Tem me chamado atenção recentemente a quantidade de manchetes nos jornais de grande circulação, no Brasil e no exterior, falando sobre a redução expressiva ou até extinção do trabalho à distância. Aparecem nestas reportagens, empresas de destaque no mundo da tecnologia como Google, Zoom, Meta e muitas outras.
Executivos responsáveis pelo capital humano destas empresas assumem diferentes posições como implementação do trabalho híbrido (1,3,1 ou outros), redução total do trabalho à distância ou novas contratações com jornada de trabalho totalmente presencial. Qualquer que seja a posição das empresas, fica bastante claro que o trabalho totalmente à distância vem sendo descartado ou drasticamente reduzido.
Ao mesmo tempo, incorporou-se na rotina das organizações reuniões à distância como um fator de ganho de produtividade e tempo, principalmente, entre clientes e fornecedores, fóruns colaborativos, reuniões entre “sites” de diferentes países, etc.
Adicionalmente e “à boca pequena”, ouvimos e participamos de várias conversas em que relembramos empresas ou conhecidos que permitiram (ou se permitiram), mudar de cidade, muitas vezes saindo dos grandes centros para condomínios afastados ou no litoral, numa busca por qualidade de vida. Ou ainda, da propagada possibilidade de montar equipes globais e contratar profissionais de diferentes países, que agora, são pouco comentadas ou até, consideradas. O que será destes contratos de trabalho?
O que aconteceu para retrocedermos tão rápido?
Onde está o “novo normal”?
Bom, preciso dizer (ou repetir) algo que já escrevi no início da pandemia: eu não acreditava no termo “novo normal” e não acredito. Tenho certeza que a sua rápida propagação, ainda em 2020, era porque nós, seres humanos, convivemos bastante mal com incertezas profundas ou um conjunto delas, ainda mais associadas à vida e morte. Diante dito, em nossa infinita busca por respostas, ora mais superficialmente adotando atalhos, ora mais reflexiva, buscamos nos acomodar para poder enfrentar e sobreviver aos nossos medos e inseguranças. Parecia simpático e mesmo alentador falar em um “novo normal”. Soava positivo.
Certamente que as mudanças foram profundas e marcantes e para qualquer direção que olharmos, com um pouco de criticidade, perceberemos efeitos positivos ou não (depende da perspectiva individual) de tudo que vivenciamos.
Mas porquê eu não acreditava num novo normal, especialmente, na mudança profunda dos ambientes de trabalho? Porque também o afastamento físico foi compulsório e repentino. Não tivemos tempo para nos adaptarmos e acima de tudo, para desenvolvermos novas formas de transmissão de cultura. Cultura que é chave, a amálgama de grupos sociais, de organizações complexas, para a necessária convivência humana.
Passados alguns milhares de anos de cultura humana, revisamos e adaptamos o velho “talking around the fire”, mas mantivemos a presencialidade e a convivência (física) como variáveis críticas e essenciais em nosso processo de transmissão e absorção. Somos e vivenciamos uma cultura de grupo, e sem estarmos “juntos”, retardamos ou perdemos referenciais essenciais.
Grande parte de nossa insegurança, como líderes ou liderados, esteve em não conseguirmos uma dinâmica que estivesse à altura, na extensão e na profundidade de tudo que percebemos e transmitimos nas reuniões, cafezinhos, almoços, momentos formais ou informais.
O grau de insegurança pelo desconhecido foi maior do que pudemos admitir ou desejávamos. A supressão da convivência não foi substituída pelo ambiente virtual e não poderia. Ficou faltando “algo”.
Claro que estamos falando da média das pessoas. Seguramente, indivíduos com menor desejo de interação podem ter sentido que a situação era mais confortável, mas a cultura de nossa sociedade é voltada para convivência.
Portanto, não é estranho e não deveria ser inesperado que retiradas grande parte das variáveis ou situações de pressão ou necessidade da “não-presença” física, nós voltaríamos correndo para os lugares conhecidos e confortáveis em nossa própria cultura! Que alívio não ter que imaginar formas novas de liderança e interação, mas ficamos apenas com o que já é conhecido e reconhecido! E não há julgamento aqui, apenas observação. Como o curso de um velho rio, que depois de anos com o leito seco, volta a ser inundado, restabelecendo as margens e as suas conhecidas curvas.
Estes somos nós humanos: temos uma capacidade expressiva de nos adaptarmos às mudanças. A resiliência ficou conhecida e valorizada na década de 90 e está incorporada como competência essencial. Mas não há disrupção total em cultura. Há desenvolvimento, aperfeiçoamento. Uma quebra significaria renegar o passado que nos trouxe até aqui, nos lançando numa obscuridade total de referenciais para nos apoiarmos. Em cultura, o passado é a alavanca necessária seja para ser valorizado ou renegado (ás vezes simultaneamente). O futuro não existe em cultura. Ele é perspectiva a ser preenchida, buscada, alcançada. O presente, um átimo de decisão da direção. E nem sempre a decisão é correta.
Assim, quando o cenário “retorna”, buscamos nossas áreas conhecidas (confortáveis) e administráveis em nosso cotidiano sem medo de fracasso e que garante a sobrevivência. E assim seguimos evoluindo. Manteremos do período de mudança profundo e rápido, o que nos parece promissor para o futuro e descartaremos o que nos é desconfortável, que exige grande esforço e acima de tudo, não tem utilidade.
O tal “novo normal” é, na melhor das hipóteses, o passado aperfeiçoado no limite da necessidade e da nossa consciência, com avanços e retrocessos.
E isto é fundamental para liderança e para a gestão das organizações: compreender que embora sejamos seres de um potencial gigantesco, estamos limitados (e muito!) pela nossa percepção viesada daquilo que chamamos pretensamente de realidade. E é no fundo, a nossa cultura.
A cultura é, por definição, também um conjunto de limitações e não muda sozinha. Mudará quando for exigido pelo macro cenário e limitada pela nossa busca contínua de bem-estar e conforto intelectual e emocional. Para mudar a cultura num ritmo mais acelerado que a nossa limitação individual ou coletiva, ela deverá ser gerenciada ativamente.
Estará sim limitado às funções e pessoas que conseguem em sua cultura individual, alinhamento com a cultura coletiva da organização e gerarem valor igual ou superior, comparado ao trabalho presencial. E mesmo para estas pessoas, o trabalho à distância estará limitado às necessidades de manutenção e desenvolvimento da cultura da organização.
É o fim do trabalho à distância?
Eu diria que não.
Existirá? Sem dúvida. Mas será restrito e num volume menor do que prometiam os arautos e pseudogurus do “novo normal”.