O bip que anuncia a chegada do elevador e o zunir metálico da porta deslizando ressoam como em um filme de suspense. Hoje, graças ao isolamento social provocado pela pandemia, o barulho do elevador é o único que se ouve em andares antes ocupados por centenas de pessoas. Entrar em um escritório vazio provoca uma sensação estranha, porém, mais surreal é saber que todas as pessoas que não estão ali fisicamente estão presentes de forma virtual, realizando as tarefas que lhes cabem em outros lugares e com total eficiência.
Há alguns anos, o parágrafo acima seria uma peça de ficção. No entanto, a partir de 11 de março de 2020, data da decretação da pandemia pela Organização Mundial de Saúde, esse cenário se tornou a realidade corporativa mais comum.
A transição foi feita rapidamente, de cima para baixo e sob a ameaça de um vírus mortal. Apesar de tudo isso, ela aconteceu e nos revelou uma nova realidade.
É inexorável: uma reconfiguração do status quo exige uma mudança estrutural e filosófica da liderança. Por isso, acredito que chegou o momento do que chamo de Mindfulness Leader, aquele que usa conceitos poderosos relacionados ao momento presente, como a percepção da realidade, aliados a outros mais perenes, como propósito, sabedoria e compaixão, para estimular a inteligência coletiva e alcançar objetivos concretos como produtividade e lealdade.
É importante enfatizar que falo sobre uma mudança de liderança e não necessariamente de líder. O momento em que vivemos exige um realinhamento do estilo de comandar, embora isso não implique necessariamente na substituição literal dos executivos, demanda claramente um salto evolutivo de pensamento em relação à liderança.
Alerto para a transformação de uma estrutura de produção fordista (presencial, rígida, repetitiva e impessoal) para uma dinâmica de trabalho descentralizada, remota e baseada em inspiração, a qual podemos chamar de “googlerista” e que consiste na liberdade de escolha de horários, na celebração da criatividade e no reconhecimento das individualidades.
Embora o contraste entre essas duas formas de produzir seja total, nem tudo é branco ou preto. Na verdade, a maioria das empresas se encontra em algum tom de cinza – o que torna o caminho ainda mais escorregadio para quem tem que comandar. Por isso, é tão importante estar fortalecido por convicções para ter uma atuação construtiva.
Imagine que liderança é uma estação de rádio, que fica em uma determinada frequência, e que o líder é o equipamento físico que tem um dial para sintonizar nessa frequência. O profissional pode escolher em que sintonia operar dependendo do que quer emitir.
Alguns aparelhos, entretanto, são viciados em uma única estação e com o tempo todo o conteúdo que vem daquela emissora é previsível. O problema de repetir sempre as mesmas fórmulas é que isso não atende ao ritmo de surgimento de novas demandas do mundo, da sociedade e do mercado.
É importante entender que a mentalidade e o discurso de liderança devem constantemente se realinhar para manterem sua relevância. Os antigos diziam: “como se toca, se dança”. Hoje sabemos que o contrário também é verdadeiro: é fundamental tocar como e o que as pessoas desejam dançar. O líder existe em função do grupo e porque as pessoas mudam ele tem que se reinventar.
A anatomia de um Mindfullness Leader se desenvolve em torno da interconexão de alguns conceitos fundamentais. São eles:
Propósito: nunca é demais reforçar que ter um propósito é o começo de tudo porque ele traz referenciais fundamentais. É o que faz com que simples humanos consigam ir além e realizem feitos fabulosos.
Escolha uma pessoa extraordinária, pesquise sua história e você imediatamente reconhecerá que ela foi movida por um propósito – de Napoleão a Walt Disney, de Cristóvão Colombo a Lady Gaga, de Albert Einstein ao Papa Francisco I, o que vemos sempre é um desejo de ser a mudança que se quer ver no mundo, como dizia Gandhi.
No ambiente corporativo, o propósito é ainda mais poderoso porque ele é o ponto de convergência dos esforços de cada um dos talentos da empresa. Por isso, muitas vezes, o objetivo pessoal de um fundador ou quase se confunde com o propósito da empresa.
A análise das criadores das empresas mais poderosas da atualidade confirma isso: Steve Jobs, Jeff Bezos, Bill Gates, Elon Musk, Larry Page e Serguei Brin, Richard Branson. A lista é grande e praticamente empata com os rankings de maiores, melhores e mais inovadoras.
Sabedoria: é o veículo capaz de conduzir o propósito à vida real. Ela é o que transforma conceitos em ações reais.
Sabedoria é a consolidação de inteligência, experiência, vontade e bom senso, podendo se expressar por meio de estratégias de longo prazo ou de ações pontuais e normalmente conquista a admiração e a lealdade das pessoas, fazendo com que o líder tenha seguidores de coração.
Vejam que nem todos os sábios tem a fleuma do Dalai Lama. Algumas pessoas têm grande sabedoria para negócios, mas são bem desajeitadas na vida pessoal – basta ler a biografia de Steve Jobs para perceber isso. Porém, no seu segmento, ele era o verdadeiro Mestre Yoda.
Quando voltou para a Apple foi suficientemente sábio para cancelar boa parte das linhas que considerava ultrapassadas e centrar as forças nos produtos em que via futuro. Também demonstrou sabedoria ao lançar o iPhone com as funções do iPod integradas. Obviamente ele sabia que o novo produto canibalizaria as vendas de um dos seus maiores hits de vendas, mas ele teve a sabedoria de agir de acordo com seu propósito que, em resumo, é “think different”.
Inteligência Coletiva: um dos papéis mais importantes do líder é estimular todos da empresa a continuamente pensarem juntos. É dele a obrigação de mostrar como cada um pode contribuir e ajudar a neutralizar os egos (inclusive o seu próprio) em prol do sucesso das ideias.
É ele que tem propósito, sabedoria e sabe dizer que as realizações são sempre coletivas, conseguindo criar uma sintonia capaz de permitir que a equipe trabalhe completamente envolvida nas suas tarefas e gerando um fluxo produtivo de alta qualidade.
Essa entrega intelectual intensa passou a ser denominada como “flow” na literatura corporativa e se refere tanto ao ritmo pessoal quanto ao das equipes multidisciplinares. No entanto, para florescer a inteligência coletiva depende da existência da sincronia das pessoas e isso só é possível em um ambiente positivo, o que nos leva a outro item fundamental.
Compaixão: em sua raiz, a palavra indica compartilhar uma paixão. Ou seja, significa ser solidário e empático.
Falar de amor ao próximo no ambiente corporativo é quase como falar de EBITDA em uma igreja – soa deslocado. No entanto, ele está totalmente alinhada a uma liderança bem-sucedida porque sem a percepção dos sentimentos do outro, não há como criar uma conexão consistente, sendo impossível inspirar e gerar sintonia.
Em um modelo escravocrata, por exemplo, a compaixão era mal vista. Entretanto, no momento atual em que a retenção de talentos é o grande desafio das organizações, a compaixão é mandatória tanto no sentido de solidariedade, como no sentido de compartilhar uma paixão. Afinal, se um colaborador não se apaixonar pelo que sua liderança propõe, ele não contribuirá para a inteligência coletiva e será completamente inútil à organização.
Percepção: combinando as informações trazidas pelos cinco sentidos com a inteligência, a percepção, no ambiente corporativo, se baseia principalmente na habilidade do líder de escutar as pessoas, tanto no sentido amplo, de perceber o que a sociedade está priorizando em cada momento histórico; quanto no sentido literal, que é o de prestar atenção aos inputs dos membros da sua própria equipe.
O primeiro passo para a liderança consciente é saber ouvir, hábito que deveria ser simples, mas que muitas vezes não é devidamente priorizado por quem tem uma empresa para gerir. Um aspecto importante da percepção é que, para que ela aconteça, é preciso que a pessoa esteja totalmente presente em cada tempo e lugar.
A obsessão pelo “multitasking” acabou levando as pessoas a não prestarem atenção aos momentos mais significativos. Em vez de responder mensagens durante uma reunião, pode ser mais eficiente estar sintonizado ao assunto e atento às expressões dos outros participantes. Estar presente no aqui e agora é um dos grandes desafios da meditação e é por isso que essa prática tem se mostrado tão instrumental para o sucesso. Estar no lugar em que se está é a base para outro dos elementos fundamentais para os líderes do futuro.
Equilíbrio: saber dosar trabalho e vida pessoal é um desafio para a humanidade desde os tempos primitivos. Ao saírem em busca de comida, os caçadores sabiam que sua família ficaria fragilizada sem sua presença no caso de algum ataque.
Conforme evoluímos, a separação entre trabalho e vida pessoal passou a ser física. “Não traga o trabalho para casa” era o mantra e, talvez por isso, várias gerações ficavam o tempo todo no trabalho e não viam os filhos crescerem.
No século 21, a invasão da vida profissional nos momentos em família e vice-versa chegou, graças aos smartphones e outras tecnologias de comunicação, a um ponto inimaginável. Separar os dois mundos ficou praticamente impossível – de repente, estava tudo junto e misturado. Essa confusão tornou a busca pelo equilíbrio entre um e outro ainda mais necessária.
A chegada da Covid-19 e o isolamento social escancararam para as pessoas a importância de conciliar os dois mundos. O trabalho remoto mostrou para os pais o prazer da convivência com os filhos e deixou claras as razões que fazem alguém querer vencer na vida. Na verdade, ele foi além disso e mostrou o que nos faz querer estar vivos. As pessoas passaram a entender que elas trabalham para viver e não o contrário. Entender isso é ainda mais importante para quem exerce liderança porque essa pessoa tem que dar o exemplo de equilíbrio.
O fato é que os gestores daqui em diante precisam estar alinhados com a mudanças nas relações de trabalho vivenciadas pelas pessoas em 2020, tanto de forma externa (cada vez mais pessoas desejarão o trabalho remoto) quanto internas. Elas estão se afastando de líderes da velha escola, que fazem mais o papal de capatazes do que de motivadores. As novas lideranças trocam a vaidade centralizadora pela generosidade de inspirar.
A força moral dos seus líderes é cada vez mais determinante para o sucesso de uma empresa. A liderança tem que ser suficientemente consistente para ser onipresente. As estruturas de home office, que os especialistas apostam que vieram para ficar, exigem isso de forma especialmente intensa.
No atual cenário e no futuro, os líderes devem ser capazes de engajar suas equipes mesmo à distância. Nesse cenário, os Mindfulness Leaders estarão mais preparados para transformar cada membro do seu time em um seguidor entusiasmado. Só assim, ele confiará que suas orientações serão seguidas mesmo à distância e terá que encontrar novas formas de avaliar o desempenho da sua equipe. Os formatos de supervisão, controle de produtividade e eficiência mudarão e talvez se tornem mais precisos. Por outro lado, os talentos individuais serão cada vez mais valorizados.
O mais interessante é que os elementos que formam essa liderança podem (e devem) ser exercitados por todos da empresa. Quem souber trabalhar melhor esses atributos tem mais chances de ser um líder. Afinal, as pessoas da Era de Aquário são mais independentes, atentas e conscientes e só aceitam a liderança de quem consideram digno de admiração.
O Mindfulness Leader é a resposta para os tempos em que vivemos e um caminho para o futuro. Esse é o momento de mudar a mentalidade. Quem não se arriscar a adquirir novos conceitos, corre o risco de ficar literalmente sozinho, em um andar vazio, só ouvindo o bip do elevador.