Ashford: as características empreendedoras dos novos talentos não devem ser negligênciadas |
Um bom pacote de benefícios com um salário alinhado ao mercado era o que um profissional mais almejava até o início deste século. Nos dias atuais, a história é outra. Essas velhas ferramentas de atração e retenção já não são mais chamariz para os novos talentos. Eles estão em busca de algo mais tangível e realístico: significado no trabalho. Em entrevista exclusiva para MELHOR, Orlando Ashford, presidente de talentos da Mercer, fala sobre desafios e oportunidades de gestão de talentos nesse novo contexto.
Como estabelecer diretrizes efetivas de gestão de talentos nas empresas?
As organizações devem alinhar os talentos à cultura da empresa para que [as diretrizes] sejam efetivas nessa gestão. Elas podem e devem fazer isso mediante programas de mudança cultural específica, e não por meio de modelos genéricos, na qual a cultura “glocal” – considerando a interação entre os contextos global e local e o alinhamento dos programas de RH com as iniciativas de capital humana – deve ser desenvolvida. É ainda importante que se observe o atual cenário: há uma projeção de que 70% do crescimento global irá advir de mercados emergentes. A escassez de força de trabalho apropriada continuará; há 202 milhões de desempregados no mundo, ao mesmo tempo que há 35 milhões de vagas em aberto. Há uma dispersão em nível mundial da força de trabalho – novos níveis e definições de diversidade –, além da complexidade crescente em operações, tecnologia e no próprio escopo de gestão de negócios.
Que ações específicas podem ser adotadas visando melhorar a gestão de talentos?
O primeiro passo para melhorar a gestão de talentos é estabelecer um compromisso do empenho da alta gerência com as ações que serão definidas. Destacaria as seguintes: alocar tempo e atenção suficientes para dedicação aos temas de capital humano; estabelecer indicadores-chave para avaliar a saúde desse capital humano, se as práticas empregadas são saudáveis e como elas têm sido gerenciadas; educar gestores em capital humano; incluir esse tema como item das avaliações e dos instrumentos de desenvolvimento; preparar e mobilizar membros da alta gerência como mentores – quando possível, líderes com experiência em RH ou background operacional em negócios baseados em talentos – e correlacionar os temas de capital humano com a agenda estratégica.
Que prática em gestão de talentos tem apresentado melhor resultado: a contratação ou o desenvolvimento de talentos?
Há uma pesquisa que aplicamos, a Mercer’s talent barometer survey, que aponta que 80% das empresas participantes conduzem avaliações sobre seus talentos, ou seja, verificam seu manancial de competências. Mas essa mesma pesquisa aponta que 66% dessas empresas preenchem as posições mais críticas indo ao mercado, realizando contratação externa. Isso é um dado interessante porque ao se analisar essa decisão buy or build, trazer alguém de fora versus desenvolver um profissional, observa-se que os que optaram pela segunda alternativa (build: desenvolver) apresentaram melhor resultado. É o planejamento da força de trabalho atendendo às necessidades de talento.
Os maiores talentos são os empreendedores? Até que ponto o talento e o empreendedorismo andam juntos?
É muito comum a presença de características empreendedoras nos profissionais apontados como mais talentosos. Isso não pode ser negligenciado, mas também não pode ser uma barreira na gestão desses talentos. O que deve haver é um equilíbrio entre suas atribuições, de maneira que encontrem o espaço para também “exercer” essa característica dentro da empresa. Esse balanço entre a capacidade de empreender e o que a organização oferece faz com que esse talento se sinta à vontade ali dentro, com espaço para se realizar. A diversidade cria um ambiente de experiências culturais, individuais e coletivas. A abertura para grandes ideias mantém o espírito empreendedor, o pensamento inovador. Quando uma empresa se redefine, por exemplo, há processos em andamento em que se promove a inovação. Isso é exemplo de um espaço criado que pode ser aproveitado por ambos os lados, profissional e organização.
Qual tem sido o motivo mais frequente para a saída de talentos?
A forma de conduzir os trabalhos do gestor direto representa ainda o maior motivo de saída. Ainda vale o ditado: people join company and leave boss (na tradução para o português, “pessoas são atraídas pela organização, mas saem devido aos chefes”). Muitas vezes, o que gera esse descontentamento é a distância do discurso para a prática, a falta de congruência entre o que se diz e o que se faz.
Qual é, hoje, o fator mais efetivo na atração de talentos? E na retenção?
A atração ocorre pelo que se configura como desafio imediato. A imagem da organização também tem seu peso na hora da escolha. Como fatores de retenção cito o desenvolvimento e as oportunidades futuras, a percepção de sua contribuição e uma remuneração competitiva.
#L# Como o capital humano deve ser percebido?
Capital humano provê a maior fonte de agilidade estratégica e inovação para a maioria esmagadora de empresas. Crescentemente, essas devem ser diligentes no monitoramento e na efetividade de sua estratégia de capital humano. A gestão de pessoas requer comprometimento da alta gerência por meio de investimentos, atenção na execução e contribuições para seu desenvolvimento.
Quais são os riscos envolvendo o capital humano no atual cenário?
O exemplo básico de risco de capital humano é sua própria perda: a saída do talento-chave. Há também outros decorrentes, dos quais destaco: falta, ou insuficiência de engajamento, que leva ao fraco resultado financeiro, ao turnover e à baixa produtividade, que acaba atingindo a reputação da marca; o processo de contratação e alocação (práticas inadequadas de recrutamento, avaliação e o não reconhecimento das competências internas); o envelhecimento da força de trabalho (realidade demográfica da aposentadoria e como planejar a renovação da força de trabalho); e os processos sucessórios. Pessoas qualificadas continuarão a representar um recurso estratégico. Uma pesquisa recente da Mercer mostra que, embora os investimentos em gestão de talentos tenham aumentado, 24% das organizações globais não possuem um planejamento para o futuro da sua força de trabalho. Há muita pressão. Mesmo assim há de se manter o foco em desenvolver habilidades de gestão, com o devido sistema de mensuração e conseguir, mesmo em meio à crise, engajar para reter talentos.
Que atitude caberia à área de RH frente ao cenário apresentado?
Há um chamado para a construção de um novo mindset no qual as organizações não somente reconhecem a importância singular de capital humano para a performance dos negócios, como também maciçamente incorporam os riscos do capital humano como parte da gestão de riscos do próprio negócio. Isto é, correlacionam desempenho da força de trabalho com resultado financeiro, por meio de dados analíticos e métricas, tal como estatísticas do mercado de trabalho e painéis de monitoramento. Para o RH, o desafio é estabelecer essas correlações entre desempenho de capital humano e o impacto no negócio por meio de educação, efetividade e evidência. É vital para a área de RH levar a mensagem de que, em uma economia do conhecimento global, o risco do capital humano emerge como uma ameaça potencial ao valor da empresa. Assim como a guerra por talentos caracterizou a ação de RH nas décadas anteriores, a capacidade crítica e a criação de valor presente estão na gestão de riscos de talentos globais.