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Verbas rescisórias em tempos de coronavírus

Como ficam as rescisões nas demissões decorrentes da quarentena por Covid-19

de Erika Mello em 30 de março de 2020

Nesse cenário inesperado e abrupto da pandemia de Covid-19 com estado de calamidade pública – reconhecido no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 06/2020 –, e diante da imprevisibilidade atual do período pelo qual a situação deve perdurar, muitos empregadores se viram diante da necessidade de considerar a dispensa dos empregados.

Uma reflexão é inevitável, especialmente em tempos de crise econômica: “se as demissões não são uma escolha do empregador, mas sim uma consequência de interrupção das atividades da empresa por determinação do Governo/Estado/Município, como fica a questão das verbas rescisórias e a responsabilidade pelo seu pagamento?”.

O empregado, por sua vez, se questiona se pode ser prejudicado nas verbas devidas pela eventual rescisão do seu contrato de trabalho. Ele também não teria dado causa nem à situação de interrupção das atividades, nem à situação da demissão.

O aumento das rescisões dos contratos de trabalho, trouxe a público, especialmente após pronunciamento do Presidente da República, o questionamento sobre a participação e a responsabilidade do ente federativo responsável pela intervenção na atividade, nas verbas decorrentes da ruptura da relação entre empregador e empregado.

O art. 486 da CLT, de fato, trata do que chamamos de “factum principis” ou “fato do príncipe”, determinando que “No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável”.

O destaque desse dispositivo legal da CLT ocasionou interpretações de  sua aplicação no cenário atual. Por exemplo, as empresas impactadas com essas medidas poderiam rescindir os contratos de trabalho repassando todas as verbas decorrentes ao ente responsável pela edição dos decretos e outras normas de intervenção/paralisação das atividades empresariais.

Vamos desmistificar alguns pontos imprescindíveis:

  • O dispositivo só se aplica nos casos de rescisão dos contratos de trabalho decorrente da situação de paralisação das atividades. Ou seja, não é possível utilizá-lo para atribuir ao Estado o pagamento dos salários e encargos por contratos de trabalho mantidos ativos ou suspensos no período de paralisação temporária.
  • Nesse momento, estamos diante de uma emergência mundial sanitária e econômica que determinou essas intervenções. Assim, o empregador que se socorrer dessa prática deve estar preparado para enfrentar discussões judiciais sobre a responsabilidade do ente governamental e seus limites.
  • Também precisará demonstrar que a rescisão do contrato de trabalho só ocorreu em virtude da paralisação das atividades decorrente da intervenção do Poder Público.
  • Nessa hipótese, são devidas todas as verbas rescisórias cabíveis na dispensa sem justa causa. E na interpretação majoritária da Justiça do Trabalho, o ente federativo responsável pela paralisação das atividades só responde pelo pagamento da indenização compensatória de 40% sobre o saldo total do FGTS.
  • Concluindo, ao dispensar o empregado invocando o “factum principis”, continua sendo responsabilidade do empregador o pagamento das verbas rescisórias ordinárias como saldo salarial, férias + 1/3, 13º salário.

Sobre a indenização pelo aviso prévio, o entendimento majoritário é de que não seria aplicável diante da imprevisibilidade do empregador. Seria, sim, devido e atribuível tanto ao empregador quanto ao ente público responsável. Logo, em eventual questionamento futuro, o empregador pode ter atribuído o dever de pagar o aviso prévio não quitado na rescisão.

Como opção de medida específica, mas aplicável apenas no caso de extinção definitiva da empresa, ou de um dos estabelecimentos, temos a rescisão dos contratos de trabalho por motivo de força maior prevista no art. 501 da CLT. Nesse caso, justificada pelo artigo , §único da MP 927/2020 (estado de calamidade pública), que prevê, nessa hipótese, o pagamento das verbas rescisórias pela metade, sem atribuição de nenhuma parcela de responsabilidade ao ente público.

O momento requer cautela, diálogo, flexibilização com bom senso e equilíbrio de todos. As ações devem ser consistentes para encontrar as medidas mais adequadas às necessidades de cada cenário.

Este período exige muitas adaptações para continuidade das atividades empresariais e profissionais. Lembrando que o trabalhador desempregado é o consumidor que não consome.

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Erika Mello

Erika Mello é advogada do escritório Pires & Gonçalves - Advogados Associados, especialista em Direito Trabalhista. Palestrante, Coordenadora do Curso de Compliance Trabalhista e Professora dos cursos de Gestão Jurídica, MBA e Pós-Graduação da FIA – Fundação Instituto de Administração.