
A sobrecarga feminina deixou de ser uma questão restrita ao âmbito pessoal e se consolidou como problema estrutural, afetando diretamente o ambiente corporativo. Segundo a pesquisa Tired, Stressed and Overwhelmed, da Deloitte, 51% das mulheres relatam estar mais estressadas neste ano em comparação ao anterior. Fernanda Dabori, CEO da Advice Comunicação Corporativa, reforça esse cenário: “As doenças mentais têm crescido em todo o mundo, e em especial no Brasil, onde a mulher tem uma sobrecarga com tarefas domésticas. Isso tem reflexo direto nas companhias, que precisam apoiar essas profissionais”.

Embora brindes, salas de café e mesas de jogos ainda tenham espaço, especialistas apontam que a felicidade no trabalho nasce de práticas simples e consistentes. Pausas conscientes, reconhecimento diário e autonomia para pequenas decisões estão entre as estratégias de maior impacto. Para Renato Rovina, diretor de Recursos Humanos no BNP Paribas, “ser feliz no trabalho é encontrar atividades que proporcionam prazer, de realização. Ter bons colegas, bons gestores e sentir-se reconhecido são fatores que fazem diferença”.
Sobrecarga e desigualdade estrutural

O papel masculino no equilíbrio de gênero também precisa ser ampliado. Leandro José Soares, fundador e CEO da Líder com Alma, ressalta: “Vivemos ainda numa sociedade muito machista e muitas organizações são masculinizadas. Nós, como homens, temos um papel fundamental, principalmente quem atua em liderança, de mudar essa realidade”. Para ele, reconhecer a segunda jornada feminina é essencial. “Estudos mostram que a mulher se dedica 20 horas semanais em dupla jornada, enquanto o homem dedica 10. Qual gestor realmente pergunta como suas colaboradoras estão se sentindo?”, questiona.
A necessidade de treinar lideranças para lidar com desigualdades e fatores de risco psicossociais é cada vez mais evidente. Segundo Soares, gestores devem ser preparados para identificar sinais de sobrecarga, burnout e preconceitos ainda presentes na cultura organizacional. “As lideranças precisam intervir de forma eficaz, criando uma cultura de segurança emocional. O ambiente de trabalho deve ser pautado na escuta ativa e no respeito às diferenças, para que homens e mulheres possam prosperar”, complementa o executivo.

O caminho para as mulheres que desejam cargos de liderança é marcado por obstáculos adicionais. Beatriz Imenes, vice-presidente da Planin, explica “que as mulheres precisam ultrapassar desafios muito maiores que os homens, enfrentando estereótipos de TPM, cansaço ou desvalorização. Muitas vezes não somos levadas a sério, e isso gera riscos claros de burnout e ansiedade”. Ela alerta ainda para as consequências de ambientes sem acolhimento. “Nossa carreira pode ser interrompida se não houver apoio”, adverte.
A falta de flexibilidade nas empresas ainda resulta em perda de talentos. “Vejo muitos talentos femininos sendo perdidos porque não conseguem equilibrar esse desafio de ser profissional, mãe e mulher”, critica Beatriz. Na Planin predominam sócias mulheres e práticas de acolhimento foram estruturadas. “O ambiente sustentável é a melhor prática. Além disso, programas de saúde física e mental contribuem para manter a equipe engajada e produtiva”, acrescenta.
Micro-hábitos e felicidade cotidiana

Para Rovina, a felicidade no trabalho deve ser integrada ao bem-estar pessoal. “Não adianta ser feliz no trabalho e infeliz na família ou na saúde. É preciso ter senso de realização, propósito e prazer em contar o que se faz. Trabalhar não pode ser sinônimo de sofrimento”, reflete. O executivo defende que cada colaborador busque autoconhecimento para identificar o tipo de gestão com que melhor se relaciona e que líderes ofereçam reconhecimento contínuo. “Um simples tapinha nas costas já faz diferença”.
O tema do reconhecimento também é apontado por Geraldo S. Netto, diretor de Capital Humano da Arcor do Brasil. Para ele, “construir uma empresa capaz de dar a melhor opção para as pessoas, e não a única, é papel central do RH”. Ele lembra práticas simbólicas, como homenagens a tempo de casa, que ajudam a reforçar vínculos. “Hoje, temos programas de reconhecimento para 1, 3 e 5 anos de empresa, pois os ciclos de carreira mudaram. Para as pessoas, mais importante do que a longevidade é ter marcos de valorização”, relata.

Na visão de Netto, o salário emocional vai além de valores monetários. “Recompensa tem valor monetário, mas reconhecimento não. Pausas para cafés, momentos de descontração e integração das equipes são estratégias que reforçam o pertencimento”, afirma. “O que vale mais? Uma pessoa presente e improdutiva ou alguém que, após momentos de descontração, entrega acima da média?”, questiona. O executivo considera que os líderes devem observar esses detalhes e promover equilíbrio.
Na Techware, o olhar também se volta para práticas cotidianas. Aline Brito, coordenadora de Comunicação e Cultura, destaca que ouvir os colaboradores foi essencial. “Tínhamos várias ações de reconhecimento que achávamos excelentes, mas os funcionários apontaram a necessidade de mudanças. Reformulamos, por exemplo, a valorização por tempo de casa, estendendo para quem tem menos tempo de empresa”, enfatiza. Para ela, sair de ações pontuais e construir micro-hábitos consistentes é o verdadeiro caminho.
Escuta ativa e liderança humanizada
Aline lembra que a escuta ativa foi fundamental para ajustar práticas internas. “Só com ouvidos e mente abertas conseguimos compreender o que precisava ser mudado. Essa postura evita desperdícios e aproxima a empresa das necessidades reais do time”. Ela também defende que a felicidade é uma busca individual, mas que cabe às empresas criar espaço para que cada um defina o que lhe traz realização.
Outro ponto levantado por Aline é a necessidade de atenção às lideranças. “Quem cuida de quem cuida? O gestor também precisa de apoio, engajamento e propósito”, afirma. Para ela, formar líderes capazes de inspirar e de construir bem-estar coletivo é o maior desafio. “Gestores atuam em níveis estratégicos e operacionais e têm responsabilidades diferentes. É preciso olhar para eles de forma diferenciada”, aponta.
As falas dos especialistas revelam que a cultura organizacional precisa de ajustes constantes. A sobrecarga feminina, a masculinização das empresas e a falta de reconhecimento não são apenas questões individuais, mas estruturais. Como reforça Fernanda Dabori, “os novos líderes buscam empatia e comunicação, favorecendo apoio às mulheres sobrecarregadas”. Essa mudança de mentalidade é o que sustenta transformações mais amplas.
A busca pela felicidade não pode ser isolada do contexto pessoal. Netto lembra que o equilíbrio precisa ser global. “Para ser feliz não basta só no trabalho ou só na vida pessoal. As empresas precisam reconhecer esse todo”. Essa perspectiva amplia o papel do RH, que deixa de ser apenas área de suporte e passa a ser guardião da experiência humana dentro das organizações.
Bem-estar como investimento estratégico
Elementos como transparência, confiança e consistência de hábitos cotidianos emergem como os grandes construtores da satisfação no trabalho. Reconhecimento diário, pausas conscientes e liberdade para pequenas decisões podem parecer simples, mas são estratégias que, repetidas, criam ambientes mais saudáveis e produtivos.
Empresas que desenvolvem lideranças empáticas tendem a se destacar no mercado. “A cultura de segurança emocional e o acolhimento são diferenciais competitivos”, afirma Beatriz Imenes. “Sem isso, talentos se perdem e trajetórias são interrompidas.” O impacto vai além do engajamento: influencia diretamente a reputação da marca empregadora.
Dados da McKinsey indicam que 33% das brasileiras apresentam sintomas de burnout, e muitas mulheres em cargos de liderança pedem demissão por exaustão, e não por ambição. Esse dado reforça a urgência de repensar estratégias. “Se não olharmos para esses sinais, continuaremos perdendo talentos valiosos”, adverte Fernanda.
As empresas que incorporam práticas de bem-estar não apenas aumentam a produtividade, mas também fortalecem sua sustentabilidade de longo prazo. “O ambiente sustentável é a melhor prática, porque une saúde, acolhimento e engajamento”, conclui Beatriz. Ao equilibrar vida pessoal e trabalho, organizações constroem não apenas resultados financeiros, mas também sociedades mais humanas e justas.
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