Crédito: Shutterstock |
A palavra resiliência foi empregada pela primeira vez em 1807 pelo físico inglês Thomas Young. Durante uma experiência entre a tensão e a deformação de barras metálicas, o físico determinou que resiliência (para a física) era, portanto, a capacidade de um material voltar ao seu estado normal depois de ter sofrido tensão. A psicologia pegou emprestada a palavra, criando o termo resiliência psicológica para indicar como as pessoas respondem às frustrações diárias e sua capacidade de recuperação emocional. No cotidiano corporativo, o termo traduz a característica daquele colaborador que aguenta as pressões do dia a dia e que se molda com mais facilidade aos novos rumos do negócio.
Mas será que aquele profissional que não é resiliente está fadado ao insucesso profissional devido à falta dessa habilidade? Especialistas e experiências em algumas empresas negam essa afirmação. É possível sim, na maioria dos casos, ajudar os colaboradores a lidar com a pressão e as mudanças que os negócios e o mercado exigem.
Paulo Yazigi Sabbag, doutor em Administração da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, e autor da obra Resiliência – competência para enfrentar situações extraordinárias na sua vida profissional, enfatiza que a resiliência não é um traço de personalidade, mas sim um padrão de comportamento compreendido pela pessoa ao longo da vida. “O indivíduo adquire esse padrão em sua formação. Nenhum indivíduo permanece com o mesmo grau de resiliência durante sua vida toda, ela varia conforme a época e os estímulos pelos quais passa”, informa. Neste caso, destaca o professor, ele prefere chamar a resilência de competência, habilidade.
Sabbad, da FGV: modelos culturais que elevam ou reduzem a resiliência / Crédito: Divulgação |
Moldada na adolescência
O professor da FGV diz que o ser humano nasce com muita resiliência e que a perde, em termos, quando chega à adolescência. Sabbad ressalta que para cerca de 30% dos adolescentes essa fase é tumultuada. Neste estágio, indica, eles passam a enfrentar dificuldades no relacionamento social e a observar estímulos negativos, como se achar feia (o), o que leva à redução da autoconfiança. “Isso contribui para que uma parte dos indivíduos perca a resiliência nessa fase da vida; antes disso ela pode sofrer um choque, mas permanece forte”, explica.
A influência familiar tem um peso razoável nesse jogo também. Sabbad informa que por causa dela há modelos culturais que elevam ou reduzem a resiliência. “Por exemplo, se a pessoa teve uma educação muito severa e perfeccionista, é possível que sua resiliência seja afetada negativamente. Já se a educação foi mais amorosa, ela tende a ter uma resiliência maior”, exemplifica.
De acordo com Sabbad, sendo a resiliência uma habilidade, compreende-se que certas culturas são mais propensas a desenvolver profissionais com essa característica. Portanto, qualquer cultura mais empreendedora, na qual o indivíduo recebe estímulos para cuidar da sua própria vida desde cedo, eleva o grau de resiliência. Por tudo isso, salienta, tratá-la como uma habilidade evita uma série de armadilhas. “Uma delas é acreditar que ela é um traço da personalidade e é imutável, quando não é. Outra é achar que existem seres humanos que receberam um “dom” que outros não têm. Acredito que as organizações podem estimular seus funcionários a desenvolverem esta habilidade em benefício mútuo”, afirma.
#Q#
Cristiane, da 3M: resiliência como uma competência para efetuar mudanças / Crédito: Divulgação |
Para promover mudanças
Na 3M do Brasil, a resiliência é foco de um dos principais treinamentos da empresa, como explica Cristiane Lo Re, gerente de RH e de desenvolvimento de talentos. “Há seis anos, resolvemos inserir debates sobre a resiliência com os nossos colaboradores. Desta forma, abrimos um enorme leque para promovermos mudanças, partindo das situações externas e trabalhando o interno dos líderes (180 já passaram pelo programa). Enxergamos, portanto, a resiliência como uma competência
para efetuar mudanças”, observa.
Para trabalhar melhor o tema, a executiva explica que na 3M são realizados treinamentos de cinco dias com líderes e novos talentos. Depois, esses profissionais passam por uma espécie de jogo no qual são apresentados cases que precisam ser solucionados em até 24 horas e depois são entregues para o corpo diretivo avaliar. Cristiane destaca que, normalmente, esses casos abordam temas que os colaboradores nunca trabalharam na organização, por isso é um grande desafio a ser resolvido sob pressão.
E coloque desafio nisso. Cristiane enfatiza que o funcionário que possui essa competência naturalmente é muito mais persistente na busca por resultados. “O não resiliente é mais passivo, reativo, e consequentemente não traz resultados bons para a organização. Pode desagregar o ambiente e derrubar os resultados, especialmente, se for um líder que não ouve sua equipe e não tem clareza nas metas e intenções”, diz. Para a executiva, o resiliente tem a capacidade de pensar estrategicamente, mesmo diante das grandes pressões, e o resultado é uma consequência dessa característica. Além disso, informa Cristiane, o resiliente se autorretém e faz a vida menos pesada. “Ele tem a capacidade de olhar, analisar e resolver problemas com mais facilidade em ambientes opressivos e que cobram metas e resultados. Enfim, vive melhor”, observa.
Como identificar um resiliente
Cristiane relata que a 3M não utiliza nenhuma ferramenta específica no processo de seleção para identificar pessoas com mais resiliência. “Nós trabalhamos com entrevistas de competências. Quando nos referimos a situações de estresse perguntamos sobre circunstâncias de pressão e como o entrevistado as enfrentou. Dessa forma, tentamos captar qual o nível de resiliência da pessoa e o quanto ela lida com a pressão.” Ao mesmo tempo, diz, bons profissionais com baixa resiliência podem retomá-la. “Na 3M, o foco é perceber as pessoas nos trabalhos em grupo, compreender os comportamentos diante dos problemas, e a partir daí se for necessário, utilizar o coaching externo”, explica.
Na biofarma Bristol-Myers Squibb, o assunto também é levado a sério. De acordo com o diretor de RH da multinacional, Aníbal Calbucci, administrar com colaboração entre as áreas traduz a resiliência dentro da Bristol. “Não se pode desejar que alguém aguente porrada e um clima agressivo. Não é isso que queremos.Trabalhamos para que os funcionários sejam colaboradores. Quando vem uma demanda de outra área esperamos que eles entendam o ponto de vista de quem está pedindo e que possa encontrar em seus recursos uma forma de atender ao pedido”, explica.
A empresa usa a avaliação de desempenho em 360°, que é feita por toda a equipe e enviada aos gestores e ao RH, para observar os líderes resilientes. “Com os dados em mãos, conversamos com a pessoa (pouco resiliente) e perguntamos qual a ajuda de que ela necessita. Podemos usar coach, que pode ser feito no próprio time, pelo RH, ou externo. Também pode ser empregado um mentor interno que não tenha nenhuma conexão de linha hierárquica com esse colaborador. Ele vai ouvir, dar conselhos e orientar a pessoa”, explica.
Adquirir mais força
Há ainda um terceiro procedimento oferecido pela Bristol-Myers Squibb. Neste, o profissional é colocado numa experiência na qual ele trabalhe sua resiliência. Após passar por uma, duas ou três das mencionadas experiências, Calbucci explica que alguns líderes percebem que eles não têm resiliência para assumir a posição e assim se desligam por conta própria da companhia.
Mas esse não é o caso da maioria. Ele conta que cerca de 90% dos colaboradores obtiveram sucesso em readquirir a resiliência, mas que isso também depende do momento da empresa e da pessoa.
Normalmente, são colaboradores muito inteligentes, racionais, mas que deixavam a desejar no aspecto comportamental. O executivo crê que o caráter emocional afeta tudo em um ser humano, e a capacidade de liderar está diretamente ligada a isso. “É essencial separar o que é pessoal e o que é trabalho”, enfatiza.
#Q#
Lista de Prioridades
Segundo o executivo, colaboradores com baixa resiliência têm dificuldades em definir o que é prioritário, querem fazer de tudo e acabam não fazendo nada. “Já os mais resilientes são aqueles que sabem administrar os impactos e pressões, apresentar soluções criativas e produtivas. São aqueles que obtêm mais desafios e crescem na corporação”, analisa.
De acordo com Eduardo Carmello, diretor da Entheusiasmos Consultoria em Talentos Humanos, os RHs perceberam que a resiliência é uma competência essencial para os talentos e as organizações. “A resiliência é altamente valorizada pela sua capacidade de lidar proativamente com as exigências de mercado. Alguns poucos RHs acreditam que resiliência é uma moda, mas nós a identificamos como uma tendência.” De acordo com Carmello, as transformações de mercado, do consumidor, da tecnologia e do conhecimento serão cada vez mais complexas e intensas, gerando uma necessidade de organização, flexibilidade e prontidão para todas as empresas, o que exige, obviamente, resiliência.
Ele acredita que sem a resiliência os profissionais têm dificuldade para compreender as prioridades, os objetivos e os critérios de gestão que, em muitas empresas, têm mudado diariamente. Esse cenário gera muitos conflitos pessoais e profissionais. “Com a resiliência, os talentos sentem-se mais confiantes e seguros para crescer e amadurecer, mesmo em situações de conflito e incertezas. O ideal não é ver a resiliência só como uma competência que enfrenta crises e aguenta pressões, mas como um fenômeno de excelência que produz transformação. Que se renova e se funde com o novo, constantemente, para produzir valor”, analisa.
Processos de transição
A Invicta, produtora das ampolas de garrafas térmicas no Brasil, tem percebido e valorizado a resiliência. Van der Laam, gerente de RH da empresa, afirma que “o impacto da resiliência no resultado é comprovado por muitas corporações que desenvolveram programas e ferramentas para incorporá-la na cultura da empresa como forma contínua de gerenciar pessoas, processos e resultados”.
Por sessenta e dois anos, a Invicta era gerida pela família que criou a marca e agora passa a compor o pool da The Coleman Company, empresa multinacional norteamericana com foco em inovação, pessoas, melhoria contínua e resultados. O executivo conta que a resiliencia dos profissionais foi colocada em teste no processo de unificação das crenças das duas companhias.
Clima interno
“Esse processo exigiu muito dos colaboradores, principalmente da gestão, para traçarmos novas rotas, gerenciarmos o clima interno, retermos os colaboradores e sermos mais produtivos. O nível de resiliência de cada colaborador foi colocado à prova em todos momentos e, como resultado, além de sermos líderes e sinônimo de qualidade e inovação em garrafas térmicas, somos os responsáveis por venda e distribuição nacional dos produtos da Coleman, empresa líder mundial de produtos para outdoor”, conta.
O executivo acredita que os gestores resilientes administram a pressão mantendo o bom senso e o clima da equipe saudável, o que traz bons resultados. Segundo Van Der Laam, o RH tem ferramentas e métricas para identificar a resiliência, como assessment, avaliação de desempenho e avaliação 360º, que proporcionam feedback e autoconhecimento dos comportamentos manifestados pelo profissional com os pares e a equipe. Porém, ele alerta que o programa de desenvolvimento de líderes não deve observar apenas o desenvolvimento da resiliência. “Líderes bem preparados são resilientes, comunicativos e engajadores; a maneira de ajudá-los varia de acordo com o porte e necessidade da empresa, passando do coaching individual até os programas de team building”, indica. No caso da Invicta, como a mudança é grande, todos os setores foram contemplados com o programa de desenvolvimento, que se iniciou em 2012 e vai se estender por todo ano de 2015.
“Percebemos que empresas resilientes desenvolvem continuamente ambientes onde as ideias e conhecimentos possam ser criados, sistematizados e transferidos para todos na organização. Costumamos dizer que uma empresa resiliente fomenta o conhecimento estratégico e o valor da marca em cada ato de cada talento, sendo de fato percebido, como valor por seus clientes”, conclui Carmello, da Entheusiasmos.