Telmo Schoeler é fundador e presidente da Strategos – Consultoria Empresarial e da Orchestra – Soluções Empresariais |
É comum considerar a sucessão em empresas familiares como um processo genérico, e não algo composto por duas dimensões distintas: a de capital e a de gestão. Ambas são inexoráveis, pois os detentores do capital majoritário nessas corporações são sempre pessoas físicas que em algum momento deixarão de estar atuantes e presentes. Portanto, é certo que o capital mudará de mãos e que a gestão passará a ser exercida por novos personagens.
O problema é que, na maioria dos casos, os patriarcas imaginam que a sucessão do capital será tranquila e harmônica, já que a lei regulará herdeiros – normalmente irmãos na segunda geração e, na terceira, primos. Daí o pressuposto de que, pelos laços familiares, esses herdeiros serão amigos, afinados e harmônicos. Essa relação não é necessariamente verdadeira, como já demonstraram, entre tantos, Caim e Abel. Outra suposição é a de que a gestão seguirá para quem o “grande líder”, do alto do seu trono, imagina ser mais conveniente ou automático, por gênero ou primogenitura.
Ledos enganos. Ambos os processos de sucessão requerem um tratamento altamente técnico e qualificado. Isso porque o de capital envolve considerações de ordem legal, patrimonial e tributária, além de questões como a vontade do sucedido, regime de casamento e eventual testamento. Já o de gestão envolve aspectos de vontade e qualificação dos sucessores, montagem e funcionamento de estruturas de governança e de convivência familiar, entre outros.
A perenidade das empresas familiares passa pelo equacionamento desses processos, o que implica na profissionalização das três dimensões de poder dessas organizações: a família, a propriedade (sociedade) e a empresa (gestão). A profissionalização da empresa passa pela ocupação dos cargos executivos e gerenciais estritamente em função de critérios técnicos, de capacitação, qualificação e perfil, independentemente da condição societária ou familiar. A da sociedade envolve a implantação de todos os princípios e critérios de governança corporativa, com estabelecimento de objetivos e valores societários, planejamento, metas, registros e cobrança, praticados com transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa, dentro de padrões de ética e compliance.
Por outro lado, a profissionalização da família passa pela conscientização de seus membros de que será inócua uma sucessão sem sucesso do negócio. Isso depende dos corretos procedimentos societários e de gestão, nos quais cada membro é apenas uma parte menor de um todo – ninguém mais é “dono”, e sim “sócio”. Cada membro herdeiro deve ser preparado para os direitos, obrigações e responsabilidades da condição que um dia assumirá. As relações devem ser formalizadas através dos fóruns específicos – o Conselho de Família, o Conselho de Sócios e o Conselho de Administração.
Em síntese, o processo de sucessão e profissionalização requer um conjunto afinado de avaliações, providências, orientações, regulagens e ações conduzidas por experientes e qualificados profissionais de direito, administração, governança, planejamento e gestão de pessoas. Só assim as relações de afeto e poder presentes na família serão harmonizadas com as exigências de legalidade da propriedade e sociedade e com as imposições de racionalidade e viabilidade da empresa e sua gestão. Infelizmente, esse não é o procedimento normalmente seguido nas empresas familiares em todo o mundo. Isso explica por que 70% delas morrem na segunda geração, outros 15% desaparecem na terceira e apenas 4% ultrapassam a quarta. Cada um acha que, na própria família, “será diferente”. Não será.
Telmo Schoeler é fundador e presidente da Strategos – Consultoria Empresarial e da Orchestra – Soluções Empresariais. Possui 50 anos de prática profissional, metade em funções executivas de diretoria e presidência de empresas nacionais e estrangeiras.