O Grupo Sabin tem alma feminina. Uma empresa fundada por duas cientistas, que completou 36 anos, em 2020, no meio da pandemia. Cerca de 77% do seu público é feminino e 74% da liderança, idem.
À frente da gestão está Marly Vidal, Diretora Administrativa e de Pessoas. O Grupo tem em torno de 5,4 mil profissionais. Está presente em 12 estados, com matriz em Brasília. Sendo uma prestadora de um serviço essencial de saúde, o anúncio oficial da pandemia, em 11 de março, é considerado internamente o Dia D.
“Criamos um comitê de crise para lidar com essas experiências. Tínhamos que tomar decisões rápidas, e muitas vezes decisões rápidas que mudavam da manhã para a tarde, e à noite já era outra. Um cenário de muita incerteza”, descreve.
Aquela frase conhecida sobre como vemos um copo, mais cheio ou mais vazio, é um bom exemplo para descrever a postura da gestora em pleno olho do furacão. O olhar de Marly busca tirar um aprendizado, uma lição de cada vivência. Não apenas intuitivamente.
“Nosso comitê de crise sistematizou tudo. Temos todas as ações protocoladas; então, essas lições aprendidas não irão se perder. Quais foram as iniciativas, os impactos e qual é o aprendizado? E é isso que a gente mantém registrado, e estamos utilizando muito para poder levar como boas práticas nesse processo de transformação”.
Em entrevista à MELHOR, Marly contou como a pandemia da covid-19 mudou a cultura do grupo de medicina diagnóstica, a relação com os colaboradores e a sua própria experiência. “Nunca houve um crescimento maior na minha vida do que viver tudo isso”.
Como a organização se situou no meio da pandemia, pensando que muitos dos colaboradores estão na linha de frente realizando exames? Tivemos a necessidade de estabelecer protocolos de segurança para o nosso colaborador, que vinha para o trabalho e tinha que ir até o cliente para realizar o exame. Criamos critérios de afastamento. Primeiro, o afastamento de pessoas de grupos de risco, também o afastamento das pessoas que tinham determinada idade.
Por estarmos no segmento da saúde, nos deparamos com outra demanda em que o cliente também não vinha ao laboratório.
Trabalhamos muito a jornada flexível, exatamente para evitar o grande fluxo. Utilizamos as férias compulsórias para diminuir a aglomeração do time. E muitos passaram para o home office. Tivemos várias ações de imediato nesse momento D — experimentos para a operação rodar e, ao mesmo tempo, cuidar do nosso colaborador.
Temos um médico do trabalho que nos ajuda bastante. Também contamos com o amparo de uma assistência primária de saúde na nossa operação, o que facilitou nosso trabalho.
O Grupo Sabin já tinha muito vinculado ao colaborador e ao cliente o propósito de inspirar pessoas a cuidar de pessoas. Nesse processo decisório e de alinhamento, com uma liderança vivendo o mesmo propósito, conseguimos alinhar o time em todas as estratégias, ainda que fossem mudadas de uma hora para outra.
Como vocês conseguiram fazer esse alinhamento?
Um ponto crucial foi a comunicação direta e transparente, que manteve nossos valores. Quando você tem uma comunicação de credibilidade e confiança com seu time, com certeza você consegue direcionar. Isso é fundamental, no nosso caso, porque estamos em 12 estados — e cada governo de estado tem um posicionamento.
O Amazonas, por exemplo, foi um estado colapsado. Ou seja, em vários momentos, vivemos o desafio de alinhar essa comunicação, criar proximidade e relação de confiança.
Tivemos uma estratégia de negócio, que é a montagem de unidades para coleta de exames. Nisso, o processo decisório, o alinhamento da gestão e o alinhamento da liderança dentro do comitê de crise fez com que um processo que demoraria um ano começasse a rodar em 10 dias. Você só consegue isso com alinhamento. Tem um colaborador que precisa da capacitação, do alinhamento. Como a comunicação dos protocolos de segurança está chegando? Por isso, temos um histórico de protocolos de desde o primeiro dia.
Como preparar aquela equipe, toda a estrutura para garantir segurança para o cliente, segurança para o colaborador, eficiência na nossa operação? Tudo isso nós conseguimos rodar de forma efetiva. Isso aconteceu em Manaus, e também em Salvador. Quando você passa a chegar a outro estado, já tem todo o projeto alinhado e calibrado. Vivemos todos os processos em Brasília, e de imediato, passávamos para 100% da operação.
Cada unidade externa tem um gestor regional e um RH. Toda a comunicação é direta e, mesmo que tenha mudanças, todo mundo fica na mesma página. E esse é o segredo. Se tiver uma comunicação truncada, ela não chega até a ponta e você tem dificuldade de deslanchar qualquer estratégia, de fazer qualquer movimento ou mudança.
Se você tem um time que aceita mudanças com facilidade, fica mais fácil. E o maior exemplo foi o home office. Nós não tínhamos essa cultura. Foi um exercício para a gente pensar quais atividades poderíamos colocar nesse modelo.
O que o RH pensa em fazer no pós-pandemia?
Seguimos três etapas, como fossem ondas: a primeira e a segunda foram aquele momento da gestão da crise. E sendo RH, dentro do comitê de crise, trabalhamos para mobilizar e cuidar das pessoas. A próxima etapa, essa terceira onda, é a criação de um comitê de transformação. Como vamos fazer a diferença, o que vamos fazer com todas essas lições aprendidas?
Começamos a trabalhar o projeto da nova jornada do colaborador. O que as pessoas vão valorizar e nós vamos construir em relação a essa nova jornada do colaborador? Uma coisa que não podemos perder, e temos que preservar, é a nossa cultura humanizada.
A crise nos trouxe comportamentos e hábitos que foram muito de humanização. Passamos a ter um processo mais introspectivo. Fazemos uma conexão próxima à família, porque as pessoas, hoje, estão vivendo tudo em família. Mas também ficamos atentos àquelas que moram sozinhas.
Vamos viver um cenário de crise econômica. Como trazer práticas para a jornada do colaborador? E aí vem a criatividade, porque é na crise que a gente se descobre mais criativo e conectado. Sempre digo para os colaboradores e para a liderança que não é o afastamento que vai fazer a gente perder a conexão.
Mas, o que essas pessoas estão valorizando? Qual é o mindset que vamos trazer? Jamais imaginaríamos sermos capazes de fazer uma reunião online, até mesmo uma entrevista. As pessoas tinham resistência. Hoje, nossas reuniões online são mais produtivas e pontuais, e realizadas por todo o Brasil.
Como trabalhar uma jornada de trabalho mais flexível, e a jornada home office? O que aprendemos dentro da jornada home office? De que forma a tecnologia chega? A transformação digital está vindo junto com a transformação cultural, e precisamos aprender. Por isso, nosso comitê de transformação começou de imediato para não perdermos o timing. Não podemos ficar vivendo só na crise.
E como tem sido a reflexão de vocês sobre uma provável consolidação do home office?
A média do profissional Sabin é em torno de 29 anos. Por mais que tenhamos todas as gerações, ainda temos um público muito jovem. Como ele enxerga a questão da carreira, estando em home office é a nossa preocupação, pois o nosso colaborador sempre valorizou o desenvolvimento profissional e oportunidades e a qualidade de vida. Como ele enxerga esses dois pilares nessa jornada de home office é muito importante para nós.
Por outro lado, queremos entender se a nossa liderança está devidamente preparada para fazer home office. Quais são os desafios que os líderes enfrentaram fazendo gestão home office? Preciso ouvir os dois lados para trabalhar um processo de desenvolvimento.
Essa relação tem que dar match. Ou seja, eu preciso ser um profissional que saiba liderar. Esse é o grande desafio: como eu lidero a minha equipe em home office?
Vamos evoluir, e eu vejo isso como um grande ganho, que é evoluir do comando e controle para uma relação de confiança. Uma gestão de resultado.
Nossa cultura sempre disse que você precisa estar presente no sentido físico para entender que está produzindo. Como a gente desmistifica isso? Quais são os gaps que precisam ser trabalhados para a liderança ter essa capacidade de gerir a equipe em home office? Este também é um desafio para a própria liderança pensar, e para o RH entender.
Pode comentar sobre a gestão da saúde no pós-pandemia?
Sempre investimos nisso, mas hoje a gente faz uma gestão muitas vezes online. Temos uma assistência médica primária, além da medicina do trabalho presente na empresa. Estamos acompanhando a ansiedade, a questão dos medos e como podemos cuidar mais da saúde do colaborador.
Eu diria que, em qualquer processo que estamos vivendo, a onda da transformação já se faz presente. Tem a ver com essa mudança de mindset mesmo e como revisitar nossos modelos de negócio sem perder a essência da nossa empresa. Já sabemos que o que o colaborador vai valorizar vai ser diferente.
Seu expediente de trabalho aumentou?
Eu acho que sim, porque nossa cabeça não para. É um desafio. Uma coisa é você andar com o farol alto, vendo o que se passa lá na frente. Outra coisa é andar com farol baixo o tempo inteiro, sem saber o que vai estar lá na frente. É muita incerteza. Então, é você e sua cabeça o tempo inteiro.
A minha experiência como pessoa e profissional, trabalhando em uma área essencial em um período de crise, não tem preço. É um aprendizado único para todas as pessoas aqui. Por mais doloroso que seja. Não é fácil. Temos medos, temos filhos, famílias, voltamos para casa.
O time todo está trabalhando. Mas o processo de integração e compartilhamento é rico demais, e eu acho que isso é fundamental.
Se você me perguntar qual é o maior aprendizado para uma liderança, eu vou dizer que é, quanto mais integrado, quanto mais alinhado o seu time estiver, melhores serão os seus resultados, melhores são suas decisões estratégicas e, com certeza, maior é a sua velocidade. Como foi algo muito pactuado e decidido, tenho um sentimento de alinhamento, de “estamos juntos nisso!”. Isso foi e ainda é muito bacana, pois a gente ainda não saiu desse cenário. [Inês Pereira]