Gestão

Abrir as contas

de Carolina Sanchez Miranda em 13 de abril de 2009

A divulgação do valor dos bônus pagos a executivos da AIG no momento em que a empresa americana está recebendo ajuda financeira do governo dos EUA levantou polêmica, mais uma vez, sobre o valor da remuneração total de altos executivos. A discussão fica ainda mais quente para as organizações que atuam no Brasil, pois é muito provável que, a partir de 2010, as companhias que têm ações negociadas na bolsa de valores sejam obrigadas a divulgar a remuneração total individual de seu alto escalão.

A exigência faz parte do novo texto da Instrução Normativa 202, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que estabelece as regras de registro de emissão de valores mobiliários e esteve em consulta pública até o final de março. “A ideia é fazer com que o investidor possa ver se a empresa está remunerando dentro de condições de mercado”, afirma Pablo Renteria, assessor econômico para assuntos regulatórios.

Segundo ele, não faz parte da atribuição da CVM interferir na política de remuneração das empresas, mas sim garantir que informações relevantes sejam fornecidas de maneira transparente aos investidores. “A consulta pública foi justamente para verificar se essa informação é realmente importante ou se há outras maneiras de assegurar um nível satisfatório de informação ao investidor”, explica. As opiniões colhidas a respeito desse e de outros tópicos da instrução normativa serão apreciadas e a expectativa é de que o novo texto da 202 seja editado até o final do ano e esteja em vigor no início de 2010.

Ao que parece, a proposta de transparência na remuneração dos altos executivos das companhias abertas está em linha com o que o mercado considera informação importante para o investidor e também encontra simpatia entre os consultores de RH. “Estamos fazendo a revisão do nosso código de melhores práticas e nela propomos que a remuneração seja aberta individualmente e de maneira detalhada, ou seja, discriminando-se o que é fixo, o que é variável e outros benefícios pelo menos entre executivos do conselho e diretoria. Espera-se também que se coloque a remuneração média dos executivos, além de se apontar qual é a maior e qual é a menor”, conta Heloisa Bedicks, diretora-executiva do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Para Leonardo Salgado, gerente da prática de remuneração executiva do Hay Group, é fundamental para os investidores saber o que está no contrato de desempenho dos executivos. “Isso é extremamente positivo, apesar de ser uma ruptura com os padrões brasileiros. É diferente e esquisito, mas é o caminho de uma boa prática de governança corporativa. E acho difícil, no atual cenário, alguém se posicionar contra uma mudança como essa”, comenta.

Outros questionamentos da CVM na consulta pública foram exatamente em relação ao cenário cultural e social brasileiro. A minuta sobre o novo texto da instrução normativa 202 pergunta sobre a possibilidade de os executivos não terem interesse em ocupar cargos nos quais sua remuneração seja exposta ou exigir valores mais altos por conta disso, considerando sua segurança. “A questão de segurança há de ser considerada no nosso país. Mas também há de se considerar que a remuneração de outros profissionais, como jogadores e artistas famosos, muitas vezes também é tornada pública. Além disso, o simples fato de se andar com um carro importado em São Paulo já evidencia uma renda elevada”, argumenta Heloisa.

Para Fernando Tadeu Perez, da FPerez Consultoria, os executivos não perderão o interesse por essas posições, pois elas oferecem uma remuneração diferenciada. “A tendência é de que o pessoal prefira ganhar mais, mesmo com o inconveniente. Hoje, há quem recuse o cargo de diretor estatutário de banco, face aos riscos que se corre. Um em cada milhão. Acredito que a proporção continuará sendo a mesma”, comenta.

Na visão dos consultores, ao contrário de repelir, a medida pode até atrair talentos. “Evidente que com um sistema totalmente transparente, bem azeitado, lógico e justo você aumenta a atração por talentos, pois todos, conhecendo a regra do jogo, saberão que, se fizerem sua parte, ganharão mais. Isso gera mais motivação”, pondera Perez.

Desafio para o RH
A nova exigência da CVM virá acompanhada de um processo de mudança cultural dos executivos e também da necessidade de aprimoramento dos profissionais de RH na definição de suas estratégias de remuneração. “Isso vai forçar as empresas a terem uma política muito mais séria de remuneração para seus executivos. Agora, vai dar trabalho no primeiro ano. Então, acho bom que, já em 2009, as companhias façam sua lição de casa e verifiquem eventuais distorções, para evitar conflitos no ano que vem”, alerta Salgado, do Hay Group.

Para Heloisa, do IBGC, os RHs e os executivos não estão preparados. “É um problema cultural latino. Se eu perguntar a um executivo quanto ele ganha, ele vai ficar constrangido. Mesmo países europeus, como Espanha e Itália, não têm o grau de transparência que os países nórdicos e anglo-saxões têm. Mas acho que é uma questão de aprendizado”, comenta.

Tanto o assunto é delicado e complexo para os responsáveis pelo RH nas empresas, que a reportagem teve dificuldade em encontrar pessoas dessa área dispostas a falar sobre o tema. Perez, da FPerez Consultoria, acredita que essa dificuldade seja decorrente, além da complexidade, também da falta de tempo e, eventualmente, de interesse pessoal do profissional da área em ter estudado o assunto. “A carga de trabalho nesta época de crise tem obrigado o pessoal de RH a trabalhar nas ações de curto prazo. O que é um erro”, comenta. “Mesmo para nós, consultores, ainda será necessário mais tempo para uma análise mais detalhada e aprofundada”, complementa.

Os conselhos de administração também enfrentarão um desafio. Hoje, a remuneração do alto escalão já faz parte da pauta dos conselhos das organizações com capital aberto e também tem de passar por assembleia para ser aprovada, mas Heloisa acredita que os conselheiros terão de se envolver mais na definição da estratégia, a partir do momento que ela tiver de ser detalhada publicamente.

Bônus não acaba
Nesse contexto, um item que merecerá bastante atenção na remuneração total dos altos executivos será o bônus. E vale a pena incluir aqui um comentário esclarecedor a respeito da polêmica em torno dos valores pagos recentemente aos executivos da AIG. “Bônus garantido não é bônus, não foi incentivo de longo prazo, mas incentivo pago a prazo. Contratualmente, aqueles valores estavam garantidos e não atrelados ao resultado do negócio”, explica Salgado, do Hay Group.

Ele acredita que o equívoco maior não está relacionado ao valor pago, mas ao que foi remunerado. “No momento da decisão, parecia uma boa ideia para o acionista pagar para segurar os executivos. No entanto, o correto seria atrelar o bônus ao valor gerado por esses profissionais para os acionistas. Por isso, no caso da AIG, o prêmio pago não deveria nem ser nomeado de bônus, mas sim custo de captação de executivos”, conclui o consultor.

Heloisa, do IBGC, lembra que a remuneração variável é importante como um alinhamento de interesses entre os executivos e os acionistas. “E isso é positivo, desde que se pense no longo prazo”, diz. Por essa razão, o bônus não se tornará uma “praga”. “Ele terá, sim, é que ser mais transparente e pago de forma mais realista a quem realmente trouxe resultado para o acionista, e não como é hoje, muitas vezes oferecido de acordo com o nível hierárquico, sem se considerar contribuições individuais”, aponta Perez, da FPerez Consultoria.

Os valores, no entanto, não devem ser reduzidos, apenas ajustados. “Principalmente em 2009, as pessoas precisam estar bem motivadas para conseguir fazer mais com menos, por isso devem ser bem premiadas. E não se espante se o bônus pago este ano for maior do que o pago em 2008, porque quem conseguir fazer resultado na crise tem de ter um prêmio proporcional ao desafio”, finaliza Salgado.

 

Transparência é o nome do jogo

E bom senso sempre ajuda a chegar aos melhores placares, diz especialista

 

Patto, da Mercer: indicadores que traduzam a perenidade da organização. (Foto: Gustavo Morita)

Quanto vale um executivo? Há um ano, o consultor Joaquim Patto, da Mercer, dava boas pistas de como calcular o valor do contracheque de um profissional: “A pessoa vale quanto vale a sua história”, disse em entrevista a MELHOR. Naquela época, discutia-se se valia tudo para turbinar a remuneração de um executivo. Isso porque, na França, descobria-se uma fraude de 7 bilhões de dólares num dos mais tradicionais bancos europeus: o Société Générale (SocGen).

O autor do golpe, de acordo com a própria instituição financeira, era Jérôme Kerviel, um jovem que queria apenas melhorar, mesmo que de maneiras pouco ortodoxas digamos, os resultados da empresa para ter um bônus melhor. Agora, com a discussão em torno da AIG, o banco francês voltou a aparecer na mídia: quatro diretores renunciaram, no início de março, ao recebimento de cerca de 340 mil opções de ações como bônus. Foi a saída encontrada diante das pressões de sindicatos e do governo, que ameaçou criar uma legislação própria para as bonificações dos executivos e que colocou 1,7 bilhão de euros no SocGen.

“Aqueles que batem o pé e fazem beiço pelos bônus em momentos como este não estão alinhados com as estratégias da empresa a longo prazo. Na verdade, não estão ligando para o futuro da empresa. E quem quer um funcionário assim? Eu pagaria o bônus e mandaria embora no dia seguinte”, afirma Patto.

A partir de agora teremos muitas mudanças na remuneração?
Não vamos retornar aos cenários que existiam antes da crise de 2008, do ponto de vista de remuneração, e não teremos como padrão, por exemplo, os termos que os governos dos EUA e de alguns países da Europa estão aplicando nas empresas em que injetaram altas somas e das quais, agora, são uma espécie de acionistas majoritários. Até porque governo não sabe fazer a gestão de um banco – ao menos não é o seu core business. Assistimos a ações emergenciais nesse sentido, nada mais. Acredito que daqui a dois ou três anos teremos uma nova estratégia de remuneração. As empresas globais vão passar por um período de reestruturação das políticas de remuneração, que irá afetar, inclusive, os salários de executivos nos países em que possuem subsidiárias. Por mais que uma empresa aqui apresente bons resultados, a orientação corporativa de remuneração será repassada.

Mesmo na área financeira?
Nossa indústria financeira é formada por grandes bancos cujo capital é nacional. Eles não estavam metidos naquela encrenca do crédito imobiliário. Mas não estão imunes à crise. Ela vai deixar seus impactos nesse segmento. Na medida em que os bancos globais que também estão no Brasil estiverem repassando os reflexos da crise na remuneração de seus executivos, teremos consequencias no mercado. A pergunta que poderá surgir em muitas instituições financeiras será: “Por que vamos manter os atuais patamares de remuneração, se a indústria, no mundo, reduziu esses parâmetros?”

O que se pode esperar da remuneração daqui para a frente?
O mix da remuneração vai mudar sensivelmente: as políticas de curto prazo vão dar lugar às de longo prazo. Mas, aqui, não falamos necessariamente em ações. Um dos caminhos para isso é o diferimento. A empresa vai diferir parte dos ganhos do executivo para pagar em dois ou três anos. Isso demanda a escolha de novos indicadores na remuneração. Indicadores que não estarão baseados no lucro anual, nem em valores de ações na bolsa, mas na perenidade da organização a longo prazo. Há também um outro aspecto que, deve estar ligado à estratégia de remuneração, que são métricas atreladas ao risco. Tudo isso reforça a necessidade de uma maior atenção a alguns aspectos que comentei há um ano na entrevista: compliance e governança corporativa. Esses são elementos essenciais para uma empresa sobreviver hoje em dia.

Os executivos da AIG estão certos em bater o pé, exigindo o bônus?
O que é contratado não sai caro. Contratos foram feitos para serem honrados, sem dúvida. Mas vivemos num período sem precedentes. Isso faz com que deva existir sempre o discernimento ou o bom senso das pessoas para avaliar a necessidade de rever contratos em função de novos fatores ou de cenários. Qualquer executivo de bom senso percebe isso. Aqueles que batem o pé e fazem beiço pelos bônus em momentos como este não estão alinhados com as estratégias da empresa a longo prazo. Na verdade, não estão ligando para o futuro da empresa. E quem quer um funcionário assim? Eu pagaria o bônus e mandaria embora no dia seguinte.

O senhor é a favor da publicação da remuneração dos executivos de empresas com ações na Bolsa?
Nos países desenvolvidos, os cinco maiores salários de uma empresa são publicados em balanço financeiro. Sempre há resistências em tornar isso público, mas é um caminho sem volta. É natural que uma medida como essa seja tomada, até para o bem dos negócios. Transparência é fundamental e se impõe como o nome do jogo – ainda mais em tempos de crise.


Ainda fica a pergunta: é pecado querer ganhar bem?

Saímos da tirania dos executivos e entramos na ditadura dos acionistas na determinação da remuneração. Isso se reflete, em muitos casos, na visão imediatista de resultados, sem se importar em como alcançá-los, mas apenas no quanto. É deixar a qualidade de lado, que seriam as formas de se obter as metas, e focar na quantidade para agradar acionistas e garantir polpudos bônus. Não há mal nenhum em se querer uma boa remuneração, seja por parte dos executivos ou dos acionistas. A questão é saber como se chega e em que condições se obtêm esses resultados.

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