Gestão

Como o gamification auxilia no aprendizado?

de Flora Alves em 19 de janeiro de 2015
Gamefication / Crédito: Shutterstock
Crédito: Shutterstock

Tendo ouvido ou não sobre esse termo, com certeza você já esteve ou está engajado em atividades que fazem uso desse conceito. Pegue uma caneta e um papel. Você tem 10 segundos para escrever o nome de três cantores(as) cujo nome se inicia com a letra “C”. Agora você tem 10 segundos para escrever o nome de três cidades cujo nome se inicia com a letra “L”.

Como você se saiu? Conseguiu responder todas ou faltou alguma? Algumas respostas mais óbvias surgiram rapidamente em seu pensamento? Se sim, você experimentou gamification.
Um exemplo bastante comum e que faz parte de nosso cotidiano são os programas de fidelidade por meio dos quais acumulamos pontos ou milhas para depois desfrutarmos viajando para destinos de nossa escolha.

Nós gostamos de jogar. Jogos são divertidos, eles nos envolvem e nos engajam. Uma pesquisa publicada por Saatchi & Saatchi1 em 2001 mostra que cerca de 50% das pessoas teriam interesse em trabalhar em uma empresa que ofereça games como uma forma de aumentar a produtividade.
É possível que, ao pensar em gamification, você logo imagine pontos, distintivos, recompensas e placares com a classificação dos jogadores, mas isso não é tudo. O gamification é muito mais que isso e tem suas sutilezas.

Somos parte de uma sociedade que sofre com a diminuição da atividade física e esse tem se tornado um fator de risco para muitas populações. A maioria de nós sabe que precisa se exercitar e podemos citar uma lista de benefícios provenientes da atividade física. Entretanto, colocar isso em prática nem sempre é uma tarefa fácil.

Para muitos, correr pode não ser a primeira opção, entretanto quando descobrirmos que correr pode ser um estímulo para nossa superação ou simplesmente algo muito divertido, aquilo que parecia um sacrifício pode passar a fazer parte de nossa rotina. É isso que fazem aplicativos como o Running da Nike ou o Zombies, Run!

O primeiro estimula você a perseguir suas metas comparando seu desempenho com o desempenho de seus colegas e o segundo é uma divertida corrida interativa na qual você desempenha o papel de um personagem que tem uma missão a cumprir. Sem que você perceba, o seu condicionamento melhora gradativamente e a atividade física passa a ser um divertido item de sua rotina.

Agora vamos transportar isso para o ambiente corporativo. Pode ser muito mais seguro descobrir os riscos envolvidos na operação de um determinado equipamento num ambiente gamificado. Se você cometer um erro enquanto joga, você aprenderá com as consequências de seu erro sem se machucar. O máximo que acontecerá é que você “perderá uma vida e deixará de ganhar alguns pontos”, além de ser muito mais divertido e menos arriscado. Esses são apenas alguns poucos exemplos para ilustrar a presença do gamification em diversos segmentos com objetivos específicos e úteis.

Definindo gamification
Você encontrará esse termo escrito como gamification, gamefication e gamificação e todos eles são aceitos. Eu opto por gamification por ter sido a forma mais utilizada na maioria dos artigos e literatura que pesquisei.

O gamification consiste na utilização de mecânica, estética, elementos e pensamento de games em contextos diferentes de games como mostram alguns dos exemplos apresentados aqui. É, entretanto, a definição apresentada por Karl M. Kapp a mais completa sob o ponto de vista de aprendizagem. Kapp define gamification como “a utilização de mecânica, estética e pensamento baseados em games para engajar pessoas, motivar a ação, promover a aprendizagem e resolver problemas”.

Os desafios organizacionais estão presentes nessa definição de forma explícita. Hoje, a retenção de profissionais cede espaço para o engajamento. Muito mais que reter um talento, uma organização precisa engajar esse profissional em sua cultura, em seus valores e objetivos.

Profissionais engajados movimentam a organização rumo ao alcance de seus objetivos por meio de suas ações que se aprimoram por meio da aprendizagem, permitindo assim a solução de problemas em ambientes de grande complexidade.

Os processos de aprendizagem precisam ser estimulados e os modelos mentais que funcionavam no passado não são uma garantia do engajamento necessário para que a aprendizagem e a transferência ocorram. Para que seja eficaz, o gamification deve funcionar como uma estratégia de design instrucional e não ser a instrução em si.

#Q#

Games e gamification não são a mesma coisa
No Brasil, trabalhamos com o uso de games em treinamento há muitos anos, por isso é bastante comum confundirmos o gamification com o uso de jogos em treinamento.

A primeira grande diferença reside no fato de que um game consiste em um sistema fechado e é uma atividade voluntária na qual as pessoas se engajam por razões próprias. Gamification não é a transformação de qualquer atividade em um game, é aprender a partir dos games, encontrar elementos dos games que podem melhorar uma experiência sem desprezar o mundo real. Encontrar o conceito central de uma experiência e torná-la mais divertida e engajadora.

Uma perspectiva que considero conclusiva é a apresentada por Sebastian Deterding e sua equipe de pesquisadores no artigo From game design elements to gamefulness: defining “gamification”. Para eles, o gamification acontece quando utilizamos elementos de games em parte de um processo, ou seja, o jogo é parte de uma intervenção e não a intervenção como um todo.

Gregório de Matos Guerra foi brilhante ao dizer que “o todo sem a parte não é todo; a parte sem o todo não é parte; mas se a parte o faz todo, sendo parte, não se diga que é parte, sendo todo”. Assim, as partes do game são os seus elementos, que bem utilizados resultam em uma arquitetura de aprendizagem que promove o engajamento e também a transferência.

Gamification e design instrucional
Quando o assunto é aprendizagem, os desafios se repetem e o universo organizacional apresenta algumas variáveis que são nossas velhas conhecidas. Entre elas estão:
* Equipes cada vez mais enxutas que dificultam intervenções de treinamento com cargas horárias extensas;
* Diversidade de gerações coexistindo, o que faz necessário criarmos intervenções que sejam atrativas para todos;
* O budget cada vez mais restrito e a constante mudança que promove a necessidade constante de atualização.

Neste cenário, o gamification po­de, muitas vezes, ser a solução mais adequada para a aprendizagem e também para a transferência do conhecimento para a prática.

O conhecimento sobre aprendizagem, design instrucional e gamification devem andar juntos para que a performance esperada seja alcançada após uma intervenção de aprendizagem.

O design instrucional deve ter como foco o objetivo que se deseja alcançar e o público para quem a intervenção é desenhada. Quando o gamification é uma estratégia instrucional, além se analisar o aprendiz sob o ponto de vista de estilo de aprendizagem, é preciso analisar também o aprendiz sob a perspectiva de estilo de jogador.

Assim como as pessoas não aprendem da mesma maneira, também não jogam da mesma maneira. Enquanto alguns são extremamente competitivos, jogam para ganhar e não gostam de perder sob a pena de ficarem até mesmo deprimidos, outros jogam por razões como, por exemplo, pelo prazer do desafio, pelo desejo de superarem um obstáculo ou atingirem uma meta.

Há, ainda, pessoas que jogam muito mais pelo aspecto social, pelo altruísmo de ajudar alguém ou até mesmo salvar o mundo, ainda que virtualmente. Também nos deparamos com pessoas que jogam para explorar os elementos do jogo e descobrir o significado de cada um deles pelo prazer da descoberta. Fato é que os jogadores são protagonistas para os quais nossas soluções de aprendizagem gamificadas serão desenvolvidas e elas precisam ser tão diversas quanto são os perfis de pessoas existentes.

Os estilos de jogador estão diretamente ligados ao que eles gostam de fazer. Os tipos de interação promovida pelos jogos são diferentes assim como a meta ou objetivo dos jogos também pode ser diferente. Desta forma, é natural que cada tipo de jogador prefira um ou outro tipo de atividade.

Mesmo sendo a competição um dos tipos de interação mais conhecidos, quando o assunto é aprendizagem, a colaboração e exploração são muito ricos e podem produzir um resultado muito melhor.

#Q#

Quem deve desenvolver um programa de treinamento com gamification
As aplicações do gamification são muitas e há diversas categorias para as quais o seu uso agrega valor. Podemos, por exemplo, dividir essas aplicações em uma categoria interna e outra externa à empresa. Na categoria externa estão soluções que podem ser desenvolvidas para branding, marketing, fidelização de clientes etc. Na categoria interna estão soluções com foco em endomarketing, programas de gestão de pessoas e aprendizagem.

O que define quem deve desenvolver uma solução é a categoria na qual ela estará inserida. Há empresas especializadas em gamification para cada categoria. O cuidado que se deve tomar no caso da aprendizagem é buscar um profissional que reúna as formações em design instrucional e também gamification, pois você deve ter notado que design instrucional e gamification quase se confundem. Isso significa dizer que uma solução de aprendizagem gamificada pode ser linda e ineficaz se não estiver inserida em uma metodologia de design instrucional.

A importância da diversão
Durante muito tempo foi como se a diversão em seu mais puro significado não devesse fazer parte de nossa vida adulta, principalmente no mundo corporativo em que nossa vida profissional envolve coisas sérias como o estabelecimento de objetivos estratégicos, alinhamento entre áreas para a conquista de resultados, gestão de pessoas e tantas outras coisas.

O mundo mudou. Hoje, olhamos para o ser humano de forma íntegra, compreendendo que, muitas vezes, as fronteiras entre um e outro papel desempenhado por nós se confundem e muitas vezes até mesmo inexistem. Veja quantos aspectos essenciais às organizações podem vir atrelados a essa diversão:

Meta: os jogos têm uma meta, que consiste no resultado específico que se espera de um jogador. A meta dá a ele o senso de propósito. Exatamente o que precisamos em uma empresa para mobilizar uma equipe em busca dos objetivos estratégicos estabelecidos.

Regras: são elas que estabelecem como chegar ao resultado, limitando as formas óbvias e estimulando o jogador a explorar outros caminhos. Isso liberta a criatividade e estimula o pensamento estratégico que são hoje competências essenciais nas empresas de sucesso.

Feedback: um jogo oferece o feedback em tempo real, possibilitando ao jogador saber se está ou não indo bem. O feedback, oferecido dessa forma, dá a quem joga a garantia de que a meta é atingível e, assim, oferece motivação para que o jogador continue a jogar. Exatamente o que precisamos estimular na rotina profissional.

Participação voluntária: ao aceitar as regras e jogarmos juntos, nos comprometemos a jogar juntos para alcançar um resultado para o bem comum. Exatamente o que queremos ver acontecendo em nossas organizações!

Tipos de gamification aplicados à aprendizagem
No desenvolvimento de programas de treinamento ou soluções de aprendizagem gamificadas, como prefiro chamar, podemos utilizar o gamification de conteúdo ou de estrutura.

No gamification de conteúdo criamos uma solução específica transportando o conteúdo para a estrutura gamificada em si. Utilizamos o pensamento de games fazendo com que o conteúdo seja, por exemplo, parte de uma história ou desafios a serem superados ou problemas a serem resolvidos.

No gamification de estrutura não é necessário mexer no conteúdo e, muitas vezes, podemos aproveitar trilhas de conhecimento existentes, estimulando o engajamento por meio de um aplicativo mobile. Lembre-se: o que define o tipo de gamification e a utilização ou não dessa estratégia de aprendizagem é a definição de objetivos e design instrucional.

Gamification e tecnologia
Uma dúvida recorrente e também uma confusão bastante frequente diz respeito ao uso de tecnologia. A tecnologia é um meio de entrega e não o gamification em si. O que determina o uso ou não da tecnologia é a análise de cenário em conjunto com os objetivos a serem alcançados e o público que vai participar desta solução.

Há soluções geniais desenvolvidas com o uso de tecnologia e outras igualmente sensacionais criadas em formato de tabuleiros, atividades, metáforas e expedições.

A tecnologia deve ser sempre um facilitador e simplificador e nunca o inverso. Não há limitações para o uso do gamification se você não tiver a tecnologia à sua disposição.

Um incentivo
Esse é um tema apaixonante e que envolve várias áreas de conhecimento como, por exemplo, a filosofia, a psicologia, a aprendizagem e muitos outros. Se você é um profissional que atua com gestão e desenvolvimento de pessoas, considere trazer soluções gamificadas para sua rotina profissional.
Comece com intervenções pequenas, trazendo elementos de games para promover o engajamento e avalie os resultados obtidos, registre os pontos de melhoria e trabalhe neles pouco a pouco. Mergulhe nesse universo e divirta-se!

*Flora Alves é autora do livro Gamification – Como criar experiências de aprendizagem engajadoras. Um guia completo: do conceito à prática (DVS Editora), sócia da SG Soluções e Gestão Empresarial, ATD Designated Master Trainer e designer instrucional pela ATD

 

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