Neste 20 de Novembro, dia da Consciência Negra, números e declarações continuam mostrando o quanto é necessário discutir a evolução dos profissionais negros no mercado de trabalho para além de ações pontuais e datas comemorativas.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad, 2022), o rendimento médio mensal da população negra é de R$ 1.715 (mulheres) e R$ 2.142 (homens). Já para pessoas não-negras, é de R$ 2.774 (mulheres) e R$ 3.708 (homens), uma renda média 87,6% superior aos valores recebidos pelos negros.
A renda mais baixa é um reflexo, também, do acesso menor à educação profissional pelas pessoas pretas, além do fato de que, uma vez inseridas no mercado de trabalho, elas também enfrentam barreiras para o desenvolvimento da carreira. Até mesmo nas 500 maiores empresas do país esses obstáculos persistem, segundo o Instituto Ethos.
De acordo com a entidade, a diferença na presença de brancos e negros em cargos de liderança é significativa. Enquanto 57% das pessoas negras inseridas nas empresas são aprendizes e trainees, elas ocupam apenas 6,3% de cargos na gerência e 4,7% do quadro executivo.
“Em um país que tem uma série de problemas, de infraestrutura, educacional e tantos outros, menos de 1% chega a uma faculdade”, destaca o executivo negro Fabiano Cruz, CEO da Alot, agência que atua como consultoria de negócios. “Comecei a trabalhar muito cedo e precisei ter uma visão autodidata”, lembra Cruz, que, antes de empreender, passou por empresas como Walmart e Elocc, aprofundando-se na época, no varejo digital. A dificuldade de acesso a profissionalização não o impediu de tornar-se líder, mas sua história é um caso bem-sucedido entre muitos outros de estagnação profissional por falta de qualificação ou consequência de anos de preconceito estrutural nas organizações.
A ausência de profissionais pretos em posições de destaque, e mesmo sua atuação em profissões tradicionais, é algo bem observado pela médica de família Ana Carolina De Paula. “Sempre fui exceção nos locais onde trabalhei, como única profissional negra no corpo clínico, e às vezes até na equipe técnica”, ressalta Mulher negra, Ana Carolina relata a importância de estar em uma empresa que valoriza a diversidade.
A Sami, operadora de planos de saúde em que Ana Carolina trabalha, passou, recentemente, de 6% para 35% o número de pessoas negras no time, com auxílio do Instituto Diversitas para identificar pontos de atenção e de um modelo baseado em neurociência para conduzir a gestão e as contratações, orientando sobre os vieses cognitivos.
“Fazemos acompanhamento de pessoas com marcadores sociais da diferença, mas saímos do ‘estamos contratando pessoas negras para estamos contratando todas as pessoas’, até eliminarmos todas as barreiras. Investimos em valorização da diversidade, com a consciência de que se trata de um processo. Quanto mais incluo, menos eu excluo. E o importante é começar, até conseguirmos fazer com que essas práticas reflitam positivamente em toda a sociedade”, conclui Melina Moura, líder de diversidade e inclusão da empresa.
Outra empresa a batalhar não só pelo aumento de pessoas negras no time, como colocá-las em posições de liderança é o Grupo Casas Bahia. Como resultado de um programa de ações afirmativas para promover a igualdade racial, a gigante varejista tem 33% de seu time de liderança composto por negros, frente 26% em 2021. A meta é chegar a 45% de pessoas negras em cargos de liderança até 2025. “É fundamental reconhecer que o racismo é um problema estrutural, e todos, independentemente de sua cor, devem combater essa prática profundamente enraizada em nossa sociedade”, afirma Amanda Ferreira, gerente de Inclusão e Diversidade do Grupo Casas Bahia.
A varejista também promove ações para disseminar conhecimento por meio de sensibilizações e publicações sobre letramento racial, contribuindo para a construção de uma cultura antirracista. Somente em 2023, mais de 900 líderes receberam treinamento, e todos os colaboradores tiveram acesso a materiais que abordam questões importantes do debate racial. “A luta antirracista passa, necessariamente, pelo aumento de negras e negros em espaços de poder. E as ações afirmativas desenvolvidas anualmente dentro da companhia caminham nessa direção”, complementa Amanda.
Em outra organização, incluir dialoga com o core business da empresa. “Na agência Oliver Press, fazemos uma interlocução contínua entre diversidade e inovação”, comenta Juliana Oliveira, fundadora e CEO. “Acreditamos que são pontos que caminham juntos, são indissociáveis, e ter essa interseccionalidade é um aporte para pensar diversidade, inclusão e impacto social”, comenta a executiva.
Blackwashing X inclusão verdadeira
“Diversidade e inclusão são temas que demandam intencionalidade e ter esse compromisso é não se limitar a iniciativas isoladas”, entende Natália Paiva, diretora executiva do Mover (Movimento pela Equidade Racial). “São pautas que precisam ser parte integrante da missão e dos valores de uma empresa. Se partirmos da compreensão de que a desigualdade racial não ocorre apenas em determinados momentos, logo, é essencial continuar agindo propositivamente, ao invés de apenas reagir a acontecimentos específicos.”
Natália ainda lembra que, além de ser o correto a se fazer, as companhias se beneficiam: “Empresas que são percebidas como inclusivas têm mais facilidade em atrair e reter talentos diversos, fator que contribui para a equidade e viabiliza um espaço prolífero para impulsionar, inclusive, a inovação em diferentes mercados”.
Felippe Guerra, fundador e CEO da Brasis, holding que agrupa empresas de comunicação fundadas por pessoas de grupos sub-representados, também observa o risco de blackwashing, maquiagem corporativa que falseia a inclusão de pessoas pretas nas empresas, nas ações que celebram 20 de novembro.
“Um grande exemplo é o uso de influenciadores digitais negros à frente de campanhas estratégicas que visam a igualdade racial, a valorização da cultura afrobrasileira e o avanço do debate antirracista, o que é ótimo para as empresas, já que isso mostra o quanto ela é engajada e se importa. Mas, dificilmente atuam na raiz do problema a longo prazo e ainda mais preocupante é ver que Novembro de 2023 será como Novembro de 2018 onde apenas as pessoas mais engajadas falavam sobre o tema”, destaca o executivo.
Ações trabalhistas
Não apenas as questões de inclusão preocupam neste 20 de novembro. O debate sobre o preconceito está no cerne do cotidiano do trabalho. Levantamento realizado pela empresa Data Lawyer demonstrou que entre 2018 e 2022, foram contabilizados mais de oito mil processos trabalhistas versando sobre violências racistas. A plataforma não identifica se a temática racial é ou não o principal assunto do processo trabalhista, mas já evidencia que há aumento considerável ao longo dos anos de ações que citam em suas petições iniciais termos como racismo, injúria racial, discriminação racial ou preconceito racial.
O racismo e a injúria são crimes e não precisam ocorrer de forma reiterada, basta somente um ato, fala ou conduta para que seja tipificado. No ambiente de trabalho, as ações discriminatórias como o racismo podem ocorrer por meio do assédio moral. Neste caso, o indivíduo negro pode ser um alvo frequente de discriminação, em razão de compor um grupo marginalizado e discriminado socialmente, por exemplo.
“Analisando a conduta assediadora por uma perspectiva pluralizada e interseccional, é possível compreender que as relações de poder que envolvem raça, classe, nacionalidade e gênero, por exemplo, não se manifestam entes individuais e excludentes, pelo contrário, operam e prevalecem em unidade, maneira unificada, capazes de afetar todos os aspectos do convívio social, inclusive na seara do trabalho”, explica a advogada Sarah Coly, sócia do LBS Advogadas e Advogados