Uma empresa pode investir milhões em tecnologia, montar equipes inteiras focadas em inovação e ainda assim falhar. Sem um RH que contribua ativamente para a construção de uma cultura de inovação genuína, alinhada ao propósito da empresa, qualquer tentativa de mudança corre o risco de ser apenas um esforço passageiro. E aí, o “novo” vira apenas discurso, enquanto a rotina segue como sempre foi. Sim, inovação não nasce do acaso – e exige mais do que boas ideias para se materializar. Para que ela aconteça, é preciso um ambiente que incentive a experimentação e envolva todos no processo. E se inovação tem a ver com pessoas, o RH é a peça-chave para transformar talento e conhecimento em mudanças reais.
Ainda hoje, muitas organizações ainda insistem em associar o verbo inovar à imagem de gênios criativos, como Steve Jobs, Mark Zuckerberg ou Jeff Bezos. Mas bem sabemos que para conjugá-lo não precisamos ir tão além. Nem sempre a evolução precisa ser tão grandiosa a ponto de romper com o status quo. Na matéria “Evolução, revolução ou os dois?”, ovice-presidente Sênior de Talento e Cultura da Accor, Fernando Viriato, cravou uma máxima sobre o papel do RH na cultura de inovação que vale reforçar: inovação tem a ver com criação de valor.

Se inovação não é foguete, por que tantas empresas ainda a tratam como se fosse?
Quando uma equipe consegue redesenhar um processo operacional aparentemente simples, encurtando o tempo e os recursos empregados, ela também está inovando, mesmo que não tenha criado algo inédito. “Por mais que as culturas e os negócios sejam diferentes, inovação é aquilo que faz diferença”, completa Fernando. Essa abordagem é estratégica porque derruba a ideia de que somente o novo e o disruptivo têm valor, mostrando na prática que os avanços reais acontecem, muitas vezes, nos pequenos ajustes do dia a dia.
Mas há outro mito que precisa ser derrubado de uma vez por todas: inovação não é privilégio apenas dos mais criativos ou das áreas tecnológicas. Na verdade, nem a própria criatividade é sinônimo de inovação, como muitos pensam. Fernando Viriato explica que o pensamento criativo não garante, por si só, uma cultura de inovação, embora seja um elemento importante nesse processo. A criatividade como competência, segundo ele, precisa ser estimulada e aplicada. “Você pode ter muita criatividade em um ambiente, mas não necessariamente ter inovação; ou um ambiente onde seja permitido testar e errar, mas que não estimula a criatividade”, explica.
Muito complexo? Na verdade, se o RH cumprir bem seu papel de impulsionar talentos e abrir espaço para que todos contribuam com ideias – simples ou complexas, grandes ou pequenas –, qualquer colaborador será capaz de vivenciar a cultura de inovação no seu dia a dia. E o melhor: sem depender das grandes revoluções, muitas vezes, impostas de cima para baixo. Ao RH, portanto, cabe a missão de criar esse ambiente seguro e estimulante, onde as pessoas sejam incentivadas, reconhecidas e valorizadas por cada contribuição. “A inovação pertence a todos. E mesmo a criatividade é um comportamento que pode ser estimulado”, reflete.
Ao inovador, as batatas?
Quando o assunto é cultura de inovação, o objetivo sempre será torná-la parte do DNA da empresa. Isso significa que ela não pode ser tratada como algo eventual ou pontual, mas precisa acontecer com propósito, integrada ao dia a dia da organização. Mas isso não quer dizer que inovar deva se transformar em uma linha de produção de ideias brilhantes, muito menos se limitar à busca por grandes revoluções. Muito pelo contrário. Ao tratar a inovação apenas como algo grandioso, a empresa corre o risco de perder de vista as pequenas iniciativas que, juntas, são capazes de transformar seu futuro.
Para Gerson Ferreira, sócio e estrategista de Cultura e Comportamento Humano da Innoway, antes de tudo, é preciso desconstruir a visão glamourizada que o mercado tem sobre inovar. Ele explica que grandes avanços, como a Revolução Industrial e a invenção do telefone, não aconteceram porque um único indivíduo teve uma ideia genial em um momento isolado. “Se você quer fazer da inovação parte do dia a dia, é preciso reconhecer que as grandes inovações da nossa história não aconteceram porque alguém queria inovar”, destaca. No caso do telefone, por exemplo, embora a criação seja atribuída a Graham Bell, pouca gente sabe que, na mesma época, outros inventores estavam muito perto de desenvolver algo parecido. Ou seja, a inovação responde a necessidades reais dentro de um contexto específico.
Seu colaborador já pode estar inovando agora mesmo
Essa idolatria às grandes invenções não é novidade, mas se torna bastante problemática na gestão de pessoas. Quando as empresas exaltam apenas as ideias tidas como geniais ou os produtos disruptivos, acabam negligenciando seus próprios colaboradores, que estão todos os dias entregando valor à operação. Gerson Ferreira alerta que, em qualquer organização, pode haver centenas de pessoas com enorme potencial criativo e inovador, mas que passam despercebidas simplesmente porque suas ideias não parecem revolucionárias à primeira vista. Essa obsessão pelo disruptivo não apenas desestimula os colaboradores a contribuírem com novas ideias, como também cria um ambiente onde só há espaço para iniciativas geniais, vindas de perfis considerados excepcionais – como especialistas e altos executivos.

Mas será que a inovação está realmente restrita a esse grupo? Gerson cita o autor Nassim Taleb, que no livro Antifrágil desconstrói essa visão elitizada da inovação. “Inovação não vem de gente estudada, acadêmica. Vem de práticos, experimentadores, empreendedores. Esses são os que movem o mundo”, reforça, citando que a inovação não precisa de um rótulo grandioso para ser relevante.
Assim sendo, por mais que as inovações disruptivas atraiam os holofotes para si, são os ajustes incrementais que realmente transformam a rotina e impactam a experiência dos colaboradores. Christiane Berlinck, vice-presidente de RH do Grupo OLX, defende com clareza essa visão, destacando que, quando se trata de cultura de inovação, é fundamental que o RH mostre que qualquer pessoa pode e deve contribuir com novas ideias, independentemente do cargo ou da função que exerce. “É importante estimular os profissionais a experimentarem e irem atrás do que não existe ou precisa ser melhorado, sem medo de errar”, afirma.
A inovação está nos pequenos detalhes
Na OLX, por exemplo, o assistente virtual Joca nasceu exatamente dessa lógica interna. Um colaborador da folha de pagamento, conhecendo profundamente os processos burocráticos, percebeu que poderia automatizar respostas às perguntas frequentes feitas pelos colegas. Ao propor essa pequena mudança, ele não só inovou, como criou um impacto imediato e tangível na empresa. Segundo Christiane, esse exemplo só foi possível graças à cultura de inovação criada pelo RH, que não só permitiu como incentivou a iniciativa. “Isso é um exemplo de como devemos dar oportunidades aos colaboradores para explorarem seus potenciais criativos. Quando reconhecemos e incentivamos essas iniciativas, mostramos que a inovação está ao alcance de todos.”
Mas por que tantas empresas ainda resistem em reconhecer essas pequenas melhorias como inovação? Muitas vezes, é a própria cultura organizacional que limita esse olhar mais amplo. Para Christiane, o desafio do RH está justamente em quebrar essa barreira cultural, mostrando aos gestores e líderes que valorizar pequenas iniciativas não apenas gera resultados práticos como fortalece o engajamento, tornando os colaboradores mais confiantes para participar do processo. “Uma empresa evolui com a soma de pequenas ideias e grandes projetos. Se quer um ambiente inovador, precisa reconhecer também as iniciativas menores, que muitas vezes nem são tangíveis, mas fazem toda a diferença na construção da cultura de inovação.” O efeito é multiplicador. Pequenos gestos, como celebrar publicamente as contribuições dos times ou criar programas internos de reconhecimento, ajudam a manter esse ciclo em movimento.
Além disso, retomando a ideia de que a inovação pertence a todos, Christiane Berlinck reforça que a cultura organizacional precisa garantir voz e engajamento para diferentes setores. “É preciso ouvir a empresa e manter o engajamento para que a equipe trabalhe unida e dedicada. É ter uma cultura que promova um ambiente de trabalho em que as ideias e vozes podem e devem ser escutadas”, complementa. Para isso, o RH deve atuar como facilitador, promovendo a troca de experiências interdepartamentais e incentivando a colaboração, inclusive com o apoio de ferramentas digitais como Slack, Workplace e Trello. Mas tudo isso precisa ser estruturado estrategicamente, com o uso inteligente de tecnologia e dados para tomadas de decisão mais assertivas.

Se o RH não muda, nada muda
Mas será que o RH está realmente preparado para ser o agente dessa mudança, dentro de uma cultura de inovação? Bruno Szarf, vice-presidente global de People & Performance do Grupo Stefanini, alerta para uma realidade comum nas empresas: muitas vezes, é o próprio RH que trava a inovação ao se apegar demais a processos tradicionais e rotinas consolidadas. “Ele tem um perfil, muitas vezes, harmonizador, que não está aberto a mudanças, porque mudar traz incertezas e insegurança”, pontua. E com esse perfil dominante, sem qualquer lampejo provocativo, dificilmente a inovação irá prosperar na organização.
A bem da verdade, não adianta querer mudar o comportamento da empresa inteira se o RH, no papel de guardião da cultura, não está disposto a mudar seu próprio jeito de atuar. “Precisamos trabalhar muito a ‘cabeça’ do RH e eventualmente ajustar o perfil. Para mudar, é preciso começar com o simples, medir, celebrar os resultados e persistir”, complementa Ele lembra ainda que é preciso ir além do discurso bonito, já que inovação demanda método, clareza e resultados mensuráveis.
Basicamente, não basta propor mudanças sem conexão clara com a estratégia do negócio. O RH precisa medir continuamente o impacto das inovações propostas, apresentando resultados concretos que justifiquem novos investimentos e esforços. E para isso, como Bruno bem reforça, antes de tudo, é essencial ter uma visão prática e objetiva dos desafios reais da empresa.
Como destravar a cultura de inovação
Embora a gestão de pessoas não seja tão lógica quanto resolver uma equação matemática, algumas estratégias práticas podem ajudar o RH a destravar de vez a cultura de inovação nas organizações. A primeira delas é criar um ambiente seguro, onde as pessoas se sintam confortáveis diante da incerteza e sejam valorizadas justamente por desafiar o comum – afinal, inovar é um exercício constante de coragem e dedicação. Para Bruno, essa transformação tanto de mindset quanto de atitude depende da atuação do RH como propulsor dessa inovação. “Programas que valorizem a inovação são fundamentais, mas precisamos também deixar muito claro para as pessoas até onde cada um pode ir. Só assim elas terão segurança para arriscar.”
Outro ponto crucial destacado por Bruno é o papel estratégico do RH em promover ativamente a diversidade de pensamentos na organização. De fato, é um caminho sem volta: ao abrir espaço para ideias diferentes, as empresas naturalmente aumentam sua capacidade de inovação. “Precisamos exercitar a humildade para aprender com visões diferentes e criar um ambiente onde o talento se multiplique através dos insights gerados por pessoas com diferentes perspectivas. Isso inclui aprender rapidamente com as falhas e, especialmente, ouvir quem está diretamente envolvido nos processos”, destaca Bruno.

A diversidade como motor da inovação
Fernando Viriato, da Accor, amplia essa reflexão ao destacar que a inovação nasce, sem sombra de dúvida, do encontro de diferentes pontos de vista. Quando as equipes são muito homogêneas, as soluções tendem a ser parecidas, limitando o potencial criativo da organização como um todo. “A diversidade ajuda a trazer modos de pensar diferentes, pessoas que vão olhar de forma mais ampla e com novas perspectivas. Eu acredito que isso traz mais elementos para a correta decisão sobre qualquer coisa”, pontua.
Na prática, empresas que investem em diversidade aumentam significativamente suas chances de inovação, já que novas perspectivas geram novas possibilidades. No entanto, como Fernando bem ressalta, a diversidade por si só não garante soluções inovadoras no longo prazo. Ter equipes compostas por pessoas de diferentes origens, culturas, gêneros e idades é um primeiro passo, mas para que essa estratégia gere um impacto real, o ambiente precisa ser psicologicamente seguro e, acima de tudo, inclusivo.
O problema é que muitas empresas falam sobre inovação, mas, na prática, não oferecem as condições necessárias para que os colaboradores se sintam à vontade para testar e aprender com os erros. Para Gerson Ferreira, não existe inovação verdadeira sem segurança psicológica, assim como ela não flui naturalmente em ambientes em que as lideranças não patrocinam esse mindset. “O ambiente e a capacidade de colaboração e integração entre áreas são mais importantes do que ter os melhores talentos. O que esses talentos criam e produzem como grupo é o que faz a diferença”, reforça.
Cultura de inovação como sistema operacional: você já instalou o seu?
Por isso, para que a cultura de inovação funcione de verdade, ela precisa ser o “sistema operacional” da empresa, rodando 24 horas por dia em todos os setores, do almoxarifado ao backoffice e, claro, no próprio RH. A analogia feita por Gerson Ferreira faz sentido: a inovação só acontece quando se torna parte do cotidiano das equipes, influenciando decisões e comportamentos. Mas para isso, o RH precisa garantir que os objetivos estratégicos e os valores organizacionais estejam alinhados, assegurando que a inovação seja mais do que discurso – e sim um guia prático para a empresa.
Mais do que incentivar mudanças pontuais, isso exige uma liderança que realmente acredita e pratica inovação. “Se os líderes não percebem valor em fazer algo além do que são pagos para fazer, como será possível convencer o restante da empresa?”, provoca Gerson. Ou seja, o RH deve atuar ativamente no desenvolvimento dessas lideranças. E aqui está o ponto-chave: sem líderes preparados, não há uma cultura de inovação sustentável.

Segundo Gerson, as empresas precisam enxergar a liderança como peça vital para destravar o potencial criativo dos colaboradores – e isso inclui os profissionais da base operacional. “Para ser líder, é preciso antes reconhecer-se como tal”, pontua. Mas esse processo não se resolve apenas com treinamentos ou metodologias isoladas. Comunicação não violenta, workshops e programas de desenvolvimento são essenciais, mas não estabelecem hábitos sustentáveis se o indivíduo não amplia sua própria consciência sobre o impacto da inovação. Além disso, ele precisa ter noção dos seus próprios bloqueios para, então, desenvolver o potencial alheio. “Ninguém vem trabalhar e deixa seu ‘eu’ pessoal em casa”, destaca.
Coalizão evolutiva
No fim do dia, empresas que realmente querem evoluir precisam tornar a inovação algo democrático e acessível a todos. E isso exige um compromisso real e estruturado. Gerson Ferreira chama esse movimento de “Coalizão Evolutiva” – um acordo coletivo entre as lideranças, integrando cultura e estratégia com a consciência de que as pessoas são o centro dessa transformação.
Fernando Viriato, da Accor, complementa a reflexão destacando que inovação não é um evento isolado, mas um fluxo contínuo de pequenas melhorias que precisam estar conectadas tanto à operação presente quanto às estratégias futuras. “Você precisa olhar para o futuro sem deixar de entregar no presente. Operação e inovação precisam coexistir o tempo inteiro, tudo junto e misturado. Essa é a essência real de uma cultura de inovação forte, viva e capaz de transformar a empresa todos os dias”, resume. E é exatamente aqui que o RH assume seu papel fundamental – como maestro dessa orquestra, garantindo o equilíbrio constante entre o hoje e o amanhã.
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