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Ferreira, do Citibank: quase entrou em depressão por não conseguir um emprego (foto: Adriano Vizoni) |
Eduardo Ferreira tem 25 anos. Portador de deficiência intelectual, ele fez a educação fundamental e média em colégios públicos, mas sempre teve dificuldades de acompanhar as aulas e aprender. Até os 22 anos, nunca havia trabalhado e tinha problemas para ler. “Quase entrei em depressão por não conseguir emprego e ajudar a minha mãe. Eu queria ter responsabilidade”, lembra. Ao ser entrevistado para uma vaga no Citibank, viu a oportunidade que poderia mudar a sua vida.
Hoje, após três anos atuando como assistente de atendimento e com cursos de reforço educacional, ele não só consegue ler e escrever como também enfrenta sem dificuldades o atendimento ao cliente por telefone ou no caixa eletrônico – os seus maiores desafios no dia a dia no banco. Apesar dos evidentes benefícios tanto para o empregado quanto para a empresa, casos como o de Ferreira não são tão comuns como deveriam: dos cerca de 15 milhões de deficientes em idade de trabalho no Brasil, apenas 306 mil deles estão empregados formalmente de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego. E a tendência é de queda: em 2007, esse número era de 348 mil.
Parece que nem a Lei de Cotas, que estabelece 5% das vagas para profissionais com essas características, em companhias de mais de 1 mil empregados, tem ajudado esse número a crescer. Mas por que isso acontece? No geral, as empresas reclamam da dificuldade em encontrar candidatos e da fraca formação dos que se apresentam para entrevistas. Isso, de fato, é real, como explica o consultor do Instituto Paradigma, Danilo Namo. Segundo ele, as pessoas com deficiências têm mais dificuldades em completar seus estudos e de se qualificar profissionalmente por diversos motivos, como questões relacionadas à acessibilidade, formação dos professores e aspectos culturais. “Isso influencia muito na contratação, que depende da qualificação e da experiência profissional”, explica. Mas Namo ressalta que as companhias devem investir na inclusão desses profissionais – o que pode ser feito por meio de parcerias com ONGs ou instituições e por uma forte política de gestão de pessoas.
Exclusão histórica
O que costuma acontecer, de acordo com o diretor do Espaço Cidadania, José Aparício Clemente, é que as empresas acabam contratando profissionais com deficiências leves, já que assim não é preciso mudar nada na estrutura física. “Eles, em sua maioria, tiveram a educação normal até ficarem deficientes e isso facilita a integração. Mas, hoje, esses profissionais estão em falta”, ressalta. Diante disso, Clemente reforça a opinião de Namo de que as corporações precisam investir mais no desenvolvimento e integração de deficientes.
Por outro lado, o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Victor de La Paz Martinez afirma que a ausência de deficientes no mercado de trabalho é apenas parte de uma exclusão histórica no Brasil. “A contratação desses profissionais ainda tem um longo percurso a ser trilhado. A exclusão no trabalho é só um dos aspectos. Educação, transporte, saúde, lazer e outras áreas da vida não são, em sua maior parte, para pessoas com deficiência”, ressalta. Porém, apesar desses entraves, algumas companhias mostram que é possível atender à lei de cotas (ou chegar muito próximo disso).
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O primeiro passo está em criar projetos internos via área de gestão de pessoas e estabelecer parcerias com instituições e ONGs que trabalham com pessoas com deficiência. Além disso, é fundamental investir na formação dos profissionais contratados e reduzir as próprias exigências.
Exemplos concretos
O Citibank, empresa que abriu as portas para Eduardo Ferreira, atentou para todos esses pontos e, hoje, de seus seis mil colaboradores, 3% têm alguma deficiência, como explica a especialista em diversidade do banco Patrícia Fris. “Mais do que buscar um número, o intuito é criar novas oportunidades para portadores de necessidades especiais, que acabam excluídos do mercado de trabalho”, ressalta. Segundo ela, a inclusão acontece de três formas. Além do recrutamento de deficientes para as vagas em aberto (sem a necessidade de um programa específico), a empresa criou em 2007 o programa Somar, ação de inclusão profissional e de reforço à diversidade que busca contratar pessoas com deficiência intelectual. A organização participa, ainda, do Programa de Capacitação Profissional e Inclusão de Pessoas com Deficiência no setor bancário (PCDs), realizado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), voltado para profissionais com outras deficiências.
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Patrícia conta que, apenas no Somar, projeto do qual Eduardo Ferreira faz parte, já são 32 contratados. “É importante abrir esse caminho para os deficientes intelectuais, já que apenas 1% deles está empregado formalmente”, afirma a executiva, acrescentando que, devido a esse sucesso, a empresa levará o projeto para a companhia no Rio de Janeiro. Apostar na formação e na contratação fora do eixo Rio-São Paulo também pode ser útil. Em um projeto recente no Ceará, a fabricante texana de PCs Dell contratou 50 pessoas com deficiência para testar um software de educação a distância. “O objetivo é facilitar a entrada de deficientes no mercado de trabalho”, conta o gerente de aquisição de talentos da empresa, Alexandre Tran. A iniciativa é parte do programa True Ability, criado em 2008 no Brasil para cuidar da inclusão de deficientes e da diversidade, e exportado para outras subsidiárias da empresa no mundo.
Apesar de não dar números concretos, a empresa garante que está próxima de atingir a cota. “Completamos 80% da nossa cota de 5% e temos vários projetos para chegar ao número em curto prazo”, afirma. Mas não são apenas as grandes companhias que conseguiram bons resultados na lei de cotas. A TBA, um grupo de empresas de vários tamanhos e com quantidade diferente de funcionários contratados, resolveu mudar a sua atuação com os deficientes. “Há dois anos, não havia projeto para deficientes, apenas anunciávamos a vaga no site, o que não dava retorno”, lembra a diretora de RH do grupo, Mariana Boner. Assim, para evitar problemas com a lei de cotas e reforçar a integração, Mariana conta que a área de pessoas passou a atuar proativamente por meio da parceria com 10 instituições e ONGs especializadas em todos os tipos de deficiência.
“Hoje, temos uma meta mensal de entrevistas de deficientes para aumentar a inclusão ao máximo”, disse. A própria equipe de RH da TBA é um exemplo: há um deficiente auditivo que trabalha com webdesigner do setor. Esses casos parecem apontar para um cenário de gradual inclusão. O que não pode acontecer, porém, é acomodação e espera das normas ou multas governamentais para fazer o que é correto. Se tiver condições e possibilidade de crescimento, o deficiente pode se tornar uma das bases de crescimento da empresa. E, dada a oportunidade, ele pode tentar voar ainda mais alto. Eduardo Ferreira, novamente, é um exemplo disso. “Estou me preparando para fazer faculdade de administração. Sei que não posso ficar parado”, disse.
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