Lidar com a insatisfação e a falta de motivação dos colaboradores tem se tornado um desafio cada vez maior na área de Recursos Humanos. Muitas vezes, os profissionais optam por não expressar diretamente seus sentimentos e descontentamentos, resultando no fenômeno conhecido como “quiet quitting“ — uma espécie de desistência silenciosa que pode ter um impacto negativo na produtividade e no engajamento de toda a equipe.
Apesar disso, ainda é pouco difundido pelas próprias empresas a compreensão da importância de manter um ambiente de trabalho saudável e motivador. Muitas organizações não reconhecem completamente os efeitos negativos da desistência e não entendem a necessidade de investir em medidas preventivas.
No 3º Fórum Melhor RH e Felicidade Corporativa, promovido pelo Cecom – Centro de Estudos da Comunicação e Plataformas de Melhor RH e Negócios de Comunicação, foram discutidos os impactos da desistência nas empresas e como tornar o ambiente agradável e seguro para os colaboradores.
Durante o painel “O que fazer diante da renúncia”, Dani Plesnik, diretora de Talentos e Cultura da Deloitte, Fernando Viriato de Medeiros, SVP de Talentos e Cultura – Américas da Accor, e Sérgio Amad, CEO da Fiter, debateram os desafios enfrentados diante da apatia, falta de entusiasmo e baixo desempenho dentro das equipes, além de compartilharem os segredos para um feedback construtivo eficaz.
Quiet quitting: um novo termo para um antigo problema
Quiet quitting é um fenômeno cada vez mais presente na vida das pessoas, especialmente no âmbito profissional. O termo se refere ao ato de abandonar discretamente uma atividade, emprego ou relacionamento, sem causar alarde ou confrontação direta. É uma forma de desistência silenciosa, na qual as pessoas renunciam a algo sem expressar seus verdadeiros sentimentos ou insatisfações.
O fenômeno não tem uma data ou origem específica bem definidas. No entanto, acredita-se que tenha se tornando mais comum nas últimas décadas, especialmente com as mudanças no mundo do trabalho e nas relações interpessoais. À medida que a sociedade avança e o cenário de trabalho se transforma, muitas pessoas se deparam com desafios e insatisfações no ambiente profissional. Pressão por resultados, falta de reconhecimento, estresse excessivo e a busca incessante por estabilidade financeira são alguns dos fatores que podem levar indivíduos a optarem pelo chamado “quiet quitting”.
Essa constatação é resultado do estudo State of The Global Workplace 2023, conduzido pela renomada consultoria Gallup. Com a participação de mais de 122.000 pessoas de mais de 160 países, a pesquisa revelou que 59% dos entrevistados se enquadram nessa categoria. Ao serem questionados sobre como tornar a empresa um ótimo local de trabalho, impressionantes 85% responderam enfatizando a importância do engajamento/cultura, remuneração e bem-estar.
Outra informação relevante trazida pelo estudo é que os níveis de estresse no ambiente de trabalho têm atingido patamares recordes desde 2021, sendo que 44% dos entrevistados afirmaram que o próprio ambiente de trabalho pode ser uma fonte significativa de estresse. É importante ressaltar que o estresse pode ter várias origens, como pressão por prazos, demandas excessivas e até mesmo a falta de suporte e recursos adequados. Essa situação acaba afetando diretamente o bem-estar e a produtividade dos colaboradores, gerando um ciclo negativo que precisa ser enfrentado pelas empresas.
Após a pandemia, esse fenômeno se tornou ainda mais evidente nas empresas, conforme observado por Fernando Viriato, um dos entrevistados no estudo. Ele ressalta que a crise sanitária e as mudanças drásticas no ambiente de trabalho intensificaram os níveis de estresse e insatisfação entre os colaboradores. Questões como o trabalho remoto, a insegurança econômica e a falta de interação social afetaram profundamente o engajamento e a motivação das equipes.
Surgiram novos desafios, como conciliar vida pessoal e profissional no mesmo espaço físico, lidar com a falta de limites entre trabalho e descanso, e enfrentar a desconexão com a cultura e os valores da empresa. “O fenômeno da pandemia deixou as pessoas exercerem seu livre-arbítrio; as pessoas ficaram mais dispostas a empreender, e agora, na retomada, todos querem mais controle de sua jornada”, pontua Fernando.
Dani Plesnik ressalta a importância de uma cultura organizacional alinhada com os valores e expectativas dos colaboradores, especialmente entre os membros da geração Z, que valorizam o propósito e a conexão emocional com o local de trabalho.
Hoje em dia, a satisfação no trabalho abrange uma gama de aspectos, como flexibilidade, desenvolvimento profissional, equilíbrio entre vida pessoal e profissional, além da remuneração. Os profissionais estão em busca de um ambiente corporativo que os inspire, os desafie e que esteja alinhado com seus próprios valores e propósito de vida. “O que ficou mais complexo é entender o que se espera de um ambiente corporativo. Antigamente, entregava-se a força de trabalho, hoje tornou-se mais complexo”, acredita.
As organizações que desejam atrair e reter talentos devem entender essa nova perspectiva e investir em políticas e práticas que promovam uma cultura inclusiva, colaborativa e orientada para o bem-estar dos funcionários. Isso inclui oferecer oportunidades de crescimento profissional, promover a diversidade e a igualdade, garantir uma comunicação transparente e aberta, e valorizar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. “Com a pandemia, vemos na geração Z que o trabalho precisa de conexão, os valores precisam estar alinhados com os da empresa. O que se espera de um ambiente corporativo é muito mais complexo e vai além do bom salário”, ressalta Dani.
Sérgio aponta que o Brasil é o segundo país mais estressante para se trabalhar e as jornadas muitas vezes não são tão boas, com longas horas de trabalho e pouca flexibilidade. Além disso, o ambiente corporativo muitas vezes é altamente competitivo e exigente, gerando uma pressão constante sobre os profissionais. Segundo Sérgio, essa situação contribui para altos níveis de estresse e impactos negativos na saúde física e mental dos colaboradores. Por isso, é necessário encontrar maneiras de promover um ambiente de trabalho saudável e equilibrado.
“A jornada para chegar na empresa pode ser longa e vai depender de uma série de fatores e os trabalhadores no Brasil têm uma tendência de ficar pouco tempo nas empresas além de cargos engessados”, lembra Amad.
Práticas para serem compartilhadas
A criação de espaços seguros e inclusivos, nos quais os funcionários se sintam confortáveis para expressar suas opiniões e serem autênticos é essencial para criar ambientes de trabalhos de bem-estar. Isso pode ser alcançado por meio de programas de diversidade e inclusão, treinamentos de sensibilização e conscientização, e políticas claras contra discriminação e assédio. Os especialistas acreditam que é importante investir no desenvolvimento profissional dos colaboradores, oferecendo programas de capacitação, mentorias, coaching e oportunidades de crescimento dentro da própria empresa.
Fernando opina que o acolhimento é importante, pois permite que os colaboradores se sintam valorizados e motivados a darem o seu melhor. Além disso, ela ressalta que um bom ambiente de trabalho, que promova a colaboração e a troca de ideias, também é essencial para o desenvolvimento profissional dos colaboradores. Assim, eles podem se sentir à vontade para expor suas opiniões e aprender com os demais colegas de trabalho, e “permitir que as pessoas possam ser elas mesmas, para que adquiram uma identidade entre o que fazem e o trabalho”. Fernando continua: “Criamos quatro falas como: ser elas mesmas; trabalhar com propósito; o ambiente precisa alegre; e precisa ter desafios tendo vontades”, enumera Fernando. Para ele, investir no desenvolvimento profissional dos colaboradores é uma estratégia inteligente, pois além de beneficiar individualmente cada membro da equipe, também contribui para o crescimento e sucesso da empresa como um todo.
Para Dani Plesnik o ambiente de trabalho precisa ser de escuta ativa e empatia, onde os colaboradores se sintam confortáveis para expressar suas opiniões e serem ouvidos. Segundo Dani, promover a participação ativa dos colaboradores nas decisões e projetos da empresa é uma forma eficaz de desenvolvimento profissional, pois estimula o senso de responsabilidade e o engajamento de cada indivíduo. “As vozes precisam ser escutadas e representadas. Antes falávamos que o cliente está no centro, hoje ressignificamos e o colaborador é o mais importante”.
Além disso, Dani enfatiza a importância de oferecer oportunidades reais de crescimento dentro da empresa. Isso pode ser feito por meio de programas de mentorias e coaching, onde os colaboradores podem contar com o apoio de profissionais experientes para orientá-los em sua trajetória profissional. Também é relevante oferecer cursos e treinamentos que estejam alinhados com as necessidades e demandas do mercado, possibilitando que os colaboradores adquiram novas habilidades e conhecimentos que serão valiosos em sua carreira.
Para ela, o desenvolvimento profissional não se resume apenas ao crescimento vertical na hierarquia da empresa, mas também engloba oportunidades de aprendizado horizontal, ou seja, a possibilidade de vivenciar diferentes áreas e funções dentro da organização. Isso proporciona uma visão mais ampla do negócio e possibilita o desenvolvimento de habilidades transferíveis, que podem ser utilizadas em diferentes contextos.
Tanto para Fernando, quanto para Sergio e Dani, o investimento no desenvolvimento profissional dos colaboradores é fundamental para o sucesso e crescimento da empresa. Através de programas de capacitação, acolhimento, mentorias e oportunidades de crescimento, é possível criar um ambiente de trabalho mais produtivo, motivador e que capitaliza o potencial de cada indivíduo. Dessa forma, a empresa estará preparada para enfrentar os desafios do mercado e se destacar em seu setor de atuação.
Conflitos geracionais?
No painel “Felicidade não tem idade – Como promover o bem-estar corporativo atendendo às demandas geracionais”, o debate envolveu principalmente as novas gerações, contudo, pelos pontos positivos, para além do termômetro do engajamento limitado. Nas falas de Rodrigo Dib, Superintendente Institucional do Centro de Integração Empresa-Escola – CIEE, Sergio Amad, CEO da Fiter, e Ana Paula Franzoti, Diretora de Cultura e Equidade, Diversidade e Inclusão da Unilever Brasil, ficou claro que diversidade de perfis etários no ambiente corporativo traz uma série de vantagens valiosas para as empresas. Cada geração traz suas próprias perspectivas, experiências e habilidades para o local de trabalho, e a combinação desses diferentes perfis pode ser benéfica de várias maneiras.
Amad faz um recorte neurocientífico sobre o tema: “Quando você se sente bem, quando seu olho brilha, quando você sente muita energia, existe uma explicação técnica. Em tempo real, a cada segundo a gente produz hormônio, tais como cortisol, dopamina, serotonina, oxitocina. Esse equilíbrio hormonal vai criar sensações de bem-estar, que por sua vez criam predições de alta performance”, comenta o executivo.
Os participantes engatam em um bate-papo sobre conceito de felicidade no trabalho e entram na questão da diversidade geracional vivida hoje no ambiente corporativo.
O Superintendente Institucional do Centro de Integração Empresa-Escola – CIEE, Rodrigo Dib, fala sobre esse conceito no ingresso do jovem no mercado de trabalho. O executivo enfatiza que o momento de vida que esse jovem está passando pode fazer toda a diferença na motivação de seu primeiro emprego. “Quando eu sou jovem o que me motiva é absolutamente diferente do que motiva um pai ou mãe de família”, avalia ele. Segundo Dib, é essencial olhar para esse jovem com olhar de desenvolvimento, de respeito e de confiança. “Para um jovem existe felicidade sem efetivamente, quem estiver trocando com ele entender o que ele busca. Esse jovem busca se desenvolver, busca aprender coisas, ele busca estar em um ambiente de respeito a quem ele é e que ele possa ser uma potência, pois o jovem é uma esponja quando entra no mercado de trabalho”, enfatiza o executivo.
(Em entrevista complementar a este painel, Dib enfatizou, de maneira geral, a necessidade de um espaço para que as pessoas possam ser quem são, dizer como estão e serem acolhidas em seus humores, falar sobre tudo abertamente – um lugar sob a promoção da empatia com o outro. “Vamos continuar cobrando resultados, meta, mas sabendo que é um ser humano que está ali”, diz Dib.)
Ana Paula Franzoti, Diretora de Cultura e Equidade, Diversidade e Inclusão da Unilever Brasil diz que assina embaixo das colocações de Rodrigo Dib e faz um recorte em cima de 3 pontos. Para a executiva, as gerações vão se adaptando a como o trabalho se apresenta para elas. Ana Paula relembra as dinâmicas de trabalho na geração do pai dela, um senhor de 70 anos que viveu em uma época em que a felicidade no trabalho era que ele pudesse proporcionar a compra da casa própria e possuir algumas “seguranças” como plano de saúde e previdência. Já a geração da executiva passou pela fase da realização pela performance em que a felicidade no trabalho vinha atrelada a um bom cargo de liderança aos 30 anos. “Hoje, o jovem chega no mercado de trabalho com angústias e inseguranças muito diferentes das gerações passadas. Um jovem que a gente precisa dialogar sobre habilidade socioemocional, sobre gestão de tempo, a gente precisa falar que ele é possível sim”, comenta Ana Paula, mas completa dizendo que é interessante perceber como as reclamações sobre o que está ruim no trabalho são basicamente as mesmas em todas as gerações. Há a reclamação com a liderança, do ambiente de trabalho e outros contextos muito parecidos.
“Hoje o trabalho tem significado para essa moçada. Eu não quero trabalhar em uma empresa que impacta o meio ambiente, eu não quero trabalhar em uma empresa onde eu não posso usar meu cabelo afro. Eu não quero trabalhar em uma empresa onde eu não possa expor minhas tatuagens”, avalia ela.
Outros temas foram colocados em pauta e debatidos pelos participantes. O trabalho híbrido como benefício que tanto os colaboradores mais jovens, como os mais velhos, valorizam. Falaram também sobre flexibilidade e jornada, ambiente de trabalho, conexão, relacionamento, a troca de experiências corporativas para as diferentes gerações.
Ana Paula fecha as considerações: “Não reclame daquilo que você permite. Portanto, quando a gente mapeia aquilo que nos deixa satisfeito, que caminhos você precisa percorrer, que estratégias você precisa adotar para ficar mais conectado nesse caminho?”, questiona a executiva, que afirma que para ela é ilusão achar que que vai ser 100% feliz no trabalho. Mas como que a gente realmente gera uma satisfação e uma conexão com aquilo que você acredita que seja melhor para você e para o mundo.
(Com reportagem do Portal da Comunicação)
Os dois dias do 3º Fórum Felicidade Corporativa estão disponíveis no You Tube da Melhor RH, totalmente gratuito, acesse aqui e aqui.