Liderança

Líderes aceleraram decisões impulsionados pela pandemia

Descentralização de medidas estratégicas também tem crescido nas empresas

O estudo Realidade e percepções da alta liderança frente à crise realizado pelo Page Group, empresa de recrutamento executivo, em parceria com o Centro de Liderança da Fundação Dom Cabral, revela que mais de dois terços dos líderes estão acelerando a tomada de decisões em função da atual crise sanitária e econômica. O levantamento aponta que 40% dos executivos estão decidindo muito mais rapidamente; 30% de forma um pouco mais acelerada; 13% não notaram mudança significativa; 13% decidiram um pouco mais devagar e 4% de maneira muito mais lenta.

“Quando temos uma incerteza muito alta, o papel do líder é dar um norte, criar certezas naquilo que ele pode, decidindo sobre questões que ele é capaz de resolver para dar um senso de direcionamento aos seus liderados. Acelera-se, portanto, as resoluções em momentos de indefinição para que as pessoas sintam, de forma mais sólida, o papel do líder e o seu rumo. Caso contrário, ficam todos à deriva sem saber para onde seguir”, afirma Matheus Jacob, fundador da Conte, empresa que promove treinamentos e desenvolvimento para líderes e grandes empresas.

Outra pesquisa feita no primeiro semestre de 2020 pela FRST, startup de educação da Falconi, em parceria com a consultoria Quaest, mostra que 44% dos executivos não acreditam que as suas companhias estejam preparadas para o futuro do trabalho. Entre as razões mais relevantes listadas estão a falta de líderes e profissionais capacitados e a falta de investimento em novas tecnologias e automações.  

Homem com os braços cruzados

Descrição gerada automaticamente
Matheus Jacob, fundador da Conte. Créditos: divulgação.

Para discutir os principais pontos desses estudos, a MELHOR entrevistou Jacob, que tratou de cultura empresarial, centralização de lideranças, obstáculos ao desenvolvimento de competências, entre outros assuntos.

Um estudo da Page Group em parceria com o Centro de Liderança da Fundação Dom Cabral, mostrou que 70% dos líderes, impulsionados pela crise sanitária, estão acelerando a tomada de decisão. A que você atribui essa mudança?

Algo que ocorre dentro desse cenário gerado pela Covid-19 é que o nível de incerteza dentro das organizações está alto. Em um cenário pandêmico, esse grau de indefinição por parte dos colaboradores aumentou muito, seja em relação à segurança e saúde das suas famílias, seja em relação ao futuro da organização onde trabalham.

Quando temos uma incerteza muito alta, o papel do líder é dar um norte, criar certezas naquilo que ele pode, decidindo sobre questões que ele é capaz de resolver para dar um senso de direcionamento aos seus liderados. Acelera-se, portanto, as resoluções em momentos de indefinição para que as pessoas sintam, de forma mais sólida, o papel do líder e o seu rumo. Caso contrário, ficam todos à deriva sem saber para onde seguir.

Essa pesquisa também mostrou que boa parte dos executivos percebeu uma maior descentralização das decisões estratégicas das suas companhias. 32% observou que essas medidas ficaram menos centralizadas e envolveram a participação de outros integrantes da alta liderança. Uma outra parcela (7%) notou descentralização com atuação de executivos de outros níveis hierárquicos.

Ainda há espaço para o modelo centralizador ou isso varia de acordo com o setor de atuação e com a cultura de cada empresa?

Sem dúvida precisamos ter bom senso e um equilíbrio entre as duas coisas. Os extremos sempre são perigosos. Quando a gente fala de liderança, tem que existir uma centralização porque você está falando de uma pessoa que é uma figura fundamental no sentido de dar um direcionamento ou suporte em relação a algo.

Isso não significa que essa liderança centralizada tenha sempre que ser hierarquizada ao extremo e seguir sempre a mesma estrutura. Por exemplo: eu posso ter uma liderança situacional, quando diferentes pessoas da minha equipe “tocam o barco” em diferentes assuntos, mas mantendo a centralização na figura de um dirigente que organiza todos esses membros de forma mais estruturada.

É o que as metodologias ágeis e os squads tentam fazer, de certa forma. Você tem líderes específicos para diferentes temas e tem um líder que agrupa todo mundo.

Outra pesquisa realizada no primeiro semestre de 2020 pela FRST aponta que 44% dos executivos acreditam que as suas organizações não estão prontas para encarar os desafios que estão por vir e entre os principais motivos listados estão a falta de líderes e profissionais capacitados. Você concorda? Se sim, por que isso ocorre?

Nós viemos de uma cultura de chefes autoritários. Isso está mudando, mas ainda está presente a ideia de que os líderes não precisam desenvolver habilidades de liderança e que bastaria ter competências técnicas, cabendo às equipes aprenderem a lidar com eles.

Por isso, menosprezamos durante muito tempo uma série de treinamentos e capacitações que poderiam ter sido feitos. Diversas empresas neste último ano tentaram correr atrás do prejuízo, porque perceberam que, neste contexto em que vivemos, várias das competências humanas e de gestão estavam ausentes nas lideranças. Elas tiveram que desenvolvê-las de forma urgente ou encontrar caminhos para passar por 2020 mesmo sem essas habilidades, trazendo pessoas externas para ajudar neste processo.

Como resolver esse problema?

Algumas coisas são importantes. Uma delas é abrir portas cada vez mais para a diversidade porque isso torna a cultura organizacional mais híbrida e rica, o que possibilita mais inovação e adaptabilidade.

Outra questão importante é a educação, toda a parte de treinamento e desenvolvimento de lideranças. Isso sem dúvida é valioso.

Por fim, é preciso ser revisto o processo de recrutamento e seleção de pessoas, porque ainda contratamos muito pelas competências técnicas e valorizamos menos as competências comportamentais. Porém, é muito mais fácil desenvolver nas equipes as habilidades técnicas do que as comportamentais e isso gera líderes mais sólidos no futuro.

Entre os motivos que levam os gestores a não acreditarem que suas empresas estejam preparadas para o futuro, também está a falta de investimentos em novas tecnologias e automações. Como você avalia essa questão?

Se eu sou um executivo, eu sou parte da tomada de decisão. As organizações não são processos sem sujeito. Os gestores, muitas vezes, não priorizam a automação por acreditarem que nos seus mercados isso não é necessário.

Durante muito tempo o digital foi visto como algo de empresas de tecnologia e que lidam com inovação, startups. Com a pandemia, percebeu-se que todo mundo precisa de um nível mínimo de digitalização, seja do ponto de vista da expressividade digital, da competência com as ferramentas digitais, ou da estrutura que a empresa fornece. De nada adianta ter uma estrutura se o executivo não se capacitar.

O estudo da FRST mostra também que 50% dos executivos discordam que “os profissionais geralmente não têm interesse, nem vontade de desenvolver suas human skills” e 36% concordam com a frase “a minha empresa tem dificuldade em conhecer os gaps de competências e estabelecer programas de desenvolvimento em cima deles”. Na sua percepção, esses dados representam a realidade das empresas?

Em relação à primeira informação, eu concordo porque na prática acabamos percebendo isso. Porém, outra coisa que acontece é que as pessoas têm interesse, mas esperam que a empresa entregue algo pronto, que ela cuide de tudo e que forneça exatamente cada competência que cada executivo precisa. Há um interesse, portanto, em uma aprendizagem passiva, por assim dizer.

Outro ponto que falo por experiência própria é que todo mundo tem interesse em treinamentos, mas quando você coloca essas pessoas dentro de um espaço de educação, muitas que diziam se interessar apresentam resistência ao novo. Ou seja, elas têm vontade em serem educadas, mas nem sempre em mudar padrões de comportamentos.

No entanto, eu concordo bastante com o segundo dado. O sucesso da Conte se deve justamente a essa questão porque nós auxiliamos os clientes na identificação dos gaps atuando em parcerias com os RHs e conversando com os gestores e equipes de diferentes áreas para entender se esses vazios que eles percebem são reais ou não.

A dificuldade é entregar a solução certa para aquele gap dentro de determinado mercado. Se formos para soluções prontas, você não consegue suprir isso. Por isso, nossos treinamentos são customizados. Treinar pessoas em comunicação no setor de mercado financeiro é completamente diferente de habilitar profissionais de saúde no mesmo tema. Cada um dos setores exige uma capacitação e uma identificação dos problemas específicos. (por Raul Galhardi)

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