Inovação

Cultura de inovação: quando o erro vira aprendizado

Descubra como o RH pode usar o temido erro para impulsionar a inovação e fomentar o aprendizado contínuo nas organizações

de Priscila Perez em 11 de outubro de 2024
inovação e erro Foto: imagem gerada por IA - DALL·E

No computador, reviso, apago e reescrevo. Como jornalista, esse poder de corrigir o erro é algo natural. Mas e se, em vez de um texto, eu estivesse lidando com maquinários ou uma decisão que afeta centenas de pessoas? Em várias empresas, a pressão por resultados é tão intensa que, além de minar o engajamento, acaba sufocando a inovação na raiz. E quando a rotina engole as ideias, não sobra tempo para experimentar. É aí que mora o problema: sem testar, a organização corre o risco de cair no óbvio, travando sua própria evolução. Mas, se é errando que se aprende — e também se acerta —, existe uma peça-chave nesse cenário que pode abrir caminho para uma cultura de inovação, em que o erro não é visto como falha: o RH.

Thomas Edison, ao tentar inventar a lâmpada, errou muito até chegar à solução — e ele mesmo dizia: “Eu não falhei. Só descobri dez mil maneiras que não funcionam”. Certamente, ele não via essas falhas como fracasso; para ele cada tentativa era uma forma de descobrir o que não funcionava. O erro, nesse caso, não foi o fim, mas o meio para a inovação. E essa mesma lógica pode ser aplicada à gestão de pessoas. Quando o erro é visto como algo natural, ele deixa de ser temido e se torna uma ferramenta poderosa de mudança. A grande questão é: o que as empresas precisam fazer para mudar essa mentalidade?

Cultura de experimentação

Embora não exista fórmula mágica em gestão de pessoas, é possível, sim, mudar a forma como lidamos com as falhas. Mas ressignificar o erro exige estratégia, como bem explica Juliana Paolucci, CEO da Oficina da Inovação. Em vez de “tolerância ao erro”, que pode soar pejorativo para muitos gestores, a especialista prefere falar em “cultura de experimentação”.

Inovação e erro
Ju Paolucci, da Oficina da Inovação

Ou seja, as pessoas não só têm liberdade para testar, como também são incentivadas a repensar seus processos. E isso, segundo ela, é o que garante a construção de um ambiente colaborativo, onde a inovação acontece de forma tão natural que o erro passa a ser encarado como parte do aprendizado – e o RH pode fazer muito a respeito disso. “Quando falamos de experimentação, até parece desperdício, mas o impacto positivo é enorme: as pessoas colaboram mais, criam mais e a inovação floresce com muito mais frequência”, destaca Juliana.

Mas não adianta só falar sobre experimentação, é preciso vivê-la na prática. Como ressalta Lucimeyre Albuquerque, gerente Executiva de Recursos Humanos na Aeris Energy, líder no setor de pás eólicas, a cultura de experimentação precisa ir além dos conceitos inspiradores. Ela deve ser expressa não apenas em valores e propósitos, mas também nos comportamentos do dia a dia. Para a especialista, o segredo está em integrar essa cultura na rotina com ações claras, como mapear riscos, estimular o pensamento crítico e aprender com os erros. “Refletir esses direcionadores nas ferramentas de gestão de pessoas, como a avaliação de performance, cria os rituais que propagam e reforçam o que a empresa espera de seus colaboradores.”

Comunicação clara e feedback

Seja em um projeto inovador ou na solução de problemas do dia a dia, nada funciona sem uma comunicação clara. Quando o colaborador entende o que está fazendo — e o porquê —, as engrenagens giram com muito mais eficiência. E, segundo Carla Alessandra de Figueiredo Silva, diretora de Gente & Cultura do Grupo Stefanini, isso só é possível com diálogo e muito feedback. Afinal, como ajustar o caminho se ninguém sabe onde está errando ou acertando?

Carla argumenta que, especialmente em processos de inovação, é fundamental que os colaboradores compreendam o propósito de suas ações e tenham espaço para trocar ideias, refletindo sobre cada etapa. É assim que eles saem do automático e começam a progredir. Esse olhar, como bem aponta, também faz com que entendam que pequenas decisões podem influenciar de forma positiva ou negativa o desempenho coletivo. “Com uma comunicação clara e objetiva, todos compreendem não apenas as necessidades e prioridades do negócio, mas também os impactos e consequências diretas de suas ações”, conclui.

Inovação e erro
Carla Alessandra, do Grupo Stefanini

Criar um ambiente de aprendizado não é apenas sobre comunicar falhas, mas garantir que todos tenham espaço e suporte para aprender e melhorar. Manter canais abertos para esclarecimento de dúvidas e promover uma cultura de feedback construtivo são passos fundamentais nesse processo. Além de apontar onde o erro ocorreu, também é essencial dar ao colaborador o apoio necessário para refazer a tarefa com base nesse aprendizado. “E isso também envolve reconhecer aqueles que demonstraram evolução a partir de seus erros e incentivá-los a compartilhar suas experiências com os demais”, complementa Carla.

Top-down

No entanto, por mais que a inovação dependa de uma cultura sólida, o RH sozinho não consegue virar essa chave. Como bem pontua Juliana Paolucci, “não existe outra maneira de começar um movimento de mudança cultural que não seja top-down”. Na prática, a alta liderança – e não apenas o RH – precisa estar verdadeiramente comprometida com a inovação e tudo que ela envolve, desde o desafio de buscar o novo até aceitar os erros que surgem no caminho. Sem esse apoio, as iniciativas simplesmente perdem força. “E na primeira oportunidade, os projetos são cortados em nome da produtividade a qualquer custo”, destaca.

Não à toa, toda a empresa, da diretoria ao estagiário, precisa estar alinhada com essa mentalidade de experimentação e aprendizado contínuo. Mas, enquanto o CEO dá o exemplo, são os gestores que, no dia a dia, criam as condições para que a inovação realmente aconteça. Nesse sentido, Juliana Paolucci destaca que o RH pode ser o provocador dessa mudança, assumindo um papel estratégico ao capacitar líderes e garantir que a inovação não fique só no discurso – e isso, claro, também envolve saber lidar com o erro.

Segundo ela, cabe a eles a responsabilidade de “fomentar a experimentação, acolher o erro como fonte de aprendizado e abrir caminhos para a colaboração”. E é essa postura que evita que as ideias morram antes mesmo de sair do papel. Quando o ambiente é psicologicamente seguro e os gestores têm empatia para ouvir e dialogar, errar deixa de ser um problema.

Erro, RH e inovação: como combinar?

Agora, quem garante que esse ambiente aberto à experimentação seja realmente seguro e não vire um caos? Para Lucimeyre Albuquerque, da Aeris Energy, a área de Recursos Humanos tem um papel crucial nesse equilíbrio, abrindo espaço para que novas ideias sejam testadas, enquanto protege a cultura organizacional. Através de mecanismos estrategicamente incorporados à rotina, o RH mostra que o erro pode significar muito mais do que uma simples falha, sendo o primeiro passo para a inovação. “Nosso papel é criar rituais que fomentem o desenvolvimento e o aprendizado a partir dos erros. Entender que problemas existem e precisam ser expostos e tratados é o primeiro passo”, afirma.

Inovação e erro
ucimeyre Albuquerque, da Aeris Energy

Ela cita o ambiente fabril da Aeris como exemplo, onde a metodologia de gestão “Gemba” estimula o protagonismo dos colaboradores na resolução de problemas. Na prática, esse método incentiva os operadores a identificar e expor questões, permitindo que as soluções sejam encontradas com agilidade. Além disso, o processo revela talentos que antes passavam despercebidos. Tudo isso, segundo Lucimeyre, só foi possível com muitas horas de treinamento e capacitação para apoiar essa mudança de mentalidade. “É encarar os problemas de frente e ter método para resolvê-los”, resume.

Políticas de RH

Mas como garantir que os colaboradores se sintam à vontade para arriscar e experimentar? Lucimeyre destaca que existem várias práticas de RH que fazem toda a diferença. Na Aeris, dois programas são essenciais: o VISA (Valorizando Ideias e Sugestões na Aeris) e o GSP (Grupo de Soluções de Problemas). “Ambos estimulam os colaboradores a encontrarem soluções para os desafios do dia a dia, com uma estrutura que apoia desde a análise de viabilidade até a implementação da ideia”, explica a gerente executiva de RH.

Embora essas iniciativas tenham critérios diferentes, principalmente em relação à complexidade, o erro, quando acontece, é sempre tratado dentro de uma metodologia que acolhe e gera aprendizado. “Com a acolhida necessária, proporcionamos uma gestão do conhecimento para que o erro não se repita”, complementa Lucimeyre. No fim das contas, o grande objetivo é garantir que “todo o investimento na tolerância ao erro e na potencialização da inovação” resulte em ganhos concretos e sustentáveis, alinhados à estratégia de negócio.

A lógica da inovação

Na matemática da inovação, dois mais dois nem sempre são quatro. O caminho é cheio de nuances — entre o medo de errar e a confiança necessária para desafiar o novo, o processo acaba sendo bem mais complexo. Não por acaso, Carla Alessandra de Figueiredo Silva, diretora de Gente & Cultura do Grupo Stefanini, apresenta algumas estratégias-chave que o RH pode adotar para destravar esse mindset nas organizações.

O primeiro passo é capacitar os gestores para que vejam o erro — tanto da equipe quanto o próprio — como uma oportunidade de aprendizado. Além disso, dentro da cultura de inovação, é essencial destacar os ganhos obtidos ao longo do processo. Carla também reforça a importância de programas de mentoria, onde os mais experientes compartilham suas vivências, e de uma comunicação interna que valorize histórias reais de superação, mostrando que os erros podem, sim, se transformar em conquistas. Definir metas que acompanhem a evolução das áreas também é crucial, assim como incentivar a alta gestão a reconhecer e compartilhar seus próprios erros, promovendo a transparência.

Para completar, a Stefanini realiza workshops frequentes para troca de experiências, oferece treinamento contínuo para gestores e promove encontros da alta gestão com colaboradores de todos os níveis, além de fóruns para trocas de ideias. Embora não haja uma receita pronta, há muitos caminhos a serem seguidos.

inovação e erro
Foto: imagem gerada por IA – DALL·E

Errar tem método

Diante disso, vem a pergunta: todo erro é válido ou tem um jeito certo de errar? Acredite se quiser, quando se trata de inovação, até para errar precisamos de método. Não dá para sair arriscando sem planejamento, especialmente quando o projeto envolve milhares de pessoas e milhões de reais. Como Juliana Paolucci bem explica, errar em inovação não é sobre falhar sem critério; é sobre testar com propósito. “Estamos falando de experimentação com método, medição de resultados e ajustes rápidos”, afirma. O erro, nesse contexto, é consciente e controlado. A especialista sugere começar pequeno, testar em ambientes seguros e ajustar a rota com agilidade — o que permite inovar sem comprometer o futuro da organização.

Sem dúvida, esse é um dos maiores desafios, como Juliana bem aponta. Nessa corda bamba, a empresa precisa garantir que o que está funcionando hoje continue rodando, enquanto o terreno é preparado para o que vem pela frente. A CEO da Oficina da Inovação compara isso a pilotar um transatlântico: “a empresa é grande e pesada, com hierarquias bem estabelecidas, e para mudar de direção precisa de tempo e planejamento”. Ao mesmo tempo, é necessário a agilidade de um jet ski para encarar as mudanças inesperadas do mercado e se adaptar rapidamente.

Esse equilíbrio é o que mantém as empresas competitivas, mas a analogia vai além. O jet ski, mais ágil e separado do todo, é o playground ideal para testar ideias com maior autonomia e adaptabilidade. Lembra do errar pequeno? Não dá para arriscar tudo e afundar o transatlântico como o Titanic. “Algumas empresas já entenderam essa lógica e estão operando com núcleos de experimentação, onde a inovação pode ser testada com rapidez e eficiência, sem comprometer a operação robusta do transatlântico”, complementa.

Foto: imagem gerada por IA – DALL·E

Jornada da inovação

Mas se errar faz parte do processo de aprendizado, como equilibrá-lo com a responsabilidade individual que cada um tem (ou deveria ter) sobre suas ações? No campo da inovação, o RH não pode deixar que o erro causado por descuido ou falta de comprometimento seja confundido com o famoso “é errando que se aprende”. Quem faz esse alerta é Carla Alessandra de Figueiredo Silva, diretora de Gente & Cultura do Grupo Stefanini.

Para ela, é crucial que os gestores sejam claros ao definir os limites entre erros aceitáveis e negligência. “Muitas vezes essa linha é tênue. Aceitar erros não é abrir mão de qualidade e produtividade. Pelo contrário, admitir o erro é valorizar a melhoria contínua e a evolução”, enfatiza Carla. Isso significa que, embora o erro deva ser aceito, ele precisa ser controlado e ter um propósito claro de aprendizado.

E como medir se essa “tolerância” está gerando os resultados esperados? Segundo Carla, há várias formas de avaliar esse impacto. “Podemos usar indicadores combinados: turnover, melhoria da qualidade, pesquisa de clima organizacional, métricas de inovação, participação dos funcionários nos programas internos de inovação, evolução das iniciativas internas e satisfação dos clientes (NPS)”, enumera. Por meio deles, é possível ter uma visão clara de como a cultura de inovação está contribuindo para o sucesso e o desenvolvimento de qualquer organização. “Mas vivenciar o que é defendido em termos de cultura e abordagem aos erros é mais poderoso e transformador do que qualquer número ou capacitação formal”, finaliza.

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