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A saúde mental no ambiente de trabalho: desafios e oportunidades

Enfrentando os desafios de saúde mental no ambiente de trabalho: como a liderança e a cultura organizacional podem favorecer o bem-estar dos funcionários e impulsionar a produtividade sustentada

de Fabiano Rangel em 17 de maio de 2024
Crédito: Shutterstock

Na última coluna, falamos sobre o Abril Verde e a relevância da saúde e segurança ocupacional para as pessoas nas empresas, assim como o papel das lideranças e dos profissionais de Recursos Humanos à frente dessa agenda. Na ocasião, centralizamos a abordagem na saúde e segurança física, decorrente das atividades ocupacionais. Agora, dada a amplitude e relevância, vamos focalizar nossa abordagem na saúde mental, um dos pilares essenciais para assegurar o bem-estar social e emocional das pessoas nos ambientes de trabalho.

Podemos dizer que é quase um “consenso” muitos entenderem que é responsabilidade dos profissionais de Recursos Humanos cuidar das pessoas nas empresas, assegurando um ambiente de trabalho seguro e emocionalmente saudável. Claro que os Recursos Humanos têm um papel diferenciado, mas existem equívocos e limitações nessa leitura.

O cuidado com as pessoas é uma responsabilidade da organização, onde seus líderes em todos os níveis, começando pela alta liderança, são os principais indutores deste cuidado. Não são poucos os estudos que demonstram a importância de um ambiente de trabalho seguro e integralmente saudável, ainda mais no pós-pandemia, e mais, o quanto isso é favorável para os negócios. As pessoas, quando se sentem seguras, ficam mais confiantes para realizar suas atividades no melhor do seu potencial, performando bem e, por consequência, gerando melhores resultados para o negócio.

Logo, essa seria uma “equação” lógica e simples, que facilitaria a tomada de decisão e investimentos para assegurar esse cuidado com as pessoas. Contudo, quando nos aproximamos dos fatos, dados e até mesmo das evoluções regulatórias no Brasil, parece que estamos um pouco desalinhados, investindo mais nos efeitos do que nas causas e sendo pouco resolutivos.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que anualmente são perdidos aproximadamente 12 bilhões de dias de trabalho por transtornos associados à depressão e ansiedade com causas relacionadas às atividades laborais, resultando em uma perda média de U$1 trilhão. Além disso, a OIT apura que cerca de 52% dos acidentes com lesões laborais no mundo tiveram como possível causa prévia o estresse e a ansiedade.

A preocupação é global e não é por acaso que a OMS já declarou que a depressão pode ser considerada o “mal do século”. No Brasil, infelizmente, seguimos essa tendência ruim. Segundo o relatório “The Mental State”, publicado pela Neutrotech Sapien Labs em março deste ano, apresentamos hoje a 4ª pior taxa de saúde mental do planeta, comparação feita com um grupo de 71 países avaliados.

Corroborando com essa posição, em 2023, o INSS concedeu cerca de 290 mil benefícios por incapacidades atreladas a transtornos mentais e comportamentais, número que superou em 38% o volume dos mesmos benefícios concedidos em 2022. Além disso, a Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador (CISTT) apontou na reunião ordinária 342 do Conselho Nacional da Saúde (CNS) que, em 2023, os Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho (TMRT) consolidaram-se como a 3ª maior causa de afastamentos do trabalho, e ainda, fazendo uma ressalva que esse número deve ser maior, considerando que há muita subnotificação sobre estes desafios.

As causas para os transtornos que afetam a saúde mental são múltiplas, conexas ou isoladas, e passam por questões sociais, econômicas, relacionais e fisiológicas decorrentes das pressões diárias com multitarefas, informações em excesso, desafios financeiros, desigualdades sociais, preconceitos, assédios, excesso de telas, ausência de lazer, relações pessoais e profissionais conflituosas, ausência de atividade física, alimentação inadequada, privação de sono, pressões excessivas no trabalho, assédios, convivência contínua em ambiente de baixa confiança, entre tantas outras com potencial de “minar” a confiança e outros fatores de bem-estar das pessoas, podendo levá-las a problemas de saúde física e psicológica graves.

Adicionalmente, estamos cada vez mais vivenciando fatores climáticos extremos, com amplo potencial de gerar disrupções abruptas sobre a condição de vida e trabalho das pessoas, tanto para quem vive a crise “na pele”, como para quem tem lastros próximos, a exemplo da recente catástrofe climática do Rio Grande do Sul. Não por outra razão, um o relatório da Gartner HR Toolkit: 9 Future of Work Trends for 2024 já aponta sobre a nova demanda de benefícios com foco na resiliência climática, como acompanhamento psicológico especializado e direcionado, ajuda financeira e outros meios de adaptação.

Vivemos claramente uma piora na condição da saúde mental das pessoas nos últimos tempos, algo que já vinha se materializando antes da pandemia, porém de forma silenciosa e impactando severamente tanto a qualidade de vida, quanto a economia e produtividade nas empresas. Considerando que passamos cerca de 1/3 ou mais do nosso dia no trabalho, as organizações empresariais, têm um papel de alta relevância a ser exercido sobre a evolução do bem-estar das pessoas.

Sobre este aspecto, vale uma reflexão adicional. Agora, no pós-pandemia, estamos presenciando uma discussão crescente sobre os modelos de trabalho e como estes podem estar contribuindo para a perda de produtividade, desalinhamento cultural e menores níveis de engajamento, e os modelos de trabalho não presenciais estão sendo colocados no “banco dos suspeitos” para esse cenário ruim.

Imagem de reunião virtual – Crédito: Master1305/ Freepik
Master1305/Freepik

Sem dúvidas, essa é uma discussão ampla e complexa, mas pelo que estamos aprendendo, a perda de produtividade e desconexão com o negócio podem estar mais associadas à deterioração das condições de bem-estar e saúde mental. E os modelos de trabalho, somados às culturas organizacionais e estilos de liderança, têm contribuições significativas sobre isso.

Portanto, se o foco está em melhorar a produtividade, o alinhamento à cultura e o engajamento com os desafios do negócio, acredito que precisamos de uma análise mais profunda e sistêmica sobre, onde os modelos de trabalho são apenas uma parte, mas que podem favorecer ou deteriorar as condições sobre a saúde mental das pessoas.

No Brasil, estamos presenciando uma evolução regulatória interessante, algumas com um viés “fiscalizatório” e outras motivacionais e vale ficar atento, porque possivelmente teremos mais novidades a frente. 

Começando pela Lei 14.457/2022, que revisitou o papel e o nome da CIPA+A, incluindo um novo “A” de “Assédios” e delegou ao colegiado também o papel de orientar e acompanhar os esforços das empresas no combate de toda a forma de assédio, seja ele sexual ou moral, situações que afetam a saúde mental dos funcionários. Em 2023, tivemos a promulgação da Lei nº 14.556, oficializando o Janeiro Branco como o mês de conscientização sobre a importância da saúde mental, e agora, em 2024, tivemos a promulgação da Lei 14.831, que institui o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental.

A proposta do certificado parece interessante, mas ainda vai precisar de um pouco de tempo e amadurecimento. Em resumo, deve reconhecer as empresas que atenderem a um conjunto de critérios sob três dimensões: 1) Promoção da saúde mental; 2) Bem-estar dos trabalhadores; e 3) Transparência e prestação de contas. O prazo do reconhecimento é de dois anos, quando a empresa deverá se submeter a um novo certificado. Contudo, caso existam desvios comprovados antes disso, a empresa pode perder seu certificado.

Presenciamos também uma avalanche de HR Techs ofertando inúmeras soluções com foco na saúde mental. Na sua maioria, com propostas que visam tratar os efeitos do problema e não as causas, ou, quando tratam de forma preventiva, o foco está na ação e empenho dos funcionários e não no ambiente de trabalho de forma sistêmica.

Acredito que ninguém duvida que a prevenção sempre foi o melhor caminho, e neste caso, as evidências apontam que a causa raiz dos problemas evitáveis está no ambiente de trabalho. Hoje visualizamos muitas iniciativas louváveis, mas que não direcionam seus melhores esforços. O foco deveria estar em garantir uma cultura e um ambiente organizacional mais empáticos, seguros e saudáveis,  o que vai nos exigir um melhor entendimento e gerenciamento das pressões colocadas sobre as pessoas, uma atenção maior nas relações internas e nos conflitos, uma avaliação sobre aspectos remuneratórios, uma revisão sobre os processos de gestão e desenvolvimento, no estabelecimento de metas, na forma como as pessoas são avaliadas, reconhecidas, promovidas, desligadas e como os feedbacks são trabalhados, entre outras medidas.

Se estas frentes não forem trabalhadas com a devida profundidade e responsabilidade, receio que todos os demais investimentos tenderão a seguir “enxugando gelo”. Vale a reflexão e a avaliação.

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Fabiano Rangel

Profissional com larga experiência em consultoria e vida executiva contribuindo em organizações multinacionais e nacionais como: Fundação BankBoston; Banco ABN AMRO Real; CPFL Energia e Leão Alimentos e Bebidas (joint venture do Sistema Coca-Cola Brasil), em áreas de RH, D&I, ESG, Governança, Relações Institucionais e Governamentais, Ética & Compliance, Direitos Humanos, Gestão de mudanças e transformação organizacional; Jurídico; Ética & Compliance e Tecnologia e informação, incluindo os processos de transformação digital; Gestão de Riscos Corporativos, Q+EHS (Qualidade, Saúde e Segurança Ocupacional e Meio Ambiente). Formado em direito, pós-graduado em Meio Ambiente e Sociedade, Especialista em Gestão de Mudanças e Transformação Digital e com MBA em Marketing e Inovação.