Bull, do Instituto Pieron: compreender a conduta humana no trabalho |
Todo mundo já ouviu a história de um executivo que foi contratado pelo currículo exemplar e, em curto espaço de tempo, foi demitido por conta de comportamentos incompatíveis com o negócio, a missão, a visão e seus valores. Essa situação, em conjunto com a dificuldade das empresas em encontrar mão de obra qualificada, tem feito as áreas de gestão de pessoas intensificarem a oferta de treinamentos comportamentais. “É comum encontrar gestores falando sobre a importância dos cursos focados no comportamento do funcionário”, afirma Willian Bull, sócio consultor do Instituto Pieron, consultoria de desenvolvimento de pessoas e empresas.
Segundo ele, isso é reflexo também das novas gerações que estão ingressando no mercado de trabalho e da necessidade de alinhamento do comportamento desses jovens à cultura da empresa. “Estudar e compreender a conduta humana no trabalho é um tema tão relevante quanto lidar com a melhoria de processos e novas tecnologias”, diz Bull. A Softtek, empresa de tecnologia da informação, tem apostado nesses treinamentos.
Este ano eles pretendem ampliar as turmas desses cursos em 80%, devido ao grande interesse dos funcionários. Com consultores que precisam, muitas vezes, passar 100% do tempo alocados em clientes, a empresa desenvolveu internamente treinamentos voltados para ensinar a esses profissionais a postura, organização, comunicação e hábitos que os clientes esperam de um consultor – ponto importante para os negócios e que não é contemplado por nenhum treinamento técnico.
Segundo Izabel Aragão, uma das líderes da área de capital humano da Softtek no Brasil, o intuito é facilitar a relação entre os grupos e a formação de equipe, além de melhorar a autopercepção das pessoas. “A ideia é aliar a atuação técnica relacionada ao sistema que a empresa desenvolve, com as habilidades comportamentais, essenciais para o bom atendimento”, afirma. Entre os cursos está o Perfil do Consultor, que envolve teoria e prática com o objetivo de orientar os consultores sobre o comportamento esperado pela Softtek no atendimento aos clientes, e o Galatea, ação de imersão dos colaboradores na cultura da empresa, com atividades vivenciais baseadas nos valores de ações da companhia. “É o momento de conhecer a companhia e a oportunidade de os profissionais participarem de vivências com os líderes”, diz Izabel.
Na visão da executiva, sem os cursos comportamentais, os funcionários não conseguem entregar resultados sustentáveis. “As pessoas precisam de espaço para pensar sobre suas atitudes e condutas, sobre o seu trabalho cotidiano”, ressalta. Segundo ela, é uma forma de os profissionais avaliarem como estão trabalhando e sua postura diante do trabalho e de conflitos. Uma iniciativa, como o Perfil do Consultor, começou no Brasil e foi replicado para outras filiais da companhia no mundo.
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Para dar certo
Mudar ou desenvolver um comportamento – desde a forma de atender um cliente até a habilidade do líder em discutir a carreira de seu funcionário – requer esforço. O primeiro ponto é ouvir o que os profissionais querem. Depois, é hora de olhar a estratégia da empresa para alinhar as estratégias empresariais aos anseios dos funcionários, e colocar o plano em prática. Com a ideia estruturada é preciso desenvolver cursos com aulas práticas, exercícios, frequência e velocidade de execução. “Quando um treinamento abrange essas dimensões e envolve as pessoas na discussão, as mudanças são mais significativas”, afirma Marcos Luiz Bruno, diretor do Instituto Pieron. Mas, antes de tudo, é essencial ouvir o colaborador e explicar a ele por que aquele treinamento é importante. Se ele [colaborador] não entender o benefício da ação, não vai se dedicar e o investimento corre o risco de ir por água abaixo.
“Algumas empresas reclamam de não terem mudanças significativas depois da capacitação, mas parte do problema é que a companhia se esqueceu de olhar se aquele treinamento fazia sentido na carreira de seus profissionais”, afirma Rafael Souto, presidente da Produtive, consultoria de planejamento e transição de carreira. Outro ponto importante, de acordo com Souto, é verificar se a companhia não está fazendo mais do mesmo. “Os profissionais, principalmente os mais seniores, estão cansados dos cursos padrões, como aqueles que abordam como trabalhar em equipe ou como gerenciar conflitos e pessoas”, ressalta. É preciso ir além. Ele dá algumas ideias. Segundo o executivo, as companhias precisam falar mais sobre criatividade, como aplicar esses conceitos no processo de trabalho e no negócio, além de preparar melhor os líderes para realizar diálogos de carreiras com seus funcionários. “O líder precisa ser um consultor interno da carreira das pessoas de sua equipe”, completa.
Quatro perguntas-chave |
Para Marcos Bruno, há alguns temas centrais que devem ser debatidos sempre: a questão da governança, da confiança mútua (líder e liderado) e a questão ética e moral, que fazem parte dos temas da governança corporativa.
Na Brasilprev, a estrutura de treinamento é dividida em quatro eixos de aprendizagem, sendo que um deles é o Eixo Atitude, no qual a empresa investe no desenvolvimento comportamental dos seus funcionários, e de acordo com as necessidades indicadas por ele. Segundo Katia Cristina Ikeda Hashioka, superintendente de controles internos, processos e pessoas da companhia, na Brasilprev esses treinamentos estão diretamente ligados às avaliações de desempenho. “Nosso foco está, principalmente, nas competências corporativas que tiverem menor média nas avaliações, pois são elas que nos mostram do que realmente os funcionários precisam”, afirma. Este ano, por exemplo, a empresa tem investido em ações que trabalham a inovação, a liderança por mudanças, gestão de riscos, proatividade e gestão mobilizadora.
Após cada treinamento, a empresa, que investe 47% de todo o orçamento em treinamentos, costuma aplicar uma avaliação de reação para se certificar da satisfação dos colaboradores. Os treinamentos são desenvolvidos internamente e aplicados por consultorias especializadas.
Ação personalizada
Estruturar um projeto com esses treinamentos pode ser algo feito internamente, ou com a ajuda de uma consultoria – depende do perfil da empresa e do que ela procura. De acordo com Danielle Coppini, headhunter da Ortus, empresa especializada em recrutamento de RH, cabe à área de recursos humanos fazer essa análise e buscar a melhor forma de aplicar os treinamentos. “Muitas vezes, esse tipo de ação é feito aproveitando os próprios executivos da empresa, que passam seus conhecimentos aos demais colegas”, afirma Danielle. Existem também muitas empresas especializadas que são contratadas exclusivamente com essa função. A escolha do melhor modelo de treinamento e melhor forma de aplicá-lo muda muito de empresa para empresa, e é uma das funções do RH definir qual a maneira mais eficiente para cada estrutura.
O Femme Laboratório da Mulher optou por buscar pessoas especializadas fora da empresa. Segundo Juliana Delle Cave, coordenadora de recursos humanos da empresa, foi contratada uma consultoria especializada que atua como facilitadora no Brasil da Disney Institute. “A ideia é manter nossos funcionários sempre motivados e preparados para atender aos pacientes todos os dias”, afirma. O projeto, intitulado Jeito Femme de Atender, tem o objetivo principal de elevar a satisfação das pacientes por meio de um atendimento mais humanizado e atitudes como cordialidade, conhecimento, empatia, gentileza, disposição para escutar e ajudar, alto astral e comunicação clara e assertiva.
Segundo Danielle, da Ortus, as competências técnicas são desenvolvidas com mais facilidade, já o comportamento é algo que não muda tão facilmente e para atingir seus objetivos é essencial que a companhia conte com um corpo de profissionais cujos valores e comportamentos estejam alinhados.
Depois do treinamento
Depois do término da capacitação, é essencial que o ambiente que receberá a pessoa treinada esteja preparado para a continuidade, isto é, aqueles comportamentos ‘treinados’ devem ter espaço para serem aplicados de fato. Alguns serão simples, como equipamentos. Em outros, que envolvem uma postura pessoal diferente, como mais participação, mais liberdade para expressar ideias ou mais feedback, o sistema organizacional precisa dar o exemplo de que os novos comportamentos ‘são para valer’. “Senão, as novas posturas se perderão”, alerta Bruno. Segundo ele, o que está por trás das mudanças comportamentais é a questão do exemplo. “Se os novos comportamentos são se mostrarem valorizados no dia a dia, a empresa terá perdido dinheiro”, diz. Isso porque nada se resolve apenas na sala de aula. O dia seguinte, ou seja, sua continuidade, precisa mostrar que os novos comportamentos estão inseridos no cotidiano do trabalho e são valorizados. “Aqui, de fato, é que estão os maiores desafios”, afirma Bruno.
Para não errar |
Veja algumas dicas para ter (bons) resultados com os treinamentos: |
* Saiba exatamente o que espera da ação; |
* Descreva claramente os novos comportamentos desejados; |
* Mostre por que o treinamento é importante; |
* Verifique se existe alinhamento entre o programa e os resultados esperados e, principalmente, se tais comportamentos esperados são realmente estimulados no cotidiano por meio da cultura da organização; |
* Tente estruturar treinamentos que tenham a participação ativa dos funcionários. A retenção de conhecimento é maior dessa forma; |
* Associe os novos comportamentos com a identidade do trabalhador, isto é, o que tem a ver com seu papel profissional. |