Quando o assunto é talentos fora dos campos de futebol, a longa briga entre Brasil e Argentina tem um vencedor: nossos hermanos. Ao menos é o que aponta o recente ranking de talentos feito pelo IMD, instituição global de educação de negócios. Nessa lista, ocupamos a 52ª posição. E já fomos um pouco melhor, pois, na edição do ano passado, estávamos na 45ª colocação. A Argentina está em 50o lugar. Mas, nessa relação mundial, entre os países latino-americanos, quem nos desbanca, por assim dizer, é o Chile, que nos olha da 44ª posição.
O ranking avalia os métodos que os países usam para atrair e reter talentos para que seus negócios possam prosperar. A América Latina enfrenta desafios no desenvolvimento e na retenção de uma força de trabalho altamente qualificada, de acordo com o estudo. Desenvolver o talento doméstico é o maior problema que as economias latino-americanas enfrentam. O desempenho tanto em investimento quanto em desenvolvimento e as categorias de prontidão destacam a falta de investimento em educação e desafios em retenção de mão de obra qualificada na região.
A primeira colocada da lista, e que manteve a liderança em relação a 2016, é a Suíça. O país é seguido por Dinamarca e Bélgica (também estáveis). Os EUA (16o colocado, ante 13o no ano anterior) estão em risco de perder sua competitividade global se não investirem em educação pública, de acordo com o principal estudo do Centro de Competitividade Mundial do IMD. Em média, os EUA investem menos no desenvolvimento de talentos locais quando comparados com seus pares no cenário global. No entanto, superaram a maioria dos outros países quando o assunto é atratividade para talentos estrangeiros por meio de qualidade de vida, oportunidades para avanços na carreira e alto nível de remuneração.
O tema educação sempre esteve no centro das discussões sobre o desenvolvimento de um país, e obviamente das empresas. Investir na formação das pessoas tanto em termos de cidadania quanto em aspectos profissionais já é mais do que um mantra. No entanto, alguns gargalos ainda persistem – e afetam, no caso, a vida do RH e de suas companhias. Por exemplo: o número de jovens que não estudam e não trabalham aos 19 anos. Esse contingente vem crescendo, como revela o estudo O jovem CDE e a educação profissional, realizado pelo Instituto Plano CDE e encomendado pelo Instituto Carlyle Brasil (ICB).
Entre os principais motivos da evasão escolar nessa faixa estão a necessidade de trabalhar, a gravidez precoce e as experiências negativas no ambiente acadêmico. Já a falta de preparo para a vida profissional é uma das justificativas para as dificuldades de inserção no mercado de trabalho. “O mais impactante do estudo é notar a falta de clareza dos jovens sobre as suas possíveis trajetórias profissionais. Nem a escola nem os pais estão preparando-os para planejar um projeto de vida. Com isso, identificamos muitos jovens que, ao chegarem aos 19 anos, estão completamente perdidos em relação às suas potencialidades, preferências e opções disponíveis. Precisamos pensar em como oferecer mais oportunidades para eles. Isso é urgente em nosso país”, reforça Maurício Prado, diretor-executivo da Plano CDE.
Ainda de acordo com esse levantamento, os jovens pleiteiam mais capacitação para o vestibular, treinamento para a utilização de tecnologias e orientação vocacional. “Eles consideram a escola desorganizada, insegura e com aprendizagens não práticas ou úteis para a vida. Já o mercado sente falta de postura profissional, de o jovem saber se expressar e ter conhecimentos básicos de português e matemática, por exemplo”, destaca Prado. E essa baixa qualificação profissional do brasileiro torna-se um entrave para desenvolvimento do mercado de trabalho. Ao menos é o que mostra um estudo da Hays, o Hays Global Skills Index 2017.
Esse estudo aponta, a cada ano, as tendências que afetam o mercado de trabalho e os gaps entre as habilidades requeridas por empregadores, analisando sete indicadores como causas. Neste ano, o Brasil apresentou uma piora no nível de desenvolvimento de seu mercado, com nota 5,5, um aumento de 0,1 em relação a 2016. A escala, de 0 a 10, estabelece que quanto maior a nota, mais altas são as dificuldades enfrentadas pelo país.
Entre os fatores que agravaram o índice local estão o desemprego e a pressão por salários maiores para vagas que requerem, principalmente, altas habilidades em indústria. Como a economia brasileira se manteve em recessão durante o ano de 2016, o desemprego ainda foi um fator representativo e determinante para a classificação do país no índice. A nota do Brasil também se manteve abaixo da média no quesito “participação no mercado de trabalho”. “Isso significa que a demanda por mão de obra especializada ainda é mais alta do que a oferta de trabalhadores no Brasil. O estudo indica justamente esse gap existente entre as competências requeridas pelas empresas, a formação e a qualificação oferecidas aos profissionais e as políticas públicas de educação”, diz Jonathan Sampson, diretor-geral da Hays.
E para dar conta desse otimismo e da retomada da economia, as empresas precisam, mais uma vez, ter a educação na agenda – na verdade, esse tema nunca deve sair da pauta. Nas startups, pensar no desenvolvimento e capacitação das pessoas está “no sangue”. E isso tem contribuído para resultados excelentes.
A Sympla, uma das primeiras startups associadas da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), por exemplo, nasceu em 2012, ano passado recebeu um aporte de R$ 13 milhões e tem conseguido crescer mais de 175% ao ano. E ela não é um caso isolado: a Moip, empresa de pagamentos, nasceu em 2009 e em 2016 foi vendida por R$ 165 milhões; a Smarttbot, que automatiza investimentos em ações por meio de robôs, nasceu em 2011 e planeja faturar R$ 5 milhões neste ano. O segredo para esses resultados rápidos? Mateus Lana, CEO da Smarttbot responde: “Pessoas. Os sócios conseguiam entregar muito bem, mas com o crescimento da equipe acabamos virando gargalo para o negócio. Quando crescemos a equipe, treinamos e conseguimos delegar, a empresa começou a decolar”.
Uma pesquisa da Fundação Dom Cabral mostrou que a principal razão para a mortalidade de startups é a falta de dedicação integral dos sócios. No outro lado, empresas como a Sympla, a Moip, Tracksale e Nubank que investem em cultura e capacitação estão crescendo a passos largos. “Não tem receita mágica para esse tipo de sucesso, mas a equipe é um dos fatores decisores. Startups são empresas enxutas que têm de entregar muitos resultados, muito rapidamente, e sem uma equipe preparada não tem como ter sucesso”, afirma Rafael Ribeiro, diretor-executivo da ABStartups e fundador da Monster Joy.
Como alternativa para auxiliar na capacitação desses colaboradores, muitos empreendedores investem em eventos corporativos, um dos mercados que mais aquecem a economia brasileira e o setor. De acordo com um levantamento feito pela Abrafesta (Associação Brasileira de Eventos Sociais), a área movimenta mais de R$ 210 bilhões por ano. “Pode-se perceber que as novas gerações estão mais preocupadas em estarem em um ambiente livre de amarras, até porque a curva de aprendizagem dos profissionais oriundos do mercado dito tradicional acaba sendo, em muitos casos, mais longa. Por isso, esses eventos são importantes, pois os aprendizados acontecem de forma rápida”, diz Igor Senra Magalhães, sócio da Moip. Um exemplo é a Conferência Anual de Startups e Empreendedorismo (Case), criado pela ABStartups, que reúne profissionais para compartilhar as práticas de sucesso do mercado para capacitar e impulsionar o setor. “Quando participamos de eventos como esse, sempre surge uma ideia nova, um brainstorming inesperado e um rico networking. Há uma cultura colaborativa interessantíssima. Eles promovem a criatividade, aumentam o acesso ao que há de mais tecnológico e disruptivo. O modelo de colaboração e compartilhamento do conhecimento, sempre tendo em mente uma relação de ganha-ganha, tira as pessoas da inércia.”, afirma David Ledson, head de gente & gestão da Sympla.
Investimentos
Especialmente por estarem diante de momentos de crise econômica e momentos desafiadores, muitas empresas buscam construir ou aprimorar os programas de treinamento e desenvolvimento de talentos, segundo a avaliação de Juliane Yamaoka, gerente geral da Efix. “Essa realidade se reflete nos resultados da pesquisa O panorama do treinamento no Brasil, que identificou um aumento de 24% na média de investimentos anuais em treinamentos por colaborador, que chegou a R$ 624”, diz.
Para a executiva, esse número ainda é baixo se comparado com os investimentos feitos pelas empresas norte-americanas, que chegam a uma média de US$ 1.229 anuais por colaborador. Porém, como o próprio estudo aponta, houve um crescimento dos investimentos, mesmo diante de um cenário de crise econômica, e da média de horas de treinamento de cada funcionário, que passou de 16,6 horas em 2015 para 22 horas em 2016. “Isso dá indícios de que os líderes de negócio estão cada vez mais interessados na adoção de programas de treinamento e desenvolvimento como um recurso estratégico para aumentar a produtividade e gerar melhores resultados”, destaca Juliane.
Ela lembra que um dos dados mais interessantes revelados do estudo de 2016 foi a diminuição da proporção de empresas que não utilizam e-learning, que saiu de 27% para 24%. “Atualmente, 15% das organizações brasileiras utilizam e-learning e ensino a distância (EAD), com destaque para os treinamentos online não ao vivo, que correspondem a 44% das entregas do EAD. Hoje, 67% das empresas que oferecem treinamentos a distância utilizam alguma tecnologia para compartilhar os conhecimentos”, conta.
Ou seja, segundo a executiva, o modelo tradicional de treinamentos presenciais não é mais suficiente para aumentar os níveis de engajamento e, consequentemente, os níveis de produtividade e os resultados de negócio. “A tendência é que cada vez mais as empresas sintam a necessidade de investir em tecnologias para incluir recursos capazes de tornar os treinamentos mais engajadores”, diz. Um desses recursos é a gamificação. “A gamificação é o uso de técnicas de jogos em contextos não relacionados a games. Já aplicada em áreas como marketing e lealdade, a gamificação pode ser muito útil também para aumentar os níveis de engajamento nos treinamentos online. A distribuição de badges virtuais para quem completa determinados desafios, como a finalização de um módulo de treinamento, por exemplo, serve de estímulo para que os funcionários atinjam seus objetivos”, conta.
Outro recurso são os fóruns de discussão. Para Juliane, as grandes reestruturações do quadro de funcionários durante a crise geraram um problema ainda maior para as empresas, que é a perda de conhecimento. “Fóruns e grupos de discussão podem ser usados para identificar especialistas no negócio e captar seu capital intelectual antes que ele deixe a empresa. Ao estimular seus funcionários para que contribuam com uma espécie de banco de conhecimento organizacional, as empresas dão a eles um senso maior de propriedade, tornando-os mais engajados em seu trabalho.”
Grupos de trabalho
Juliane traz outro dado: hoje, 83% dos executivos classificam a carreira e o aprendizado como questões importantes ou muito importantes. A informação faz parte do estudo Global Human Capital Trends 2017, da Deloitte, feito com mais de 10.400 líderes de negócios e de RH de 140 países, incluindo o Brasil. Por aqui, esse índice foi de 86%. “As mudanças no conceito de carreira estão pressionando as empresas para entregar experiências diferenciadas de aprendizado, dando aos funcionários a possibilidade de construir conhecimento de maneira rápida, fácil e em seus próprios termos. Organizações líderes no mercado também estão contando com o RH para ajudar os funcionários a crescer e a se superar por meio de tecnologias de aprendizado em constante evolução”, diz Juliane. “Entre os millennials, é ainda maior a valorização da possibilidade de aprender e crescer dentro da companhia, porém, apenas 33% consideram que as organizações estão usando bem suas capacidades.”
Isso tem feito com que algumas empresas apostem em um modelo de carreira aberto e flexível, em que os funcionários podem se engajar em diferentes projetos e experiências em vez de esperar progredir em uma carreira estática, algo que pode levar anos. “Para lidar com essa mudança, elas estão investindo em sistemas de aprendizado, gerando alterações significativas nos programas de treinamento e desenvolvimento, que estão se convertendo em ferramentas estratégicas. Para agilizar a criação e o lançamento de novos produtos e soluções, as empresas buscam criar times cross funcionais, juntando disciplinas como vendas, marketing, design, finanças, logística e TI.”
O objetivo é criar um ambiente de aprendizado adaptado à mobilidade que os funcionários desejam, com o desenvolvimento de capacidades interdisciplinares. Ou seja, a tendência é que os programas de treinamento acabem funcionando como um incentivo para que os funcionários não fiquem presos a uma única função ou área de conhecimento e possam se dedicar a diferentes projetos, avalia a executiva.
E essa estruturação baseada em grupos de trabalho, um novo tipo de organização menos hierárquica, continua Juliane, é um dos principais resultados das exigências dos funcionários por carreiras mais dinâmicas, e oferece uma série de vantagens, como maior velocidade nos processos de resposta e tomada de decisão, responsável pelo desenvolvimento mais rápido de novos produtos e soluções. “Mas implementar uma estrutura de carreira dinâmica não é uma tarefa fácil ou rápida; no entanto, ajuda organizações e funcionários a verem o que pode ser feito em relação aos objetivos organizacionais e aos individuais de cada colaborador, que não necessariamente incluem uma promoção a coordenador ou gerente.”
Para ela, os programas de treinamento modernos e os sistemas de aprendizado ajudam a dar suporte a um ambiente em que os planos de carreira não são necessariamente uma linha reta (ou uma escada); eles podem envolver movimentos laterais e até mesmo múltiplas linhas ao mesmo tempo. “Para isso, é preciso que os funcionários estejam preparados e tenham à disposição o máximo de oportunidades possível de se aprimorar”, diz.