Desde final de 2019, o mundo enfrenta um inimigo invisível chamado novo coronavírus ou ainda covid-19 ou ainda Sars-Cov-2 ou ainda outros nomes que podem estar por vir. Vários nomes para identificar nosso inimigo comum, mas ainda não completamente identificado.
Num mundo onde estamos acostumados a tratamentos com nanotecnologia altamente eficazes, cirurgia robótica cada vez mais avançada, decodificação genética orientando terapias, de repente nos deparamos com um vírus que questiona tudo e mostra que não sabemos nada. Que nada adianta nosso conhecimento contra esse inimigo. Ele faz sua trajetória pelo mundo conforme a própria vontade, traça seu próprio curso, zombando de nós, pobres humanos.
Cloroquina funciona, cloroquina não funciona e pode até piorar a saúde. Vermífugo funciona, vermífugo não adianta nada, mas enriquece o laboratório. O vírus está mudando, o vírus ainda é o mesmo.
O medo não é um sentimento ruim. Por causa dele, sobrevivemos como espécie
Mas o que sabemos que pode efetivamente nos ajudar é: indivíduos estatisticamente mais afetados em termos de mortalidade da doença são idosos, diabéticos, pessoas com doenças cardiovasculares e imunossuprimidos. Ou seja, pessoas com a saúde debilitada, e temos certeza de que algumas doenças crônicas podem ser evitadas com hábitos saudáveis. De toda essa incerteza, a única coisa concreta é o medo.
O medo nos ajuda a sobreviver
Mas medo não é um sentimento ruim. Por causa dele, sobrevivemos como espécie. Temos medo de leão; em algum lugar de nosso DNA está escrito que ele pode avançar, mas nunca vimos um leão de perto a não ser no zoológico ou na TV. O medo faz nosso cérebro reagir ao perigo, ele ordena a produção de hormônios de defesa, de luta, de fuga. Um deles é chamado cortisol. O cortisol aumenta nossa frequência cardíaca e pressão arterial, temos mais sangue circulando nos músculos e no cérebro e menos nos intestinos, fígado e rins. Tudo isso para nos ajudar a sair correndo a qualquer momento e escapar das garras do leão. Cortisol é o nosso grande herói, devemos a ele estarmos aqui hoje. Mas um medo constante, que faz nosso corpo ficar em estado de alerta e preparado para fugir a qualquer momento o tempo todo, é ansiedade. O cérebro pode até cansar de tanto preparo e desencadeia curtos-circuitos que chamamos de depressão e tantos outros diagnósticos.
E é com esse medo que teremos de conviver e aprender a lidar e empregá-lo a nosso favor. Usar máscaras, álcool gel, ficar em casa e isolamento social são atitudes que devem ser tomadas, regidas pelo medo.
Culpa, culpa, culpa!
Por causa do medo, nossa rotina mudou. Acordamos e nem precisamos tirar o pijama ou pentear o cabelo. O mundo se resume à tela do computador. Palavras novas no nosso vocabulário: home office; homeschool; fake news; PCR; cloroquina; hospital de campanha; “gripezinha”; imunidade de rebanho. Informação e desinformação nos bombardeando. De repente, já é hora do jantar e não fizemos nada o dia todo.
Ao mesmo tempo, sonhamos em ficar mais tempo em casa com os filhos. E agora que podemos, como pode estar tudo ruim? Culpa. Rita Lobo, linda, nos mostra que é fácil e gostoso cozinhar; ótimo, e quem lava a louça? Mídia social que nos faz ficar conectados com as outras pessoas só piora esse sentimento: estão todos felizes fazendo Tik Tok e pães maravilhosos. Colega de trabalho não para de produzir, tem gente dando aula de tudo o tempo todo e ao alcance de apenas um clique. Do que ele falou mesmo? Quanta coisa estou perdendo! Não consigo me concentrar. Burro, incompetente. Culpa, culpa, culpa! Sentimento mesquinho que temos contra nós mesmos.
Fazer aquilo que podemos
A neurociência explica que a área do cérebro ativada quando dizemos coisas ruins a nós mesmos é a mesma de que quando somos xingados por outra pessoa. Produzimos hormônios de fuga e luta contra nós mesmos!
Compaixão é nos colocar no lugar do outro. Autocompaixão é nos colocar no lugar de alguém querido e imaginar o que diríamos para ele naquele momento.
Uma das ferramentas é identificar essas falas e corrigir naquele mesmo momento. Diagnosticar o discurso de raiva contra nós mesmos e perguntar: o que eu diria para um amigo nessa hora? Um exemplo: sem querer, derrubei uma dúzia de ovos no chão e todos quebraram. “Como sou desastrada”, “sou burra”, “olha o que eu fiz, @#$%ˆ&*!” Com compaixão, coloque-se no lugar de um amigo: o que você diria a ele nessa hora? “Imagina, não foi nada, acontece, te ajudo a limpar”.
Outro aspecto: coloque o problema na sua devida proporção, sem se julgar. Os ovos quebraram. Ponto. Só isso. Tenho de limpar. Como você colocaria para um amigo: “imagina, acontece, num minuto a gente limpa”.
E por fim: quem nunca? Quem nunca deixou um ovo cair no chão? Somos humanos e, portanto, erramos, esbarramos, tropeçamos. Existem coisas que fogem do nosso controle. Simples assim, não controlamos tudo.
E, neste momento de pandemia, o que de melhor temos a fazer por nós mesmos é ter compaixão. Não fiz exercício? Tudo bem, passou, agora vou fazer. Comi demais? Sim, comi, está tudo bem, vamos cuidar melhor da alimentação daqui para frente para melhorar a imunidade. Não fiz nada hoje, será que é verdade? Não podemos fazer tudo, temos de fazer aquilo que podemos. Adoro essa frase.
Concentre-se, medite e foque
Diariamente, nosso cérebro é invadido por cerca de 60.000 pensamentos. E podemos aprender a controlar esse fluxo, é o que chamamos de foco. Neste momento, com certeza, temos uma maior quantidade de pensamentos, muitos bem ruins, povoando nosso cérebro ao mesmo tempo. O segredo é filtrar e alimentar nosso corpo e mente com pensamentos melhores. Isso é mindfullness, ou atenção plena.
Existem várias formas de exercitar mindfullness. A prática da meditação ajuda muito a “educar” esses pensamentos a aguardar sua vez
O que é meditar? É ter um pensamento único por um determinado intervalo de tempo. Esse pensamento, ou “coisa”, pode ser um áudio de uma meditação guiada, a sua respiração, um mantra, uma música. Isso diferencia as técnicas de meditação e cada um se adapta melhor a uma ou outra. Meditar não é não pensar em nada, esvaziar a mente, nada disso: meditar é um exercício de concentração que exige muito treino. No meio da meditação, pensamentos invadem e, em vez de nos irritarmos e desistir, afastamos esses pensamentos: não vou pensar nisso agora, volta para o áudio. Com a prática, eles “entendem” e param de invadir. Eu medito por 10 minutos, ouvindo o mesmo áudio de uma meditação guiada da Luiza Hummel, instrutora de meditação, com quem aprendi a prática.
Mude seu estilo de vida
E programando o dia com estes conceitos e incluindo os pilares da medicina do estilo de vida podemos ir adaptando esses cuidados, incorporando pequenas ações e quem sabe criando novos hábitos.
- Crie uma nova rotina: coloque o despertador. Pela manhã, organize uma agenda para o dia. Vale a pena incluir: tomar água; meditar por 10 minutos em algum momento do dia; comer duas frutas; meio prato, ao menos, de salada. No final do dia, cheque o que foi cumprido. Elogie o seu desempenho. Não cumpriu, tudo bem, amanhã você cumpre. Existem aplicativos que podem ajudar.
- Ao acordar, preste atenção no seu corpo, espreguice-se, alongue, traga bons pensamentos à tona. Tome um café da manhã com frutas e fibras, são antioxidantes e trazem uma quantidade enorme de vitaminas e sais minerais.
- Gastar energia com atividade física é o melhor antioxidante que podemos oferecer à nossa saúde, pois ativa todo o cérebro, melhora a qualidade das artérias e veias, aumenta o depósito de cálcio nos ossos, aumenta a produção de endorfinas que melhoram nosso humor, além de aumentar a imunidade. Vista a roupa de ginástica e olhe-se no espelho, elogie sua atitude por ter decidido fazer o exercício.
- Durante o exercício, preste atenção no seu corpo, na movimentação dos músculos, na execução do movimento: a sensação é boa, é ruim, está melhor que ontem? Com certeza, amanhã vai estar ainda melhor. Acabou o queijo, tenho de ligar para minha mãe. Não vou pensar nisso agora, volta para o abdominal, afaste os pensamentos de forma gentil. É difícil começar, elogie, comemore muito seu primeiro dia!
- Ao tomar banho, pense no sabonete que está usando. Deve ser hidratante. A água não deve ser muito quente, pois assim ela tira a oleosidade boa da pele. E qual a sensação da água batendo na sua pele?
- Coloque uma roupa que faça você se sentir bem, confortável, fique bem com seu espelho. Arrume o cabelo, quem sabe uma maquiagem? Talvez para aquela reunião online.
Não se preocupe com suas rugas
E como as reuniões online são parte da rotina de hoje, surgiu o termo “Efeito Zoom”: nunca trabalhamos nos vendo trabalhar. O Zoom, ou qualquer outra forma de webinar, é muito cruel. Somos críticos demais com nós mesmos normalmente, imagine tendo a obrigação de nos ver o tempo todo… e não há mágica do selfie com filtro, escolher a melhor foto de 324 ruins, photoshop etc. Nada, é a verdade nua e crua. É o nosso “eu” real. Rugas, olheiras, expressões. Tenho recebido muitos pacientes no consultório desesperados com a aparência no vídeo, procurando melhora com procedimento estético. Claro que podemos ajudar, melhorar, mas para que você se sinta melhor com você mesmo. Seu chefe ou colegas de trabalho não estão preocupados com suas rugas, elas sempre estiveram lá. Seus clientes sempre viram você desta forma, só você que não. Essa “descoberta” não pode ser mais um estresse, mais uma fonte de hormônios de fuga. Você tem de lembrar de você. Seu conhecimento, valor, ideias, atitudes trouxeram você até aqui. Então, você tem de ser motivo de orgulho para você mesmo. Mostre isso no vídeo. Pode não parecer, mas a atitude durante o vídeo é sim mais importante que as rugas.
Hora de trabalhar. Simplesmente trabalhe, com gosto, com pensamentos bons, acredite naquilo que está fazendo
Quanto mais seu cérebro trabalhar, melhor; quanto maior o número de problemas, maior será sua capacidade de resolução. O estresse causado durante o trabalho é bom, ativa nosso cérebro e o prepara para maior potencial de suportar pressões. Mas existe uma necessidade de controle desse estresse: descansos.
- Minidescansos: a cada uma ou duas horas, levante da cadeira, olhe pela janela, respire algumas vezes, preste atenção no ar entrando e saindo de seus pulmões, ouça uma música, tome água, alongue-se. Tire seu pensamento do trabalho por alguns minutos.
- Na hora do almoço, pense na sua comida, arrume o prato de forma bonita, prove os alimentos: isso se chama mindfull eating ou comer consciente. Proibido comer comida ruim. Saboreie, experimente novos temperos. Consuma alimentos que melhorem sua imunidade, pesquise a respeito.
- Trabalhe à tarde, não esqueça das pausas.
- Coloque uma hora para acabar de trabalhar. São muitos os relatos de pessoas que, por estarem fazendo home office, trabalham muito mais horas que normalmente; já que estão em casa, a disponibilidade parece maior. Coloque limites.
- À noite, de alguma forma, saia da rotina. São os mididescansos: ao final do dia e nos finais de semana, use seu cérebro e corpo para outras coisas que não o trabalho. Tente sair da rotina, vale jogar cartas, ler um romance, falar com amigos, videoconferência com a família, dançar.
- Durma bem. Exercite a higiene do sono. Ter uma rotina avisa o cérebro que está na hora de dormir. Tomar banho, colocar o pijama, escovar os dentes, deitar-se na cama, enquanto isso seu cérebro vai avisando o corpo a produzir hormônios reguladores do sono como a melatonina e a serotonina e a parar de produzir hormônios de alerta como o cortisol. Apague a luz, isso inclui qualquer ponto de equipamento eletrônico em “stand by”. Evite celular ou qualquer coisa parecida por ao menos uma hora antes do horário de dormir, a luz azul desestabiliza a melatonina.
O poder da gratidão
Não se esqueça de outra grande ferramenta: a gratidão. Ela, comprovadamente, aumenta hormônios de bem-estar. E também deve ser exercitada.
- Faça um diário de gratidão: toda noite, escreva cinco gratidões por fatos que aconteceram durante o dia. Pode não ser fácil para muitas pessoas. Não conseguiu achar cinco coisas hoje? No dia seguinte preste mais atenção no seu dia e procure melhor. Coisas simples podem fazer parte dessa lista, como uma notícia boa, um abraço do filho, uma receita que deu certo, uma tarefa cumprido ou beber dois litros de água.
E existem também os maxidescansos: são as férias, em que você desconecta do trabalho por alguns dias. Vamos ter dificuldade de desconectar, mas já estamos relaxando o isolamento, escolha um parque que nunca foi, faça trilhas.
O medo pode ser usado a nosso favor para mudar a rotina. Mindfullness pode trazer ao nosso vocabulário novas palavras como autocuidado, autoconhecimento e autocompaixão. E assim vamos passar por mais este momento de adaptação e a evolução das espécies nos mostra que somos capazes.