Gestão

Razões de alta performace

de Gabriel Jareta em 19 de novembro de 2010
Patrícia, da KPMG: necessidade de as empresas concilarem os valores organizacionais e pessoais

Imagine pisar o acelerador e, em poucos segundos, ver o ponteiro de velocímetro saltar para os maiores números do mostrador. Haja aceleração, haja potência. Muito bem azeitado, o carro não poderia oferecer senão uma alta performance: motor em dia, manutenção idem; combustível de primeira; e, também, motorista preparado, sabendo que caminhos tomar, quando acelerar mais, quando frear e, claro, como desviar dos buracos nas estradas. Fazer a transposição dessa imagem para o mundo corporativo não é lá tão complicado. Mas, na estrada, ou melhor, na prática, fazer com que uma empresa tenha uma cultura de alta performance é algo tão complicado como trocar a rebimboca da parafuseta. E muitas companhias derrapam na tentativa de criar as condições de um alto desempenho – o que pode ser fatal em meio às expectativas de crescimento econômico de nosso país. Mas, de fato, o que é essencial para criar essa cultura numa companhia?

Para obter uma cultura de alta performance nas organizações, dois fatores são de extrema importância: uma cultura organizacional bem definida e sua disseminação de forma eficaz. Para isso, é necessário ter uma liderança comprometida com essa cultura e que seja capaz de compartilhar os valores da organização com os colaboradores, e também despertar neles o orgulho pelo seu trabalho. No entanto, nem todas as empresas têm esses aspectos alinhados internamente.

O alerta vem de um levantamento feito pela KPMG, durante o CONARH 2010. Depois de ouvir mais de 170 executivos de RH, a sócia responsável pela área de People & Change da consultoria no país, Patrícia Molino, percebeu que 91% dos líderes não agem, na maior parte de seu tempo na empresa, conforme a visão e os valores organizacionais. Como se isso não bastasse, 70% dos respondentes afirmaram que poucos líderes de suas companhias são vistos como, de fato, inspiradores, justos e capazes de estimular o desenvolvimento de cada um dos colaboradores e das equipes.

Patrícia reforça que, para as empresas que estão buscando obter uma cultura de alta performance, esses dados são preocupantes, pois esse cenário compromete de forma significativa o rendimento dos funcionários. “A avaliação de ter poucos líderes inspiradores indica que as organizações não estão aproveitando bem o potencial das pessoas”, afirma a consultora.

Ainda durante a pesquisa feita pela KPMG, procurou-se saber quão presentes estão nas organizações os pilares de uma cultura de alta performance. Essas bases, de acordo com Patrícia, são: a confiança e o compromisso; a liderança; e a estratégia de negócios. Para os executivos que participaram do levantamento, apenas 24% afirmaram que os líderes em suas empresas favorecem essa cultura.  No que se refere à estratégia de negócios, 66% responderam afirmativamente em relação ao seu papel nessa cultura. Confiança e compromisso foi o segundo item mais votado como presente nas companhias, com 53%.

Embora exista um gap entre a liderança desejada e os demais fatores que ensejam uma cultura de alta performance, ainda que não estejam com índices mais elevados, mais da metade (60%) das empresas ouvidas (por meio de seus executivos) estão dispostas a investir em transformação cultural para se tornarem de alta performance. “O que ajuda a atingir esse objetivo é o comprometimento da organização em conciliar os valores e as expectativas dos funcionários aos dela. Para isso, é necessário reunir diversos aspectos, como ter uma liderança alinhada com a visão, objetivos e estratégias organizacionais e que seja capaz de conectar e engajar as pessoas. Além disso, uma comunicação adequada é fundamental para adquirir esse rendimento, pois se a estratégia não está clara para os colaboradores e se o líder não for coerente com seu discurso, não será possível obter um empenho diferenciado dos colaboradores de forma sustentável”, conclui Patricia. Ela frisa que a chave para moldar a cultura de uma organização é a clareza de objetivos, alinhamento de todas as lideranças e disponibilidade para revisitar a empresa atual desde a estrutura até as políticas para garantir que todas as mensagens indiquem a mesma direção.

O sentido do trabalho
Por mais que os executivos desejem que o ambiente de sua organização seja baseado na excelência dos funcionários e na busca pelo desempenho máximo, estabelecer uma cultura de alta performance vai muito além do mero discurso. É preciso proporcionar condições para que as pessoas possam entregar o seu melhor na prática. Para o professor Marco Túlio Zanini, da Fundação Dom Cabral, a empresa precisa “criar o contexto” para a alta performance. “O ponto de partida é saber se existe um ambiente de gestão responsável por criar esse ambiente”, afirma.

Para isso, o professor explica que os gestores devem oferecer aos trabalhadores a resposta para algumas questões que permeiam esse processo: “As pessoas encontram sentido nas tarefas que cumprem? Elas estão dispostas a entregar seu máximo? (Os líderes) acolhem o erro como parte do aprimoramento ou se pune o indivíduo?”. Estando claros esses pontos, diz Zanini, a confiança surge como consequência. E uma empresa que promove a sensação de que ali há um ambiente de cooperação, uma cultura de incentivo mútuo, pode lutar por resultados mais ambiciosos.

Na verdade, podemos entender por ambiente de cooperação, no qual as pessoas têm consciência do contexto e dos objetivos que devem cumprir, aquele que reforça o sentimento de “pertencer”. Esse é um ponto-chave para gerar comprometimento e performances melhores. E é esse o clima no Laboratório Sabin, de Brasília.

Uma das redes de referência no país, e também um dos destaques na edição da lista das melhores práticas em benefícios na pesquisa feita por MELHOR e pelo Great Place to Work, o Sabin mantém uma cultura de alta performance graças, em primeiro lugar, a uma sensação de pertencimento das pessoas. A superintendente da área de Recursos Humanos da empresa, Marly Vidal, conta que o laboratório trabalha baseado fortemente em valores que foram definidos pelos próprios funcionários. Segundo ela, definir os valores foi um processo que envolveu os colaboradores mais antigos de casa e chegou a sete itens que são a premissa para todas as ações e estratégias da empresa.

Gestão autoritária
Mas não basta apenas sentir que se “pertence” a uma empresa. O professor Zanini também considera que uma organização que busca a alta performance precisa trabalhar por um “contexto capacitante”, o que, segundo ele, vai ao encontro da atual realidade da gestão em empresas brasileiras. “Um dos nossos muitos dilemas é de que a nossa cultura (de gestão) é autoritária, trabalha no nível mínimo da competência. A estrutura é muito hierarquizada e existe a crença de que os subordinados, aqueles que estão na ponta, não têm capacidade para entregar resultados”, declara.

A saída para esse dilema, segundo Zanini, é trabalhar com conceitos inovadores, de preferência “de baixo para cima”, se espelhar em organizações com cultura de excelência consolidada e pensar a alta performance como um projeto que precisa de tempo para amadurecer. “Hoje, a maioria das empresas trabalha em curto prazo, apenas para apagar incêndios”, observa. É preciso estabelecer metas, valorizar o mérito e buscar um ambiente mais competitivo, com valorização da figura da liderança. “Grande parte das empresas faz uma gestão como se praticava há 20 ou 30 anos; nosso estilo ainda é de baixíssimo valor agregado”, critica.

No que se refere a valorizar o mérito, a Ambev parece ir muito bem. Assim como seus resultados financeiros: dados divulgados em agosto mostram que a empresa teve um lucro líquido de 1,5 bilhão de reais entre abril e junho, ante 1,37 bilhão um ano antes. No semestre, o resultado somou 3,16 bilhões, o que equivale a um crescimento de 6,6% sobre igual período de 2009. Isso reforça a quarta posição da Ambev, individualmente, no ranking das maiores cervejarias do mundo.

Rodrigo Pacca, especialista em recrutamento e seleção da companhia, conta que a cultura de gestão que está por trás desses (e de outros) bons números é baseada na meritocracia, na visão de que todos são donos do negócio, na cooperação entre equipe, ética na obtenção de resultados e na transparência.  “Nosso objetivo é que todos os funcionários se tornem embaixadores da cultura da Ambev. Sabemos que quanto mais forte for essa cultura, melhores serão nossos resultados”, afirma.

Souza, da Empreenda: em sua maioria, os líderes são pouco inspiradores

Pouca inspiração
Para que as pessoas sejam capazes de trabalhar em níveis de excelência, porém, é preciso encontrar um ponto de apoio no ambiente da organização. Além de fortalecer a confiança e o comprometimento, o papel da liderança é, lembrando mais uma vez, fundamental para inspirar as equipes em uma cultura de alta performance. Apesar de essa questão ser bastante clara para os executivos e gestores, a prática mostra que ainda é muito difícil encontrar pessoas capazes de provocar inspiração. Lembram-se dos dados da pesquisa da KPMG?

Pois bem, o consultor César Souza, da Empreenda, comenta que o levantamento feito pela consultoria é, digamos, “otimista” ao apontar que 70% dos executivos consideram os líderes de suas empresas pouco inspiradores. “Na minha experiência, 90% [ dos líderes ] são pouco inspiradores. São experts em cobrar tarefas e metas, mas não sabem inspirar as equipes pelas causas, pelos valores, pelo exemplo”, afirma.

Na opinião de Souza, estabelecer um ideal de alta performance passa pela capacitação dos líderes, para que sejam capazes de realmente motivar as equipes, e por um sistema de remuneração baseado em resultados e meritocracia. No entanto, o primeiro passo é voltar atenção especial para o recrutamento e seleção. “O problema está na porta de entrada, na hora de recrutar. As empresas selecionam gente que não é de alta performance. Podem ser competentes tecnicamente, mas não são integradores, não se comunicam bem etc., e depois [ as empresas ] ficam correndo atrás para treinar pessoas em performance”, aponta o consultor.

Todas essas variáveis, no entanto, devem fazer parte de uma estratégia maior da organização: construir uma filosofia de valorização das pessoas que deve estar arraigada em todos os níveis. Para Souza, os gestores devem sair da teoria e passar para a prática se realmente desejam uma cultura de alta performance. “[ Os gestores devem ] jogar menos para a plateia com a retórica já gasta de que pessoas são importantes, e sim praticar de fato uma filosofia e políticas que desenvolvam, engajem e valorizem essas pessoas”, afirma.

Veja dois cases de sucesso:

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