipamentos ou utilização de sistemas de software, essas soluções têm mostrado uma alta efetividade – e grande retorno do investimento, que passa também a ser um requisito cada vez mais exigido para aprovação de qualquer tipo de programa na área. Ao mesmo tempo que cresce o clamor por profissionais mais capacitados, líderes empresariais encurtam na mesma proporção o tempo disponível para ações presenciais, que “tiram” os profissionais do ambiente de trabalho. Aos profissionais de gestão de pessoas, responsáveis pelos processos de educação, treinamento e desenvolvimento, cabem os desafios de transmitir conhecimentos e desenvolver competências de forma cada vez mais ágil e efetiva, comprovando, de forma clara, o retorno que cada ação traz para a corporação. Como garantir, então, que o aprendizado aconteça em todos os momentos em que é necessário: antes, durante e depois? Parece difícil, não? Mas não impossível – afinal, sem desenvolvimento e capacitação nenhuma empresa consegue manter seus diferenciais e vantagens competitivas por muito tempo.
#Q#
A seguir, são apresentadas algumas dicas e inovações que estão sendo exploradas por organizações de diferentes setores e portes para alcançar seus objetivos dentro dessa nova realidade que carrega, em si, uma oportunidade: como o tempo disponibilizado presencialmente está cada vez mais curto, caem, gradativamente, as resistências para que outras tecnologias e metodologias passem a compor o programa de treinamento e desenvolvimento e abrem-se espaços para novos paradigmas e metodologias de aprendizado.
1 – Entenda aonde quer chegar
A primeira dica parece batida, mas é surpreendente o número de empresas e profissionais que não conseguem responder a um conjunto de perguntas simples: Qual o seu objetivo com treinamento? Será que esse objetivo pode ser conseguido via treinamento? Que objetivos de negócio o treinamento ajudará a alcançar? Que conhecimentos, habilidades e atitudes precisam ser desenvolvidas?
Sem saber aonde se quer chegar, todos os processos relacionados ao treinamento tornam-se frágeis. Da “venda” interna do projeto Í medição de resultados, passando pela contratação de parceiros e elaboração e execução das ações. Todo treinamento deve ter um objetivo claro, apoiando objetivos de negócio pertinentes e explicitando que competências devem ser desenvolvidas.
2- Saiba defender o retorno do investimento esperado
Primeiro, tente mostrar indicadores que serão melhorados com a ação de desenvolvimento, buscando descrever os retornos financeiros que serão alcançados com sua aplicação. Porém, mesmo que não consiga provar quantitativamente o retorno que determinado treinamento trará para sua companhia, liste argumentos qualitativos e benefícios que são esperados. Quanto mais você souber que objetivos de negócio a iniciativa ajudará a alcançar, melhor será seu desempenho nessa defesa.
3- Conheça seu público-alvo, seu perfil e sua diversidade
Já vimos treinamentos fantasticamente desenvolvidos e estruturados funcionarem muito bem para um público, mas fracassarem para outros. A linguagem, a metodologia, a forma de interação do facilitador com os participantes, os casos e exemplos citados e até o ambiente no qual o treinamento será conduzido são fatores – entre diversos outros – que devem ser avaliados Í luz do perfil do público-alvo, que pode ser homogêneo ou heterogêneo quanto Í origem, fatores socioculturais e
conhecimento do tema.
4- Trabalhe o pré-treinamento
Invista em atividades pré-treinamento, envolvendo a área cliente, os participantes e seus gestores. Estimule as lideranças a tornarem claras suas expectativas em relação aos objetivos de negócio e educacionais das ações, a convocarem os participantes e até a participarem da abertura das ações, dando a visão corporativa da importância daquele evento. O investimento é baixo, mas o retorno comprovadamente alto. Nada como ver o líder presente para reforçar a importância da ação aos colaboradores.
5- Escolha a metodologia de olho nas variáveis trabalhadas: objetivos a serem alcançados e perfil do público são fatores cruciais nesse processo
Uma dimensão bastante esquecida antes da realização dos programas é a escolha da metodologia a ser adotada. Pautada por variáveis como perfil dos participantes, trabalho que exercem e competências a serem desenvolvidas, as metodologias podem ter manifestações variadas, como construtivista, behaviorista, cognitiva, entre outras. Procure conhecer as aplicabilidades, forças e fraquezas de cada uma e faça sua escolha de acordo com os objetivos a serem alcançados.
6- Desenvolva uma experiência de aprendizado que engaje
e que perdure: antes, durante e depois
O potencial de inovação que temos hoje chegou a um patamar nunca antes experimentado na história corporativa. A combinação de abordagens e tecnologias disponíveis permite o desenvolvimento de experiências de aprendizado completas que ultrapassam os limites das salas de aula e passam a fazer parte do dia a dia do profissional de forma transparente e integrada. Algumas tendências observadas – algumas novas, outras com fórmulas consagradas, mas remodeladas frente Í s possibilidades tecnológicas – merecem destaque:
> Educação transmídia
Diferentes pessoas possuem diferentes estilos de aprendizagem e sentem-se mais confortáveis com diferentes tipos de mídias, momentos de interação e dispositivos. É o tripé que chamamos de facilidade, conveniência e preferência. Cada participante tem a sua combinação que intensifica o aprendizado. Se antes as ações conduzidas pelas empresas privilegiavam um estilo de aprendizagem lógico-racional – e o meio de entrega era quase que uniforme, presencial -, os avanços em pesquisas de neuroaprendizado sustentam abordagens que estimulam diferentes estilos, aproveitando estímulos auditivos, visuais e sinestésicos para aumento da retenção de conhecimento e desenvolvimento de competências. Combinadas com as possibilidades permitidas pelas novas tecnologias e infraestrutura de comunicação, as abordagens transmídia – que combinam diferentes mídias e canais para atingir o público-alvo – chamaram a atenção das organizações e crescem a taxas aceleradas. Trilhas de aprendizado completas agora podem ser encontradas combinando ações presenciais e digitais com o uso intenso de vídeos, conteúdos em áudio, material textual, conteúdos interativos, comunidades de discussão e jogos, sem esgotar todas as manifestações que se mostram possíveis e permeando todos os momentos – antes, durante e depois das atividades que demandam as competências desenvolvidas.
> Aprendizado baseado em histórias (Storytelling)
O homem conta histórias desde o início da civilização. Jean-Paul Sartre disse, certa vez, que nós entendemos tudo na vida humana por meio das histórias. Histórias engajam e estimulam os dois lados do cérebro. Atingem todos os estilos de aprendizado. Podem ser personalizadas e originais. Dão credibilidade, envolvem, humanizam e conectam. Treinamentos baseados em histórias são uma forma efetiva de enraizar conceitos e valores nas pessoas. Porém, apesar de parecerem artesanais, esses treinamentos exigem estrutura e conhecimento de técnicas específicas, não necessariamente complexas.
#Q#
> Entertreinamento (Entertraining)
Aprender pode ser uma experiência divertida. Empresas de todos os setores investem em treinamentos lúdicos e inusitados para chamar a atenção dos participantes e fortalecer a retenção de conceitos. É a junção do treinamento com o entretenimento, permitindo a adoção de estratégias que encontram respaldo nos sistemas de prazer e recompensa do ser humano, e que geram experiências de ampla aceitação e resultados duradouros.
> Aprendizado gamificado (Gamification of learning)
A chegada avassaladora das gerações que cresceram jogando videogame ao ambiente de trabalho exige competências dos líderes em vários aspectos – e conquistar sua atenção aos treinamentos é um desses desafios. Acostumados a missões claras, feedback rápido e celebração de vitórias – três princípios-chave dos jogos favoritos dessa geração -, esses profissionais demandam características semelhantes no ambiente de trabalho e treinamentos. Ações que incorporam essas características costumam ter alta eficiência e eficácia educacional e podem ser encontradas em jogos de negócios, simuladores e serious games.
> Aprendizado experiencial
Ouvir, ver e viver lições, fatos, histórias e conceitos estimulam diferentes regiões do cérebro e geram resultados mais ou menos duradouros de acordo com o indivíduo. Mas, para determinados objetivos, o aprendizado experiencial tem um grande valor, pois leva o participante a viver uma experiência que tem como intuito desenvolver um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que não poderiam ser desenvolvidas com a mesma intensidade em contextos diferentes e tradicionais.
> Aprendizado no trabalho (On the job learning)
Uma das abordagens mais clássicas do “aprender durante” – ou simplesmente aprendizado no trabalho – evoluiu bastante ao longo dos últimos anos. Se anteriormente dependia bastante do talento do facilitador, que funcionava como um orientador dos participantes, agora pode ser encontrado com um grande conjunto de materiais de apoio, como planos, roteiros, tutoriais, listas de verificação, conteúdos audiovisuais portáteis e outras maneiras de garantir a uniformidade e o atendimento a requisitos mínimos almejados para a ação.
> Workflow learning e sistemas de suporte ao desempenho
O Workflow learning – que livremente traduziremos como “Aprendizado no fluxo de trabalho” – pode ser aplicado tanto antes quanto durante as atividades, pois está baseado na representação do fluxo de trabalho para desenvolver nos participantes as competências necessárias para um bom desempenho. Os sistemas de suporte ao desempenho permitem oferecer o suporte necessário a uma realização adequada do trabalho e são encontrados em situações que podem ser realizadas por meio da interação com máquinas, equipamentos e sistemas.
> Mobile learning
O Mobile learning é outra abordagem que cresce exponencialmente. No entanto, poucos parecem se preocupar com uma questão crucial: implantá-la não significa migrar conteúdos desenvolvidos para outras plataformas ou mídias para dispositivos móveis como celulares, smartphones ou tablets. Implantar Mobile learning é ir além, integrando as vantagens desses dispositivos na experiência de ensino e aprendizagem. Grandes vantagens desses dispositivos, por exemplo, são sua disponibilidade e sua conveniência, sendo muito úteis para a distribuição de conteúdos e informações que podem ser necessárias em trânsito ou em momentos críticos do dia a dia do profissional. A solução educacional, então, deve ser planejada considerando o uso que será dado a cada dispositivo, para seu perfil de uso e para as necessidades dos participantes – situação em que poderá ser aproveitada em sua plenitude – e não “adaptada” para uma tela menor, por exemplo.
> Aprendizado informal e colaborativo
Pesquisas mostram que 80% do que aprendemos é desenvolvido fora de iniciativas formais de treinamento. São interações com os colegas, líderes, clientes, parceiros e equipes. E, cada vez mais, essas interações ocorrem em espaços digitais e virtuais, como redes sociais e ambientes colaborativos. Empresas enxergaram esse potencial e desenvolvem ações utilizando esses ambientes para estimular a troca e o aprendizado entre as pessoas. As abordagens de aprendizado informal e colaborativo podem ser adotadas antes, durante e depois das atividades que demandam determinado conhecimento, reforçando-se em cada momento um objetivo educacional. Antes, podem servir para disponibilizar materiais que estimulem e introduzam os temas a serem tratados. Durante, podem servir como canal de apoio, complementar, ou mesmo para condução de atividades virtuais, como discussões síncronas e assíncronas e disseminação de conteúdo. Depois, podem fazer o papel de plataformas para gestão do conhecimento corporativo e tornar perenes lições aprendidas e melhores práticas desenvolvidas.
> E para onde vamos? Com quem podemos aprender?
A sensação – e a certeza – que temos é que não riscamos a superfície de possibilidades para o desenvolvimento das pessoas. Os avanços no entendimento de como o cérebro aprende e as evoluções metodológicas e tecnológicas – apesar de aceleradas e intensas – ainda estão em seu início. O papel do profissional de treinamento e desenvolvimento, no entanto, será, sem dúvida, cada vez mais voltado a entender os objetivos, comprovar ou estimar o retorno das ações e a promover experiências de aprendizado que se mostrem efetivas, eficientes e eficazes para seus públicos.
A lista de empresas que podem ser consideradas benchmarking nos tópicos tratados cresce a cada dia. Líderes nacionais em seus setores, companhias como Vivo, Vale e Petrobras adotam abordagens inovadoras para desenvolvimento de suas equipes. A Vivo, por exemplo, combina diferentes mídias e metodologias para formar o público de sua Escola de Negócios, que alcança dezenas de milhares de profissionais. Aliadas ao ensino presencial, metodologias como e-learning, videoaulas, games educacionais, mobile learning, comunidades de aprendizado e treinamento on-the-job são utilizadas de forma integrada e com bastante sucesso. A Vale, por sua vez, divulga com grande consistência seus investimentos em educação, desenvolvimento e fomento de profissionais, tendo metodologias inovadoras de treinamento como uma de suas estratégias mais consagradas.
A Petrobras coordena um dos programas de gestão e compartilhamento de conhecimento mais aclamados do mercado nacional, com estratégias de educação corporativa combinadas a ações de comunidades de práticas bastante sólidas, desenvolvidas ao longo dos últimos anos.
Esses são apenas alguns exemplos que devem ser estudados e utilizados como referência por organizações que enxergam na inovação a única saída para desenvolver profissionais e construir equipes preparadas e motivadas para os desafios atuais.
* Daniel Orlean é diretor da Affero e L. A. Costacurta Junqueira é CEO do MVC