Gestão

Arme-se contra o mal

de Wellington Moreira em 27 de agosto de 2015

Muitos líderes táticos costumam dizer que o seu desafio profissional número um é influenciar os superiores diretos, e não podemos duvidar de que vários deles realmente enfrentem grande oposição de quem deveria ser o seu principal sustentáculo na empresa.

Todavia, na maior parte das vezes, exercer ascendência sobre os pares tende a ser uma tarefa ainda mais árdua, especialmente se você atua em uma empresa de cultura burocrática. Como não há subordinação formal entre pares, é relativamente fácil outro coordenador ou gerente dizer não ou fazer pouco caso em relação àquilo que você lhe pede quando crê que não vale a pena fornecer suporte ao seu trabalho. Da mesma forma, tampouco arcará com grandes consequências mais adiante, sendo pouco colaborativo no momento presente.

Para piorar, a resistência geralmente não é declarada. Você a sente quando a pessoa demora dois dias para responder a um e-mail que só exige cinco minutos, não comparece a uma reunião na qual a presença dela era imprescindível e só avisa em cima da hora, evita conflitos sempre que você solicita um posicionamento acerca de alguma questão polêmica ou ignora o feedback que deu sobre o fraco desempenho de um subordinado dela que é cliente interno da sua área. Por que, afinal, esse tipo de situação ocorre em boa parte das organizações?

A inveja na média gerência

A doutrina do sucesso pregada no mundo do trabalho contemporâneo impulsiona as pessoas a buscar prestígio social e o reconhecimento de terceiros, mas também traz consigo um efeito colateral indesejado para quem ocupa o papel tático de fazer acontecer: o êxito de um líder geralmente desagrada a muitos outros indivíduos, sobretudo seus pares.

A acirrada disputa pela atenção do alto staff e pelos poucos cargos de gestão estratégica disponíveis na hierarquia organizacional faz com que muitas pessoas que atuam na média gerência, por exemplo, compreendam o sucesso de um igual como prova inequívoca do seu próprio fracasso. Assim, a repulsa vem com força.

Quadro diferente daquele visto no nível operacional, em que a briga pelo poder é bem menor, os interesses são reconhecidamente próximos, as pessoas procuram proteger umas às outras, gestos de companheirismo fazem parte da rotina de trabalho e a demissão de um colega é sentida de verdade pelos demais líderes.

Já no nível estratégico, a disputa pelo poder não serve como grande motivador das pessoas, pois ele já foi conquistado. Consequentemente, a inveja não é um problema tão crítico quanto aquele enfrentado por quem desempenha um papel de média gerência e ainda pretende galgar posições superiores na estrutura organizacional.

Mas, o que pode ser considerado inveja e o que a diferencia de outros sentimentos, como ciúme e cobiça? Ciúme diz respeito ao medo de perder algo que se possui. Nas companhias, um exemplo é o daquele líder tático que fica extremamente incomodado quando vê alguém da sua equipe falando com outro gestor intermediário e logo pergunta: “O que é que vocês estavam conversando? Eu já disse que não gosto dessa intimidade que você tem com Fulano de Tal…”.

A inveja também é bastante confundida com a cobiça, mas esta é o desejo veemente de possuir algo que ainda não se tem. É o caso daquele líder que vive assediando os colaboradores das outras áreas para atuarem no seu departamento ou sonha com uma sala de trabalho igualzinha àquela do gerente de projetos.

A inveja diz respeito ao sentimento de tristeza com as conquistas do outro. O desprazer de constatar que alguém é melhor do que ele próprio em algum campo da vida, material ou não. A insatisfação que logo vem à mente ao saber que determinado coordenador ganhou um aumento de salário ou foi convidado a tocar aquele projeto de alta complexidade que o invejoso também almejava.

O jornalista Zuenir Ventura, em seu livro Inveja – O mal secreto (1998), resume a diferença dos três sentimentos na seguinte frase: “Ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem; inveja é não querer que o outro tenha”. Também é preciso destacar que a inveja geralmente é dirigida àqueles que estão mais próximos. As pessoas não se incomodam com o sucesso de quem não conhecem ou do novo astro de Hollywood que já ganha milhões e sim com as conquistas do vizinho, de um parente próximo ou do gerente da empresa que acaba de sair na capa de uma revista.

Aliás, no nível tático, quando alguém se destaca, é comum que as pessoas fiquem ressentidas acreditando que o indivíduo em questão sobressaiu injustamente e em detrimento do grupo. Ou seja, além de se dar bem, é um traidor. A partir do momento em que tal “verdade” se estabelece, não espere boa vontade com o líder em questão, mesmo que o isolar signifique prejudicar a companhia como um todo.

Os tipos de inveja

Segundo o médico psicanalista Alberto Goldin, existem três tipos possíveis de inveja: a sublimada; a neurótica; e a perversa.

O invejoso sublimado é aquele mais comedido, que guarda o sentimento para si, admite seus limites e tenta aproveitar os talentos dos outros. Nesse caso, ele raciocina sobre os fatos e, no fim, consegue reconhecer os méritos daquele a quem inveja. Dialoga consigo mesmo: “Como eu odeio a capacidade que ela tem de atingir as metas todo mês! O que será que a Maria faz para chegar sempre tão longe?”.

A inveja neurótica pertence àquele que a sente o tempo todo, porém não tem uma índole ruim. Essa pessoa acumula um sentimento de raiva por acreditar que está sendo alvo de injustiça, porém guarda para si a ira e as dores de estômago sempre que presencia o sucesso do colega. Trata-se, portanto, de alguém que se esforça para conviver com o seu sofrimento e acaba se tornando a maior vítima do ressentimento. “Não gostaria de falar mais com ele, mas como não tenho poder para demiti-lo, vou suportando do jeito que dá”, raciocina.

Quando a inveja é a do tipo perversa, é melhor ficar atento, pois a pessoa procura bloquear todas as expressões de criatividade, beleza ou talento que aparecem à sua frente. Vive para desmerecer aquilo que o invejado faz de bom, mesmo que esse tipo de atitude bloqueie o seu próprio caminho de crescimento e crie inimigos nas mais diferentes esferas. Reflete: “Se a condição para eu ganhar um aumento de salário é ela também recebê-lo, então prefiro continuar com a mesma remuneração”.

Não é fácil reconhecer esse sentimento infernal, menos ainda admiti-lo. Geralmente os líderes táticos que têm inveja insistem em chamá-la de opinião ou razão por não conseguirem reconhecê-la nem perceberem os prejuízos que causam a si próprios e àqueles que trabalham próximos deles. Por isso, é fundamental buscar autoconhecimento o quanto antes e também prestar atenção nas posturas comuns do dia a dia.

Se você perceber que apresenta muitos comportamentos típicos do invejoso e quer combatê-los, o primeiro passo é reconhecê-los e o segundo é buscar ajuda especializada (um psicoterapeuta, por exemplo). Ao mesmo tempo, não deixe de adotar ações que geralmente ajudam a diminuir o sentimento de inveja que outros gestores médios poderão ter em relação a você. Vamos conversar um pouco a respeito de algumas delas.

Boas práticas 

Se você quer obter o apoio daqueles que estão à sua volta durante a implantação de boas iniciativas ou, no mínimo, não cultivar inimigos que poderão provocar muitas dores de cabeça, é recomendável seguir algumas práticas:

> NÃO REIVINDIQUE A AUTORIA. Não torne a mudança organizacional uma vitória pessoal ou da sua área. Muitas vezes, vejo que alguns projetos não vão para a frente porque seus idealizadores ficam papagaiando a autoria, quando deveriam fazer com que ela fosse vista como um empreendimento de todos. Quem adora os holofotes não cria um clima colaborativo junto aos pares.

> PROCURE ENGAJAR AS PESSOAS, especialmente seus pares, desde o início dos projetos. A partir do momento em que você consegue comprometer os demais líderes táticos para aquilo que precisa ser feito, é muito mais difícil algum deles tomar qualquer iniciativa de boicote ao trabalho, afinal, também estaria punindo a si próprio. Para isso, procure garantir que as pessoas realizem um trabalho significativo – sob a perspectiva delas – e encontre formas de recompensá-las emocionalmente pelos resultados.

> IDENTIFIQUE POSSÍVEIS FOCOS DE RESISTÊNCIA. Antes de qualquer ação, é imprescindível saber muito bem o perfil de cada um dos seus pares para perceber logo quem poderá se opor – direta ou indiretamente – aos projetos que conduz ou, literalmente, “não vai muito com a sua cara”. Na sequência, convide esses líderes táticos para conversar, esclareça os mal-entendidos que existirem, escute com interesse aquilo que eles têm a dizer e solicite o apoio de que você tanto precisa. Agir humildemente com quem logo se opõe às suas iniciativas é a melhor forma de torná-lo grande aliado no futuro.

> NÃO TENTE SER RECONHECIDO COMO O MELHOR DE TODOS. Se você começa a aparecer demais e é alvo de constantes elogios dos superiores, é bem provável que seus pares o isolem e ainda sejam pouco colaborativos. Mesmo quando é merecedor do amplo reconhecimento, manter a humildade e compartilhar o êxito pelos feitos com os pares faz com que eles não o vejam como adversário e ainda aceitem ser liderados informalmente por você.

> EVITE QUERER SEMPRE TER RAZÃO, pois ninguém gosta de quem se apresenta como “dono da verdade”. Mesmo que você esteja certo, de vez em quando é necessário recuar nas pequenas coisas para poder, futuramente, avançar nas grandes. Dar a oportunidade de os demais líderes táticos também sentirem o prazer de guiá-lo, em vez de cultivarem a crença de que você é injusto e faz de tudo para inferiorizá-los. Portanto, quem ocupa um papel tático precisa não só transmitir aos pares o famoso “tamu junto!”. Também deve demonstrar que não quer vencer sozinho nem tampouco à custa do insucesso de quem tem atribuições ou responsabilidades semelhantes. Resumindo: equivale a estar disposto a chorar os insucessos e a partilhar os êxitos com quem é igual.

Procure engajar as pessoas, especialmente seus pares, desde o início dos projetos

 


Capítulo do livro Líder tático – Como garantir a execução da estratégia e o que fazemos quando a empresa ainda não sabe para onde ir (Qualitymark Editora), de Wellington Moreira, a ser lançado durante o 41° CONARH

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