Adalton tem 22 anos e trabalha como analista de e-commerce num grande site de compras coletivas. Há dez meses na casa, já procurou seu gestor duas vezes para reivindicar aumentos. Adalton não se conforma em receber 40% menos que os colegas com mais experiência e anos de casa que entregam resultados de venda iguais ou inferiores ao dele. O jovem analista também acredita que por ser supostamente mais engenhoso e criativo que seus colegas deveria receber um tratamento à altura de seu desempenho, o que inclui ter uma mesa maior e não ser repreendido quando demora demais no almoço.
A situação do analista é um caso real que o consultor Marcos Gomes, da GR Recursos Humanos, ouviu de um gestor que o contratou para um serviço de coaching. Segundo o especialista, seu cliente estava perturbado com o fato de o comportamento de Adalton gerar intrigas, ciúmes e competição excessiva na equipe, jogando por terra um clima fraternal que o executivo sempre cultivou entre seus subordinados. “Apesar de complexo, esse não é um caso difícil de responder. Eu disse para o meu cliente pesar claramente os benefícios e prejuízos causados por Adalton. Uma gestão ´´´´´´´´filiativa´´´´´´´´, marcada por funcionários que se ajudam – e encobrem os erros uns dos outros – pode não ser a melhor forma de obter resultados em vendas. Talvez, o comportamento de Adalton possa ser usado como motivador para que todos os membros do time persigam resultados mais altos”, diz Gomes.
Para o consultor, no entanto, se a avaliação concluir que o ego de Adalton traz mais confusões que resultados, ou seja, se ele não for um analista que faça a diferença para melhor, é mais recomendável que o jovem seja demitido da empresa. “Não faz sentido manter alguém na equipe que causa problemas e não exibe uma performance exuberante. Não sou contra os egocêntricos, mas avalio que eles devem provar na prática por que são especiais. Se mostrarem resultados acima da média, a reação da equipe será compreender seus privilégios como recompensa por deu desempenho. Mas, se for uma pessoa mediana, suas atitudes egocêntricas criarão um clima de injustiça no time”, conta o especialista da GR.
Na avaliação de Celso Bazzola, diretor da Bazz Estratégia e Operação de RH, funcionários de ego inflado são muito comuns no mercado e se mostram mais ou menos agressivos de acordo com a cultura da organização em que estão alocados. “No varejo, em vendas e nas companhias de metas agressivas, há mais espaço para esse comportamento florescer. É uma decisão da empresa empregar ou não pessoas com esse perfil, que invariavelmente será conflituoso. Se optar por acolher profissionais com essa característica, o RH deverá orientar seus gestores para administrar o ego de seus subordinados com especial atenção”, diz Bazzola.
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O consultor diz que ainda no processo seletivo é possível identificar profissionais com perfil mais ou menos egocêntrico. “Quando você afronta ou contraria alguém com ego elevado numa entrevista de emprego, se ele for inteligente, não vai responder à altura. Mas mostrará desconforto com isso. Um entrevistador experiente consegue notar esse tipo psicológico e fornecer insumo para quem decide a contratação”, explica. Uma vez dentro da equipe, o colaborador egocêntrico poderá ser usado como motivador ou elemento de desagregação no time, dependendo da abordagem de seu gestor.
Para o especialista da Bazz, caberá ao líder da equipe orientar a relação do funcionário mais arrogante com o resto de seu time. Uma dica que o RH pode compartilhar com seus gestores é montar equipes com perfis psicológicos complementares. Duas pessoas com egos elevados no mesmo projeto podem formar uma combinação explosiva. Já a parceria entre alguém mais agressivo com um colaborador de médio desempenho poderá motivar o funcionário de comportamento mais modesto a melhorar sua performance. Ou ao menos a passar a defender melhor seus feitos.
Craques do futebol
Para Bazzola, o RH deve ser capaz de transmitir para seus gestores treinamentos e ferramentas capazes de capacitá-los a lidar com egos elevados. Uma comparação feita pelo consultor relaciona o comportamento dos craques de futebol à vida corporativa. No Corinthians de 2009, por exemplo, o afamado atacante Ronaldo era visivelmente privilegiado no elenco. Ele escolhia em que jogos atuar, podia chegar à concentração mais tarde que os demais e não havia punições por ser um atleta acima do peso.
Os privilégios do ex-atacante da seleção brasileira só não causaram uma revolta no elenco porque havia uma clara compreensão de que ele era um atleta muito acima da média, capaz de decidir jogos em poucas jogadas, como fez no primeiro semestre daquele ano, quando o clube paulista venceu dois campeonatos. “Naquele momento, o clube tinha um atleta que não cumpria as regras da casa, mas os benefícios que ele trazia eram tantos que a empresa Corinthians entendeu que valia a pena fazer concessões”, diz Bazzola. O fato de existir uma estrela no time, pelo contrário, motivou jogadores de outros clubes a querer jogar no Corinthians, para estar perto de Ronaldo.
Bazzola, da Bazz Estratégia: o colaborador egocêntrico pode ser usado como motivador ou elemento de desagregação no time |
Na avaliação de Bazzola, boa parte das empresas possui cultura organizacional que valoriza as pessoas de alto desempenho, concedendo benesses como as que o time paulista conferia a Ronaldo. O sinal de alerta acende, no entanto, quando a pessoa que se julga acima das demais está longe de ser um craque na vida corporativa. Para Marcos Gomes, profissionais de ego elevado que não convencem seus colegas e seu chefe de que, de fato, vale a pena suportar seu comportamento devem ser enquadrados. “O primeiro passo é ter uma conversa franca com o colaborador e mostrar os pontos em que ele arrumou conflito com a equipe. Usar dados e fatos para persuadir um funcionário é uma técnica elogiável.
Se a partir dessa conversa ele não mudar de atitude de modo satisfatório e seu desempenho não superar os problemas que causa, a melhor saída será desligar o colaborador. De acordo com Davi Carlos, consultor da Fundação Getulio Vargas e especialista em clima organizacional, os profissionais egocêntricos tornam-se um ponto de especial preocupação quando chegam aos níveis hierárquicos mais elevados. Afinal, em níveis mais altos o comportamento egocêntrico pode influenciar mais os resultados da empresa. “Quando está na liderança, o egocêntrico gera medo, não dá espaço para os outros crescerem, as ideias mais importantes são as dele e os erros são sempre dos outros”, descreve. Para o consultor, há nesse caso uma inversão de valores: a organização serve a ele e não ele à organização.
Por outro lado, na função de um membro da equipe, o egocêntrico pode criar conflito com a liderança, por querer sobressair em relação a seu chefe. Ambos os cenários são muito ruins para as empresas e, nesse contexto, os especialistas recomendam uma ação do RH, como poder externo e moderador, para regular estas relações. “É importante sinalizar para o chefe de alguém egocêntrico que o poder está com o gestor e que a companhia privilegia resultados, competência e comportamento ético. Uma empresa não tem benefícios ao valorizar só o marketing pessoal”, diz Carlos. Para o especialista, essa intervenção tem o poder de extinguir inseguranças e desestabilizações na equipe.
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Valores da empresa
O gestor deve ser orientado ainda a conversar com seu subordinado e alertá-lo sobre os valores da companhia e sobre os obstáculos que alguém egocêntrico encontrará para ascender naquela organização. Para Carlos, se o profissional realmente for alguém que acredita ser muito melhor que os demais, ele próprio acabará deixando a companhia após ser confrontado com tais regras. Ainda que um feedback do tipo possa levar à desmotivação e até à saída do profissional de ego elevado da companhia, esse risco é considerado menor do que deixar que alguém de personalidade difícil gere descontentamentos em toda a equipe. Se ele tiver maturidade, no entanto, a conversa pode ser um ponto de inflexão para o funcionário de elevada auto-estima e fazer a organização ganhar um excelente colaborador.
Consenso entre os especialistas é o fato de esse tipo de perfil profissional estar em ascensão nas empresas, impulsionado pelo fenômeno da entrada no mercado de uma nova geração de jovens, mais habituados ao sucesso e menos tolerantes com a frustração, a chamada geração Y. Se sua organização depende massivamente de jovens trabalhadores, pode ser inevitável confrontar-se com a necessidade de gerir muitas pessoas egocêntricas.
O id, o ego, e o superego
De acordo com o dicionário Aurélio, “egocêntrico” é alguém que toma a si próprio como referência para tudo ou que se preocupa unicamente consigo mesmo. Para a psicologia, esse tipo de persona é alguém que possui o ego mais destacado na tríplice composição entre ego, id e superego. Os três termos foram criados por Sigmund Freud, em 1920, quando o psicanalista austríaco publicou sua teoria da personalidade, que se tornou uma referência para compreender o comportamento humano. Para Freud, o id representa nossos instintos mais primários, como o desejo sexual, a busca pela sobrevivência e pelo prazer. De forma extremamente simplificada, podemos dizer que o superego é a antítese do id, ou seja, o conjunto de habilidades que nos leva a refrear nossos desejos, conformando-os às regras sociais.
É o superego equilibrado que assegura às pessoas a capacidade de não agredir alguém com quem estejam furiosas ou não atacar sexualmente uma pessoa que lhes provoque desejo. Já o ego ou “eu”, é para Freud o centro da consciência, é a soma total dos pensamentos, ideias, sentimentos, lembranças e percepções sensoriais. Ego é o conceito que Freud utiliza para designar o conjunto de processos psíquicos e de mecanismos pelos quais o organismo entra em contato com a realidade objetiva.
O ego seria um guia do comportamento do organismo à luz da realidade. É certo que ele faz eco das demandas do id e dos seus desejos, mas a sua função consiste em satisfazê-los ou não, segundo as possibilidades oferecidas pela realidade. No caso dos egocêntricos, essa balança pende fortemente para o desejo de realizar todos os desejos… o mais breve possível.