Eugenio Mussak é professor da FIA, consultor e autor / Crédito: Divulgação |
O Mito da Caverna, que consta na República, principal obra de Platão, vale ser lembrado como um alerta sobre os riscos da alienação. O trecho da obra conta que homens acorrentados no interior de uma caverna só conseguiam enxergar as sombras projetadas na parede dos fundos, que eram apenas os movimentos que aconteciam no mundo exterior. Como eles estavam nessa posição desde sempre, acreditavam que aquela era toda a realidade existente.
Quando um dos homens conseguiu, por algum motivo, sair da caverna, primeiro ficou ofuscado com o excesso de luz, depois de acostumar os olhos, surpreendeu-se com a fantástica intensidade da realidade. Quando se acostumou a esse novo mundo, que jamais ousara imaginar, voltou à caverna para contar aos seus amigos o que tinha visto. Mas estes não acreditaram nele, ficaram irritados com sua insistência e terminaram por matá-lo e rapidamente esquecê-lo. As sombras são mais confortáveis e seguras.
Eis uma história que se repete no dia a dia, basta prestar atenção. Quando pensamos ou agimos mecanicamente, sem refletir, sem discutir, sem questionar, por mero hábito ou costume, estamos apoiados em nossa percepção de mundo (nossa “caverna”), e acabamos acreditando que ela deve prevalecer sobre a percepção de mundo dos outros. Mais ainda tendemos a duvidar de que haja outras possibilidades, realidades — tal e qual os personagens do mito grego.
Há, no relato de Platão uma alusão à morte de seu mestre, Sócrates, que foi condenado a tomar cicuta pelas autoridades da época, simplesmente porque tinha como prática estimular o pensamento da juventude, o que foi entendido como uma ameaça ao poder constituído. Mas a cicuta não envenenou a mudança. De Sócrates até o século XXI o homem tem realizado um incrível exercício de aprender a pensar, ou melhor, a melhorar a qualidade da faculdade de pensar, que é própria de nossa espécie. Não é por menos que nossa espécie chama-se Homo sapiens sapiens, ou seja, somos seres que sabemos e que sabemos que sabemos.
Os biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, que lançaram as bases de uma “biologia da cognição”, concluíram o seguinte a respeito desse saber que sabemos: “o conhecimento obriga”. Em outras palavras, uma vez que possuímos o benefício da inteligência, não podemos deixar de pensar e agir de acordo. É uma questão de bom senso.
Ao saber que sabemos, podemos exercitar, e com isso desenvolver nossa capacidade de saber. Já se disse que se o pensamento diferencia os homens dos animais, a qualidade desse pensamento diferencia os homens entre si. E aí está algo que devemos cultuar: a arte de pensar, de melhorar a qualidade, de fortalecer as bases cognitivas e facilitar a ligação dessas bases com o pensamento em si mesmo.
Foi desse fenômeno que surgiram a ciência, a arte, a gestão, a inovação, o empreendedorismo. E do conjunto destes surge um mundo melhor. Isso quando o homem, que é racional, também decide ser razoável.