Nossa empresa iniciou um processo de transformação digital há algum tempo. Do ponto de vista da metodologia, deu certo. As pessoas usavam corretamente as ferramentas, aplicavam e faziam todas as cerimônias previstas. Só que o mindset estava igualzinho: no fundo, todo mundo trabalhava do mesmo jeito. Aprendemos bastante, entendemos como o método funcionava, criamos um time multidisciplinar e tivemos ganhos, inclusive em produtividade. Mas não, essa não era a mudança que a gente queria!
Percebemos que o nosso maior erro foi ter dado um peso grande demais para o método e, quando voltamos a pensar em transformação, já mais maduros, resolvemos fazer diferente. Dessa vez, focamos mais nas pessoas, na mudança na nossa forma de pensar, e a metodologia passou a ser uma ferramenta para nos ajudar nessa jornada, e não para nos atrapalhar, nos engessar.
No início, o pessoal ficou meio desesperado – na cabeça das pessoas a transformação significava aprender vários nomes diferentes: “discovery”,”daily”, “review”, “retrô” e como usar isso tudo no dia a dia. Quando nos perguntavam qual ferramenta usar para organizar o “backlog” (mais um dos novos termos aprendidos), nossa resposta era: “a ferramenta que vocês quiserem”. Não queríamos que os times perdessem tempo entendendo a ferramenta, ao invés de começar a pensar com a cabeça nova.
Depois de quase um ano com a empresa toda trabalhando no novo modelo, acho que parte do nosso sucesso — e ainda estamos aprendendo — tenha sido essa mudança de foco. Desde o início, falamos que essa seria a nossa transformação, do nosso jeito, adaptada à nossa cultura, ao nosso negócio. Já mudamos muitas vezes ao longo do caminho quando percebemos que erramos e essa é inclusive umas das grandes vantagens desse modelo – a flexibilidade.
Virando a chave sem rigidez
O mercado sempre pensa de uma maneira tradicional, e raramente de fato se coloca o cliente no centro. A gente acha que fala com o cliente, pensa no cliente; mas raramente se pergunta ao cliente a visão dele. Nunca pensamos em ciclos curtos, e sim no grande projeto de um ano. Os grandes projetos até mudavam ao longo do percurso, mas nunca pensamos em melhoria contínua de verdade, que tudo o que fazemos, hoje, pode ser melhorado — desde uma coisa básica, um botão diferente ou cortar um pedaço de fluxo de um processo enorme, que afinal não servia para nada.
Na nossa empresa, usamos a metodologia ágil, mas gosto de falar que, na verdade, usamos o nosso próprio método, pois não queremos ser carimbados com nada. Por isso, não cobramos que a daily dure exatos quinze minutos, ou que toda squad tenha que fazer retrô toda sprint ou que as sprints tenham que ser sempre quinzenais.
Mais do que aplicar o método exato, o usamos como ferramenta para nos ajudar em três grandes pilares da nossa transformação: entregar valor para o cliente, trabalhar em ciclos curtos e buscar sempre a melhoria contínua. Parece muito simples, mas não é tão fácil fatiar o problema e ir entregando a solução em partes – quase ninguém trabalhou dessa forma antes. E também não adiantaria nada ir entregando algo que não gera valor real para o nosso cliente. Colocar o cliente no centro em primeiro lugar é um exercício diário de todos nós. Estamos sempre nos perguntando: isso que estamos priorizando entrega valor para o nosso cliente, ainda que indiretamente?
O desafio da multidisciplinaridade
Trabalhar em times multidisciplinares já foi uma mudança enorme. Só de as pessoas que faziam tudo separado estarem juntas, já é um ganho absurdo — mesmo sem mudar o mindset, continuando com a cabeça antiga, sem ciclos curtos, sem melhoria contínua, sem pensar de fato no cliente. Com a metodologia ágil, queremos ir mudando nossa forma de pensar, nossa cultura.
Mesmo assim, ainda existe no mercado quem pensa “eu faço minha parte, ele faz a dele”. Só que, quando o time é multidisciplinar, é todo mundo de um time só. Essa mudança também é um desafio. Há quem não se adapte, os que já nasceram em uma geração diferente e os que não querem ser multidisciplinares e querem fazer só uma coisa. Dentro de uma squad, isso não existe mais, a responsabilidade é de todos.
É tudo novo para a gente também, estamos aprendendo juntos. Ainda me pergunto se estamos fazendo certo, e estamos sempre preocupados em ouvir. Queremos que as pessoas tragam os problemas, não só coisas boas. Para ajudar, precisamos saber o que está dando errado. Queremos dar mais autonomia e pensar diferente. E volta e meia nos perguntamos se estamos interferindo demais ou de menos.
Eu, pessoalmente, nunca fui muito hierárquica. Acredito demais na colaboração entre as pessoas, na multidisciplinaridade. Sempre tive times muito autônomos, que conseguem tocar tudo sem mim.
Mas isso não é tão comum na minha geração, principalmente em empresas mais tradicionais. Os times também não estão acostumados com essa autonomia, alguns estão habituados a perguntar sempre o que deve ser feito. E, no fundo, nós também queremos responder, interferir. A medida da “ajuda” dos líderes é um dos desafios mais difíceis nesse modelo.
E é lógico que, com tudo isso, as dores aparecem muito mais rápido. Como antes os times não eram multidisciplinares, cada um estava no seu quadrado e ninguém via o problema do outro, e agora o “bode na sala” está ali para quem quiser ver e para serem resolvidos mais rapidamente.
A mudança leva tempo. Ainda vamos fazer muita coisa errada, consertar, mudar, tentar de novo. Estamos acertando muito, os resultados estão aparecendo e tenho muito orgulho do que construímos até aqui juntos. Sinto que estamos vivendo um momento histórico e fazer parte disso é extremamente motivador.