Vignoli, do SPC Brasil: a empresa pode perder competitividade |
Há pouco mais de um ano, os débitos do cartão de crédito e o financiamento da casa própria tiravam o sono de Marques Pereira, de 49 anos. Embora não estivesse com as contas atrasadas, pagá-las estava ficando cada vez mais difícil e o salário não chegava até o final do mês. “Não conseguia guardar dinheiro e não tinha tempo para organizar as finanças”, conta. Pereira não é o único. Pesquisa do SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito), com 656 consumidores de todas as classes sociais, mostra que apenas 24% dos brasileiros se consideram organizados; 62% tentam se organizar, mas acabam perdendo os prazos; e 14% são desorganizados. Na parcela dos que tentam se organizar financeiramente, 55% não conseguem chegar ao fim do mês com as contas pagas.
A pesquisa mostrou que oito em cada dez entrevistados têm pouco ou nenhum conhecimento sobre como fazer o controle das despesas pessoais. Resultado: dívidas e muitas preocupações. “O brasileiro ainda controla mal as finanças. É preocupante e as consequências são negativas em todos os aspectos”, afirma Flávio Borges, gerente financeiro do SPC Brasil. “No trabalho, a pessoa vai estar menos concentrada. E o desempenho e a produtividade podem cair”, diz. Nesse cenário, até as empresas começaram a se preocupar com o tema. E em tempos de endividamento alto e corrida pelos melhores profissionais, elas investem em programas de educação financeira para os funcionários.
Longe das dívidas
Foi assim que Pereira voltou a dormir. Coordenador de produção na fábrica de Pedro Leopoldo da Holcim, em Minas Gerais, ele teve suporte da empresa para conseguir organizar melhor o orçamento. Desde 2012, a indústria de cimento oferece programa de educação financeira, baseado em palestras, cursos e consultoria presencial e on-line com educador. “Temos uma estratégia de responsabilidade ativa, de trabalhar saúde e benefícios, porque a base da empresa é formada pelos funcionários. E vimos que o desequilíbrio nas finanças pode levar à dispersão”, afirma Juliana Andriegueto, gerente de responsabilidade social corporativa e do Instituto Holcim para a América Latina.
Investindo na própria empresa |
Bom para o funcionário, melhor para a empresa
Com tudo organizado, Pereira consegue respirar e vê diferença no trabalho. “Dá para produzir mais e dá tranquilidade”, conta. Embora avalie que o aumento da produtividade é consequência do programa e não a motivação, Juliana diz que benefícios como esse ajudam a reter o quadro. “A empresa mostra que se preocupa com o funcionário em todas as dimensões”, diz. O fato de as empresas tomarem para si a responsabilidade pela educação financeira dos funcionários não é ação social, na avaliação de José Vignoli, educador financeiro do SPC Brasil. Um quadro de preocupação com as contas vencidas gera problemas que podem afetar negativamente o ambiente de trabalho. “Assuntos negativos irradiam entre os colegas e a empresa pode perder competitividade”, afirma. Uma situação listada pelo educador é o funcionário que começa a pegar empréstimos de colegas – se ele não paga, o clima fica tenso. Dessa forma, programas de educação financeira impactam não apenas a produtividade e foco de um funcionário, como o clima corporativo, que pode influenciar na competitividade das companhias.
A falta de gestão das contas pode fazer com que a empresa perca um talento por uma diferença mínima de salário – que, na visão do endividado, pode ajudar na hora de pagar as contas. “Esse profissional passa a leiloar o trabalho e ele vai sair se for para receber 100 reais a mais”, avalia o educador financeiro Reinaldo Domingos, autor do livro Terapia financeira (Editora Dsop). Ele explica que, em situações como essas, muitas empresas optam pelo aumento salarial, mas isso não resolve o problema, que é de base. Segundo Domingos, os benefícios de um programa oferecido pelas companhias vão além da produtividade. “É uma questão de saúde. Um trabalhador inadimplente, com nome negativado, fica acuado com baixa autoestima”, afirma. Nesse quadro, as consequências são desde a dificuldade na gestão da carreira, uma vez que o funcionário não terá recursos e nem ânimo para se atualizar, a pedidos de demissão para resgate do fundo de garantia.
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Questão de saúde
Descontrole: um problema de geração |
Na Samarco, da área de mineração, os problemas de orçamento dos funcionários são encarados como questões de saúde, afirma Crenilda de Souza Ferreira, assistente social da companhia. O programa de saúde financeira foi implantado há três anos pela gerência de saúde ocupacional da empresa. “Temos a obrigação de olhar para os diversos aspectos que envolvem a saúde dos funcionários e um deles é o financeiro. Um problema financeiro compromete o trabalho”, afirma a assistente. O programa da mineradora envolve palestras, semana de consultoria presencial com educador e assistência às dúvidas, feita pela equipe de assistência social, que foi treinada pela consultoria parceira. O foco, explica Crenilda, é a mudança de comportamento e a família também é envolvida no programa. E o tema, antes encarado com certa desconfiança pelos funcionários, agora é visto com naturalidade. “Já conseguimos perceber a maturidade do quadro com relação ao assunto”, diz. Dos mais de 3 mil funcionários da empresa, cerca de 30% aderiram no primeiro ano, número que saltou para cerca de 60% no ano seguinte.
Combater o endividamento
É em busca desses resultados que a Basf, da área química, implantará seu programa de educação financeira neste ano. As primeiras turmas serão abertas no primeiro semestre, afirma Juliana Justi, gerente de talentos para a América do Sul. Segundo ela, a expectativa é grande por parte dos funcionários. “Uma pessoa com um alto nível de endividamento e que paga todos os meses juros muito altos tem sua tranquilidade afetada, e por consequência, isso gera uma baixa na concentração e desempenho no trabalho”, afirma Juliana. Assim como em outras companhias consultadas, o programa é formado por palestra de sensibilização, seguida por workshop sobre como organizar as finanças e uma consultoria de avaliação da situação do funcionário. “Proporcionar recursos como esse é um diferencial e contribui para a motivação e engajamento”, afirma.
Como fazer
Crenilda da Samarco: encarar como questão de saúde |
Não é porque ter um programa de educação financeira é importante tanto para funcionários quanto paras as empresas que as companhias devem oferecer qualquer coisa. Cartilhas e palestras isoladas só geram custos e não trazem resultados efetivos, afirmam consultores. “Essas ferramentas podem dar um norte, mas sozinhas não resolvem, não têm força para mudar comportamentos e hábitos”, reforça Domingos. Para mudanças concretas, diz, é preciso realizar comunicação ampla e envolver todos os setores da companhia – dessa forma, o benefício desperta o interesse dos funcionários.
Partir de uma pesquisa para avaliar a situação financeira do quadro não é regra, mas pode ser um bom começo e dar bases dos temas que o programa focará. Essa foi a estratégia da Holcim e da Samarco. “Como queríamos algo que fosse contínuo, realizamos pesquisas internas para construir um programa totalmente customizado”, afirma Crenilda, da Samarco. Na Holcim, a criação do programa de educação financeira partiu do resultado de pesquisa interna feita pela área de responsabilidade social da companhia em 2011. Por meio dela, a companhia avaliou as situações de moradia, educação e financeira do quadro. Dos 1.700 funcionários, 65% responderam à pesquisa e constatou-se que 31% dos funcionários moravam de aluguel ou pagavam financiamento, 75% pagavam alguma dívida ou empréstimo e 34% não conseguiam poupar dinheiro. As seis unidades que hoje oferecem esse suporte foram escolhidas por serem aquelas cujo número de funcionários que relataram ter o orçamento desorganizado na pesquisa foi maior. Segundo Juliana Andriegueto, da Holcim, implantar um comitê formado pelo RH e pela área de responsabilidade social da empresa foi decisivo para gerar mobilização.
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Confiança no Programa
SCORES DO DESCONTROLE |
Para Vignoli, do SPC Brasil, o mais difícil é manter o programa. “O RH tem de estar preparado para o segundo passo, para estender o programa”, afirma. O acompanhamento da situação financeira dos funcionários que participam do programa é essencial – é dessa forma que a empresa mensura os resultados e consegue verificar pontos a serem mudados no meio do caminho. A confiança na relação entre empresa e funcionário é o que vai manter o benefício vivo e eficiente, acredita. “É difícil uma pessoa que está endividada falar sobre o problema. Ele só vai se expor se houver confiança”, afirma. Ao implantar um programa como esse, diz Vignoli, a empresa precisa adotar cuidados para que ele não seja invasivo aos olhos dos funcionários. “O limite da empresa é o de orientar. A empresa tem de abrir um caminho para o diálogo.”
Investindo na própria empresa
Enquanto parte da população ainda está na fase de aprender a fazer um planejamento financeiro, há aqueles que já estão na fase de investidores – e também com o incentivo da própria empresa. Desde a fundação, em 2001, a CAS Tecnologia implantou o Employee Ownership, que permite aos funcionários comprarem ações da empresa, ainda que ela seja de capital fechado – como permite a legislação das SA (Sociedade Anônima). Hoje, de cada dez funcionários, seis são acionistas da companhia. Quase 20% da empresa está nas mãos dos funcionários.
#L#Juliana Rios, gerente de qualidade na companhia é um deles. Na empresa desde a fundação, a executiva já investiu cerca de 22 mil reais em ações da CAS. “Essa opção é um dos pontos que me chamou a atenção quando comecei a trabalhar aqui. E acredito que funcione como uma medida de retenção”, avalia. A oportunidade de comprar ações da própria empresa, diz Juliana, é uma forma segura de investimento. “Você está lá dentro, acompanhando os resultados o tempo todo”, conta.
Balança, mas não cai |