Como as empresas devem se preparar para o processo de retomada e criação de um “novo normal”? Um caminho sem volta, certamente, é o da transformação digital, realidade imposta a muitas organizações de maneira forçada, como destaca Luis Lobão, professor de estratégia e governança da HSM Educação Corporativa.
Em entrevista ao editor de Melhor RH, Gumae Carvalho, Lobão traça considerações importantes sobre os novos hábitos dos consumidores e suas relações com as empresas, aponta as fases de transição para o mundo pós-covid-19 e o papel que o RH tem de exercer.
Chegou a hora de as empresas mostrarem, de fato, quais são seus valores e propósito em meio a essa pandemia?
A pandemia de covid-19 está forçando o mundo a se transformar – digitalmente, por sinal. E como a crise é temporária, mas a transformação não, as revoluções que estamos testemunhando deixam sementes plantadas, com os frutos sendo colhidos muito em breve. Já temos exemplos ao redor do mundo que comprovam como a tecnologia, se usada com sabedoria e visão de futuro, não somente ajuda a frear uma pandemia como a do coronavírus, como também a criar uma sociedade cada vez mais evoluída. Tenho mostrado o pequeno esquema abaixo para empresários, conselheiros e gestores, para entenderem as fases e a dinâmica da crise. E o grande paradoxo desse processo é que a empresa que for mais eficiente para proteger o caixa na fase 1 poderá criar os maiores atritos com seus stakeholders! Reforço a questão de preservar o propósito e seus valores, pois as empresas que gerarem um impacto positivo neste momento serão recompensadas num futuro próximo. As empresas precisam entender que neste momento o mantra empresarial “ser a melhor empresa do mundo” mudou radicalmente para “ser a melhor empresa para o mundo”.
Na sua opinião, o que vai mudar (ou deve) na relação das empresas com as pessoas?
Agora, parece óbvio que as empresas tradicionais sem qualquer vocação ou esforço digital sucumbirão diante de modelos de negócio em plataforma, que ligam a indústria e serviços ao consumidor final, tudo a partir de um clique. A crise desencadeada pelo coronavírus é uma crise sem precedentes, sem previsibilidade, sem fronteiras! E com reflexos humanitários, sociais, econômicos e culturais. O impacto ainda é incalculável em todas as dimensões dos negócios. Quem ainda não estava pronto para se transformar digitalmente está se vendo obrigado a fazer isso à força (e às pressas). Uma das consequências da pandemia é a necessidade de as empresas contarem com soluções online para manter seus negócios em andamento. Até pouco tempo atrás, o home office era descartado por uma série de empresas e agora se destaca como a alternativa mais segura e eficiente. Em poucas semanas, a telemedicina despontou como modelo fundamental de assistência à saúde, as videoconferências como solução de estudos e o e-commerce para a garantia de mantimentos sem sair de casa. Ou seja, a transformação digital passou rapidamente de um “tema de discussão” para um “tema de ação”! A inédita experiência dos consumidores em adquirir produtos sem as lojas convencionais a sua disposição tem forçado um aprendizado importante e tende a promover uma mudança de hábitos que poderá acelerar a expansão do consumo digital. E isso nos leva de volta ao significado original de “crise”: a situação atual é um momento de decisão e nos oferece uma escolha. Ou tentamos reconstituir o mundo tal como era antes dessa ocorrência catastrófica ou aproveitamos esse acontecimento como o momento fundador de uma narrativa global unificadora – uma narrativa que reconheça que, a despeito de nossas múltiplas diferenças e da variedade de grupos a que pertencemos, somos todos corpos vulneráveis extremamente dependentes uns dos outros e de sistemas de boa governança.
E em termos de liderança? O que essa crise nos ensina?
Podemos afirmar que a maioria das organizações e seus respectivos líderes ao redor do mundo não estavam preparadas para navegar por este período de incertezas. E o que aconteceu nas últimas semanas? Estamos observando uma grande mudança no perfil de consumo: inicialmente, consumidores comprando e estocando produtos além de suas necessidades (gerando ruptura no abastecimento e algum pânico). A segunda observação é que está havendo uma mudança drástica do seu wallet share (gasto do seu orçamento ou compras), focando produtos de primeira necessidade (alimentação, farmácia e serviços básicos) em detrimento ao seu perfil de consumo habitual. Por fim, um aumento significativo de compras por canais online e delivery (já podemos observar um crescimento significativo em alguns setores), hábito que poderá ser adquirido pelos consumidores depois da crise. O consumo de produtos para bem-estar e a valorização do tempo como bem precioso também farão com que o e-commerce e as vendas online em geral tenham o seu grande momento de consolidação. Nesse sentido, o resto do mundo em geral está bem mais à frente e já tem o e-commerce como serviço estabelecido. A realidade é que a mudança não tem volta! Para que empresas e marcas sobrevivam, o canal online terá de ser uma realidade para os negócios, definitivamente a transformação digital será forçada. Empresas que não ofereciam opção de contato ou compra remota (e-commerce/delivery) viram nessa modalidade a única saída para manutenção dos negócios neste momento. Compreender o impacto da conveniência e o comportamento de consumo remoto recorrente para o consumidor, contudo, é algo que irá além das prateleiras virtuais e das soluções pontuais para passarmos por estes meses turbulentos. Teremos como consequência um novo modelo de varejo e o canal tradicional terá obrigatoriamente de se reinventar, caso contrário fará parte da lista de empresas que ruíram durante a crise da covid-19. Os líderes organizacionais precisam entender rapidamente a dinâmica dessa mudança, precisam desenvolver um midset digital,pois a transformação digital irá revolucionar o mercado daqui para frente.
Identifique os gaps de sucessão em cargos críticos e defina ações de contingência em caso de quarentena ou inatividade prolongada dos seus gestores ou cargos críticos
E como deverá ser o mundo, o novo normal depois desta crise? E como se preparar para ele?
Vamos ter um comportamento desse mercado marcado em três grandes fases. Por falta de um modelo histórico similar, fazemos uma análise com dados que temos até o momento, e acreditamos que possamos cometer um erro ao tentar fazer essa previsão durante a “tempestade”. Corremos um maior risco dessa previsão, na duração das fases. Acredito que esse erro será pela nossa visão otimista! Aqui apresentp um quadro resumo de cada uma das fases da crise:
Aqui vão algumas recomendações para criar o seu “novo” futuro: garanta que seu comitê de crise e o comitê de retomada do crescimento (fases 1 e 2) criem planos e atuem em plena carga, de forma autônoma e multidisciplinar para lidar com os desafios neste momento. É importante garantir a segurança e o bem-estar aos seus funcionários que estarão envolvidos nas operações essenciais de retomada da sua empresa. Busque, na fase 1, identificar os gaps de sucessão em cargos críticos e defina ações de contingência em caso de quarentena ou inatividade prolongada dos seus gestores ou cargos críticos. Na fase 2, é fundamental desenvolver uma visão sistêmica, reveja seu modelo de governança e sistemáticas de análise de dados e tomada de decisão. Priorize, nas fases 1 e 2, o fluxo de caixa – neste momento de grande incerteza sobre a duração do impacto da crise, o mais seguro é preparar para o pior cenário. Pratique a solidariedade e empatia, apoiando a sua comunidade. Não foque os pontos negativos e nem entre em pânico. Ajude como puder a garantir que a crise no setor produtivo não se torne uma crise de abastecimento, fazendo com que o produto chegue ao consumidor final. É possível aproveitar esse momento para mudar estratégias, ganhar agilidade, ser mais eficiente e relevante e sair mais preparado para a fase 3.
Resumindo: é importante, nessa retomada, estar realmente centrado no seu cliente, oferecendo um serviço personalizado e sem atrito, melhorando a experiência de compra. Também será necessário utilizar o comércio eletrônico e as mídias sociais para se comunicar com seus clientes. O e-commerce tem crescido exponencialmente e uma das grandes vantagens de ter sua loja online é o custo de montagem ser bem menor do que o investimento necessário para abrir uma loja física, pois você não terá gastos fixos como o do aluguel de um espaço físico, por exemplo. Uma pesquisa realizada pelo IEMI – Inteligência de Mercado, realizada e divulgada durante a fase 1 da crise, analisando o varejo de vestuários e calçados, pode nos ajudar a entender essa mudança no comportamento de compra. Alguns destes comportamentos podem se tornar grandes tendências de consumo para esse “novo normal” em todas as atividades do varejo. Segundo a pesquisa: 51% dos consumidores afirmam ter recebido ofertas de produtos pelo celular após o fechamento da lojas físicas; 68% estão pesquisando os produtos que desejam comprar, sem notar qualquer dificuldade com os canais online que estão consultando, neste momento; os canais mais utilizados para se comunicarem têm sido o site da loja (58%), o WhatsApp (38%), o aplicativo da loja (38%) e o Instagram (37%). O dado mais impressionante é que 29% dos consumidores afirmam que quando tudo voltar ao normal, pretende voltar a comprar esses produtos, mas de uma forma mais comedida e economizar o que for possível.
O que, na sua avaliação, o RH deveria estar fazendo agora e não o faz? E como deverá ser a postura dele depois desta crise?
Aqui vou fazer a recomendação que está se tornado muito repetitiva: precisa ser protagonista, liderar a gestão desta crise… Existe muita insegurança, muita pressão psicológica agravada pelo quadro de ansiedade do desconhecido. O RH dever ter uma visão racional, na fase 1, para garantir velocidade das ações, com segurança jurídica. Muitas novas regras e regulamentações trabalhistas estão em curso, e o RH precisa trazer a assistência jurídica para sua sala e entender profundamente as novas regras. Na fase 2 o RH deve cuidar das pessoas!
É importante garantir a segurança e o bem-estar aos seus funcionários que estarão envolvidos nas operações essenciais de retomada da sua empresa
Como a onda de transformação digital tem sido impactada pela pandemia ou tem impactada as empresas neste momento, até como uma tábua de salvação, a exemplo do grande número de organizações que aderiram (forçadamente) ao home office?
Se você é empreendedor, empresário ou gestor, provavelmente você já jogou seu business planno lixo. A influência do modelo freemium, que impulsionou um rápido crescimento para ferramentas como, por exemplo, o Zoom, o Hangout Meet, o Skype, Slack ou Loom, entre outras tantas opções, criou um novo hábito para além dos eventos corporativos, atraindo novos usuários de diferentes idades e classes sociais para também comemorarem aniversários, visitar virtualmente amigos e parentes e até para divertidos happy hours. Com esse tipo de modelo, essas ferramentas oferecem serviços gratuitos para reuniões menores e menos complexas para impulsionar a adoção viral de suas plataformas. Recursos corporativos mais complexos, com maior capacidade, integração com sistemas de vídeo de sala e provisionamento via diretórios, tornam-se cada vez mais necessários e com isso nasceu um novo modelo de negócio gerado durante a quarentena, com receita recorrente e recursos cada vez mais completo. A adoção do modelo freemium contribuiu para a pressão descendente dos preços no mercado de soluções para reuniões. Além disso, a exposição a ofertas gratuitas ou baratas da Microsoft e Google aumentou a familiaridade e o conforto dos usuários com bate-papo, vídeo e compartilhamento de conteúdo. O consumidor digital incorporou em suas expectativas de decisão de compra questões catalisadas pelas ferramentas digitais, como instantaneidade, redução de burocracia, quebra de barreiras geográficas, autonomia, transparência, entre outros. Nasce aqui o verdadeiro consumidor empoderado. Outra grande herança, e talvez a mais importante que a covid-19 irá deixar para os pais, é o aprendizado que os filhos em idade escolar irão levar. Os canais no Youtube batem recorde de visualizações. Os vídeos online ajudaram a complementar o conteúdo escolar. Com a suspensão das aulas presenciais, estudantes têm encontrado em canais do Youtube uma opção para manter a rotina de estudos. A maior demanda durante a pandemia fez os professores mudarem o conteúdo trabalhado nos vídeos, trazendo mais dinâmica e focando a retenção do aluno ao longo dessa nova jornada, sendo que o maior desafio de ordem prática é em como manter o interesse de crianças e jovens durante uma, duas, três horas em frente a um monitor. Essa interação não presencial obrigou os professores mais que as instituições de ensino a reverem tanto seu método de ensino quanto a dinâmica com os alunos. Antes criticado, o método a distância ganhou muitos adeptos e a pergunta que fica: como será a volta depois de dessa experimentação do formato EAD? A música também mudou seu destino com transmissões ao vivo e super produzidas. Próximo do colapso, o rentável mercado da música, aproveitou o movimento das lives. Modelo que chegou e mudou a forma de fazer show. Agora, os artistas, confinados nas suas varandas, de repente transformaram suas próprias casas em um grande palco e os shows se tornaram mais democráticos e com uma cobertura jamais vista, o que será daqui para frente? Nessa mesma linha, o isolamento imposto pela pandemia passou a ser uma boa oportunidade para quem sempre quis conhecer museus pelo mundo. Os tours virtuais permitem que o visitante conheça detalhes expostos no acervo, alguns por câmera 360º, e o melhor, 24 horas por dia e de graça. [Gumae Carvalho]