O tema “R&S online” é a bola da vez. Pergunte aos gestores e nove de 10 responderão que utilizam ferramentas tecnológicas ou estão testando ou, no mínimo, buscam soluções. Nada mais esperado, já que a maioria das empresas precisou adotar o trabalho remoto como medida de sobrevivência — literalmente.
O que pensam os especialistas no assunto, ou seja, os profissionais das consultorias e empresas de recolocação profissional e carreiras? Como eles acham que o mercado vai se adaptar? Quais as principais dicas que podem dar para as empresas com perfil mais conservador, algumas que sequer não pensaram sobre a necessária transformação digital?
Para Lucas Papa, gerente sênior da Michael Page, o R&S remoto já havia ganhado força antes mesmo da pandemia com digitalização e desenvolvimento de novas tecnologias.
“Grande parte dos processos que lidero foi feito de maneira remota e, em alguns momentos, chegaram a representar 50% deles. Com certeza, o momento que vivemos enfatiza mais a necessidade e transformação para esse ‘novo’ modelo de recrutamento. Mas o fato é isso varia e vai continuar variando muito de empresa para empresa, dependendo da sua cultura e valores”.
No caso das empresas que já estavam contratando remotamente, mesmo antes da pandemia, algumas inovações tecnológicas ajudaram a migrar os processos seletivos de um mundo físico para algo mais digital. Leonardo Vicente, especialista em Marketing da VAGAS.com., explica:
“Uma das principais, e também mais recentes, foi o surgimento e a evolução das ferramentas de videoentrevista e entrevistas online. Elas não só permitiram que essas práticas pudessem ser transferidas para o contexto digital, mas também trouxeram recursos que as tornaram mais seguras e até mesmo mais eficazes”, destaca.
O que virá no pós-pandemia
Mônica Hauck, fundadora da Sólides , acredita que, com o fim da quarentena, as empresas terão aprendido que o processo digital aumenta a produtividade e otimiza os processos do RH. Mesmo as mais resistentes à ideia de não olhar presencialmente nos olhos do candidato.
“Muitas empresas vão fazer apenas dinâmicas e a entrevista final presencialmente. Triagem de currículos, testes e as primeiras etapas da entrevista devem continuar sendo feitos remotamente”.
Sim, a pandemia forçou boa parte das empresas a, pelo menos, testar práticas de Recrutamento e Seleção 100% digitais. Isso é muito bom. Durante algum tempo processos seletivos em que todas as etapas aconteçam totalmente online continuarão a ser via de regra para muita gente — não por agilidade e economia, mas principalmente por ser a mais segura para empresas e candidatos.
“No início do processo seletivo, que normalmente é o volume maior de candidatos entrevistados, a tendência é que o início do ‘funil’ de um processo seja feito todo remoto, prospecção até a primeira entrevista, e conforme vai afunilando e chegando mais perto de uma etapa final, a entrevista presencial ainda será acionada”, descreve Vicente, da VAGAS.com.
Conforme ele, empresas tradicionais estão aderindo ao R&S remoto, mas com a diferença que agora transferem esse olhar mais crítico e analítico muitas vezes para consultorias especializadas em recrutamento para ajudar nesse novo tipo de processo.
Mas a digitalização radical não será a única mudança daqui pra frente. O gerente da Michael Page percebe certa insegurança em torno das movimentações que envolvem o trabalho.
“O esforço necessário para ‘vender’ sua marca empregadora já não é o mesmo. As pessoas que estão empregadas estão muito mais cautelosas para trocar de cargo e aceitar uma nova oferta do que estavam antes da pandemia. E há um agravante: ficou mais difícil demonstrar sua cultura, por meio da experiência, ao longo de um processo seletivo. A visita e o papo no escritório, que em boa parte conseguiam transmitir valores importantes aos candidatos, hoje são inviáveis para boa parte das empresas”, explica.
Ferramentas de R&S online mais usadas
O cenário propicia um terreno fértil para mais surjam novas ferramentas de inteligência artificial para que os processos fiquem mais automatizados e ganhem eficiência. “Ferramentas que englobam aspectos de caraterísticas e personalidade dos candidatos, por exemplo, as que utilizam de conceitos de redes neurais”, destaca Papa, do Michael Page.
Ferramentas como as que os candidatos gravam vídeos, prossegue o especialista, conseguem avaliar algumas características e variáveis de reconhecimento e leitura facial. Também ganham espaço testes técnicos, avaliações psicológicas e testes culturais feitos e avaliados de forma 100% online.
As ferramentas de videoentrevista (gravadas) e entrevistas online sem dúvida foram as que realmente se tornaram mais comuns. Com os clientes da VAGAS, por exemplo, o novo cenário trouxe um aumento de mais de 800% no número de vagas que utilizam essas ferramentas como parte do processo seletivo.
Até aqui, não existia uma ferramenta que identificasse soft skills e hard skills no processo de seleção — e ainda com inteligência artificial para identificação do match do candidato com a vaga. Caso de plataformas de gestão de talentos, como a Sólides, que permitem ao RH recrutar, desenvolver e reter profissionais em apenas um lugar.
“Empresas de ATS tendem a ter um papel maior dentro do processo seletivo e as contratantes apostam cada vez mais nesse sistema que cada dia se revoluciona. Mas vale ressaltar que, apesar de toda essa tecnologia, sempre terá um ser humano avaliando o outro lado. Recrutamento e Seleção é e sempre vai ser, no final das contas, um negócio feito por pessoas”, analisa Papa, da Michael Page.
Desafios para as empresas conservadoras
Há um fato a ser levado em consideração: os candidatos também estão mudando a sua concepção sobre processo seletivo e entendendo que esse será o novo normal pelo menos no início de um processo.
Mas aderir a um processo parcial ou 100% remoto, conforme Papa, trás de vantagens incontestáveis. “Primeiro, o princípio que deveria ser obvio, que é o respeito e a valorização pela vida. Não tem sentido, nesse momento, colocar mais pessoas circulando na sua empresa, se você pode aderir às primeiras entrevistas online, mesmo que seja uma estratégia inicial”. Segundo, o R&S remoto é mais rápido, tem agendas mais flexíveis e capacidade de concluir a posição de maneira mais ágil.
Há um consenso de que essas mudanças vieram pra ficar e, mesmo em um mundo pós-pandemia, a tendência será encontrarmos processos seletivos e outras atividades de RH 100% digitais.
“As empresas que não migrarem hoje para o novo modelo podem estar apenas adiando uma decisão inevitável e, consequentemente, ficando atrasadas”, avalia Vicente, da VAGAS.com.
“Há essa ideia pré-concebida de que as mudanças tecnológicas nos levam a práticas desconhecidas, logo, mais arriscadas. Isso não é verdade. Em boa parte, as ferramentas novas necessárias para condução de atividades 100% digitais são semelhantes à todas aquelas que utilizamos em nosso dia a dia ao navegar em apps e sites. Até por isso, a adaptação de candidatos e empresas que aderiram aos novos modelos, tem sido rápida e tranquila na maioria das vezes”.
Mônica Hauck lembra que a habilidade técnica é importante, mas é apenas uma parte do processo.
“As empresas contratam pelo currículo e demitem pelo comportamento. Por isso, é preciso também avaliar questões comportamentais e o fit cultural. Há testes comportamentais que avaliam mais de 50 informações do colaborador em apenas 5 minutos, como o Profiler, da Sólides. Nenhum humano pode fazer isso com tanta agilidade e efetividade”, conclui Mônica Hauck.
Não está mais em discussão o quanto a tecnologia é um recurso extremamente importante para o profissional de RH, que agora precisa deixar os processos burocráticos de lado para começar a ser estratégico. E, inevitavelmente, caímos na necessidade de pensar na transformação digital da área. [Reportagem Inês Pereira]