Os cursos de oratória são hoje quase um clichê da formação profissional. É curioso, no entanto, que haja tantos cursos para discursar em público e tão poucas fontes de informação e treinamento sobre conversas interpessoais – com o chefe, com os subordinados, com os colegas, com os clientes. Algumas iniciativas pioneiras tratam especificamente dessa comunicação mais cotidiana. É o que vem sendo chamado de comunicação consciente ou comunicação não violenta (CNV).
O trabalho mais conhecido na área é o do psicólogo clínico norte-americano Marshall B. Rosenberg, que desenvolveu, há mais de 40 anos, seu próprio sistema de conversação saudável. Em 1984, Rosenberg fundou na Califórnia o Centro de Comunicação Não Violenta, uma organização internacional sem fins lucrativos que hoje conta com dezenas de multiplicadores em mais de 30 países – inclusive o Brasil.
A CNV é o sistema de comunicação empática com mais adeptos no mundo, mas não é o único. Muitos outros pesquisadores têm se dedicado ao tema. A consciência do que se quer dizer, o respeito ao outro e a escolha adequada das palavras são pontos comuns entre os diferentes modelos. Segundo a assessoria de imprensa do instituto que criou na Califórnia, Rosenberg, hoje com 78 anos, não está em condições de conceder entrevistas, mas sua obra é uma fonte rica de informações práticas sobre o seu método.
O livro Comunicação não-violenta – técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais, editado no Brasil pela Ágora, pode ser usado por profissionais de recursos humanos para treinamentos. Claro, direto e prático, o livro apresenta uma série de situações cotidianas cujos conflitos podem ser evitados com estratégias de comunicação (confira os quadros ao longo desta reportagem).
A despeito da hierarquia corporativa, não há lugar para ordens ou exigências em CNV. Um exemplo: é importante que quem faça o pedido (ainda que seja o chefe) expresse as suas necessidades. Sozinha, uma solicitação pode soar como exigência ou ataque. Isso aumenta o risco de rejeição à ideia ou, o que pode ser pior, uma adesão ressentida a ela.
“Em ambos os casos, a pessoa que faz o pedido é percebida como coercitiva, e a capacidade do ouvinte de responder compassivamente à solicitação é diminuída”, explica o psicólogo no livro. O objetivo da CNV é estabelecer um relacionamento baseado na sinceridade e na empatia. Melhor que simplesmente mandar um funcionário fazer cálculos seria dizer algo como: “É necessário que você feche as contas até sexta-feira, porque o contador tem só até o fim do mês para emitir as notas”.
Essa cumplicidade funciona. “Quando os outros confiam que nosso compromisso maior é com a qualidade do relacionamento, e que esperamos que esse processo satisfaça às necessidades de todos, então, eles podem confiar que nossas solicitações são verdadeiramente pedidos e não exigências camufladas”, prossegue Rosenberg.
No livro Vire a página – estratégias para resolver conflitos (Ed. Senac), o consultor brasileiro Karim Khoury também trata do assunto, mas por outro viés. Ele enfatiza a importância do condicionamento a uma expressão consciente no cotidiano. “Comunicar-se bem é uma arte e, como toda arte, requer treino e dedicação.”
O consultor propõe na obra o sistema Dearc, uma sigla para as palavras-chave do processo: descrição (da situação a ser discutida – “Não recebi o relatório sobre a reunião com o cliente”); expressão (dos sentimentos envolvidos – “Estou preocupado com a demora”); acordo (a proposta a ser feita – “Você pode entregá-lo até amanhã?”); resultado (o que se espera obter – “Assim poderemos ser mais ágeis em atender às demandas”); e congruência (o tom de voz e a linguagem corporal que acompanham o conteúdo da mensagem). É uma versão sofisticada da velha máxima de que uma pessoa deve sempre pensar antes de falar.
A precisão no que se diz evita ruídos como a ambiguidade ou o mal-entendido. Para isso, como ensina o autor, o discurso precisa ser econômico, direto e transparente. Mas só funciona quando quem fala imprime credibilidade ao que diz.
Aprendendo a falar
Livros como o de Rosenberg e Khoury podem ser usados por capacitadores dos próprios departamentos de recursos humanos para a realização de oficinas sobre comunicação interpessoal no trabalho. Mas também é possível contratar empresas especializadas nesse tipo de treinamento.
Para Roberto Madruga, presidente da ConQuist, consultoria empresarial de capacitação corporativa, a comunicação interpessoal moderna precisa trabalhar com os cinco sentidos – não apenas com a razão. “É preciso saber utilizar o olhar, estabelecer empatia.” Em seus cursos, a ConQuist ensina profissionais a falar com naturalidade, transmitindo confiança mesmo em situações que requerem improviso.
Além de dominar as próprias emoções e o assunto em questão, quem fala precisa ainda conhecer as características de recepção do interlocutor, como acrescenta Madruga. “Algumas pessoas têm um perfil mais visual [observam expressões, gestos], outras são mais analíticas [focadas nos argumentos]”, ilustra. Saber identificar esses perfis pode ser um grande trunfo na comunicação profissional.
Problemas de comunicação no trabalho, seja entre colegas ou diferentes níveis hierárquicos, podem acarretar desmotivação, baixa produtividade, fofocas, somatizações e mesmo evasão para outras empresas, conforme enumera Van Marchetti, diretora da consultoria Attitude Pan, também especializada em treinamentos empresariais de comunicação.
“Esse tipo de capacitação tem de ser muito prático”, afirma. Em geral, Van realiza workshops com quatro ou oito horas de duração, que incluem exercícios baseados em situações do cotidiano profissional em questão. “O mais importante é fazer com que as pessoas reflitam sobre o modo como se comunicam.”
Seus workshops começam com um questionário. A partir das respostas, ela faz um diagnóstico e decide em que problemas e soluções deve focar o treinamento, porque os percalços de comunicação podem variar muito de uma empresa para outra.
“Mas o workshop só não apaga o incêndio”, adverte. Para que as novas habilidades persistam em longo prazo, é necessário que a empresa tenha um plano consistente de comunicação. “O ideal é que o assunto seja retomado a cada ano ou semestre”, recomenda Van Marchetti.
Hoje, muito da comunicação interpessoal no trabalho é mediada pela tecnologia. Na Totvs, empresa especializada em softwares de gestão, a rede social interna Fluid é o principal meio de relacionamento entre os funcionários. “Investimos fortemente em aparelhar a equipe com laptops e celulares, pela própria natureza do negócio”, afirma Alexandre Mafra, vice-presidente de recursos humanos. Foi coerente, portanto, a criação de um software para que esses meios fossem bem utilizados no contato interno.
“O RH da Totvs não vive mais sem a Fluid – 100% dos nossos funcionários estão conectados”, afirma. Com o tempo, franqueados, parceiros e clientes foram incluídos na rede social. “A juventude de hoje, da Geração Y, se comunica melhor por escrito”, afirma Mafra. “Assim, há também menos ruídos e fica tudo documentado.”
A empresa contabiliza que cerca de 80% dos problemas discutidos na plataforma são resolvidos ali mesmo pelas partes envolvidas, sem necessidade da mediação do RH. “Feedback, liderança, coaching – tudo acontece naturalmente”, diz. A plataforma Fluid, uma tecnologia própria, foi criada para uso interno e hoje é um item importante da cartela de produtos da empresa.