Benefícios

Fertilização vira benefício estratégico nas empresas

Organizações incorporam programas de reprodução assistida como parte da agenda de bem-estar, inclusão e retenção de talentos

de Redação em 11 de setembro de 2025
Planejamento familiar entra nas políticas de gestão de pessoas

O avanço da agenda de bem-estar corporativo tem levado as empresas a explorar benefícios que, até pouco tempo atrás, eram considerados impensáveis. Programas de reprodução assistida, congelamento de óvulos e fertilização in vitro começam a aparecer nos pacotes de benefícios de companhias de diferentes setores. A motivação é clara: atrair, reter e apoiar colaboradores em momentos decisivos de suas vidas.

Afrânio Haag, diretor de Pessoas do Grupo Fleury

No Grupo Fleury, o programa Viver Melhor se tornou referência. “Esse programa tem três pilares importantes: assistencial, ocupacional e de qualidade de vida. Dentro dele, nasceu o benefício da fertilização, parte do projeto Amor de Família”, explica Afrânio Haag, diretor de Pessoas da rede de serviços em saúde.

Segundo Haag, a medida foi estratégica pelo fato de a empresa ter um quadro majoritariamente feminino. “Nosso público é composto por 80% de mulheres, contudo, o benefício de fertilidade não é exclusivo para elas. O homem também é cliente do programa”, esclarece. O resultado foi a construção de uma política de saúde ampliada, que atende demandas físicas, emocionais e familiares.

Diversidade e cuidado integral

O Fleury implantou o benefício em 2021 e hoje já acumula quase cinco anos de experiência. O impacto no clima organizacional é evidente, segundo o diretor de Pessoas. “O NPS do Viver Melhor é acima de 80%. Embora não tenhamos uma medição específica do benefício de fertilidade, sabemos que as famílias atendidas demonstram gratidão e retorno positivo”, comenta Haag.

Além do subsídio financeiro — com desconto de 30% nos procedimentos — a empresa oferece acompanhamento integral. “Desde a primeira consulta, passando pelo pré-natal e até o acompanhamento infantil no Viver Melhor Kids, buscamos dar sequência ao cuidado. Mais de 250 colaboradoras participam ativamente do Amor de Família todos os meses”, detalha o executivo.

O olhar do setor financeiro

Renato Rovina, diretor de RH do BNP Paribas

Se no setor de saúde a fertilização pode parecer natural, a presença do benefício no setor financeiro surpreende. O BNP Paribas tornou-se um dos pioneiros no Brasil ao incluir a fertilização em seu pacote de benefícios. “O benefício foi pensado olhando para a diversidade da nossa população interna. Queríamos ampliar o leque e atender diferentes necessidades. Essa ação mostra preocupação com o bem-estar, assim como é uma ferramenta de atração e retenção”, afirma Renato Rovina, diretor de Recursos Humanos do banco francês. 

Com média etária de 38 anos entre os colaboradores, o banco percebeu uma demanda crescente. “O benefício cobre fertilidade para homens e mulheres, colaboradores e dependentes. Ele é custeado 100% pelo banco até um limite preestabelecido, tirando o peso inicial do tratamento”, explica Rovina.

Privacidade e apoio psicológico

A implementação exigiu ajustes técnicos e culturais relevantes. Segundo Rovina, do ponto de vista técnico, foi necessário desenhar um modelo de cobertura em parceria com a operadora de saúde, definindo limites de custeio, quais procedimentos seriam incluídos e como garantir que o benefício não impactasse a sinistralidade do plano principal. Já no campo cultural, o desafio foi lidar com um tema sensível, ligado ao planejamento familiar, sem que os colaboradores sentissem invasão de privacidade. “Era preciso evitar que o colaborador se sentisse invadido. De modo que o banco não acessa nenhuma informação. Toda a intermediação é feita pelo plano médico, que garante a confidencialidade”, reforça.

O benefício também foi bem recebido pela liderança. “Desde o CEO até os gestores, houve apoio. É uma mensagem de marca empregadora, mostrando que o banco está atento ao que importa para as pessoas”, acrescenta o diretor de RH do BNP Paribas. Além disso, a política de flexibilidade após a licença-maternidade e paternidade complementa o pacote, permitindo adaptação mais suave ao retorno.

Afrânio Haag, do Grupo Fleury, também destaca o respeito à confidencialidade dos dados dos beneficiários. “As informações são tratadas como dados médicos, sem qualquer acesso do RH. Cabe exclusivamente ao colaborador decidir se deseja revelar sua participação no programa, preservando a confidencialidade de forma integral”, ressalta Haag.

O Grupo Fleury também adota medidas para assegurar que os colaboradores possam conciliar a vida profissional com a chegada de um filho. “Somos signatários do programa Empresa Cidadã, o que nos permite estender a licença-maternidade em 60 dias e a paternidade em 15 dias. Respeitamos o tempo de cada família e planejamos a cobertura necessária durante esse período, garantindo que o retorno ao trabalho aconteça de forma tranquila e equilibrada”, afirma o diretor de Pessoas.

Tecnologia como aliada

Rafael Gonzales, diretor comercial da Huntington Medicina Reprodutiva

As clínicas também enfrentam o desafio de tratar o tema com a devida sensibilidade e sigilo. A confidencialidade é um ponto inegociável, já que envolve uma dimensão íntima da vida dos colaboradores. Nesse sentido, a Huntington Medicina Reprodutiva adota protocolos rígidos de proteção de dados e segue as diretrizes da LGPD para garantir a privacidade. “Não passamos dados pessoais para a empresa. Apenas relatamos números gerais, nunca informações que identifiquem alguém”, reforça Rafael Gonzales, diretor comercial da clínica. 

A Microsoft também incorporou a reprodução assistida ao seu portfólio de saúde. A companhia oferece o plano Care Plus com acesso à plataforma Maven, que cobre desde a preconcepção até tratamentos como fertilização in vitro e congelamento de óvulos. 

O benefício, estendido aos colaboradores e dependentes, é complementado pelo programa Mommy Care, de acompanhamento personalizado para gestantes. “O objetivo é garantir suporte integral, da prevenção ao cuidado pós-gestação”, explica a empresa em nota. 

A multinacional reforça, dessa maneira, seu compromisso com a diversidade familiar e com a criação de ambientes de trabalho inclusivos, com os colaboradores podendo planejar suas vidas pessoais e suas carreiras, completa a nota enviada pela empresa. 

O olhar das clínicas especializadas

Do lado das clínicas, o movimento corporativo é visto como uma oportunidade de democratizar o acesso. A Huntington criou um modelo de parcerias com empresas para oferecer descontos sem sobrecarregar a folha de pagamento. “No Brasil, o consumo de medicamentos usados na reprodução é oito vezes menor que nos Estados Unidos. A principal barreira é o acesso. Muitas empresas querem oferecer, mas não conseguem arcar. Desse modo, criamos um modelo de desconto coletivo, em que levamos palestras, informação e preços diferenciados, com descontos no tratamento que podem chegar até 20%”, explica Rafael Gonzales, diretor comercial da clínica.

O impacto vai além do aspecto clínico e se traduz também em questões sociais e culturais. Segundo Gonzales, muitas mulheres, ao priorizarem a carreira, adiam a maternidade e acabam procurando tratamento já em idade avançada, quando a reserva ovariana está reduzida e as chances de sucesso diminuem. Ele lembra que essa realidade reforça a importância da educação em saúde reprodutiva dentro das empresas, de modo que o tema seja discutido com antecedência e sem tabu. “A mulher chega para nós com 37 anos, priorizou a carreira, mas perdeu reserva ovariana. Queremos levar conhecimento antes, recomendando o congelamento aos 30, preservando a opção dela. Nosso lema é ‘Trintou, congelou’”, acrescenta.

Formatos de parceria

Os modelos de contrato também refletem essa diversidade de necessidades corporativas. Algumas companhias optam por custear parte do tratamento, enquanto outras preferem disponibilizar apenas descontos significativos para reduzir a barreira de acesso. Gonzales ressalta que a eficácia depende do engajamento institucional. “Há empresas que bancam parte do tratamento, outras apenas oferecem o desconto. O importante é não virar um benefício de prateleira. É preciso engajamento do RH, com eventos, palestras, além de informação para que as pessoas se sintam confortáveis em usar”, ressalta.

Para os colaboradores, o aspecto emocional é tão relevante quanto o clínico. A jornada de fertilização pode gerar ansiedade, frustração e desgaste psicológico, exigindo um suporte multidisciplinar. Por isso, a Huntington tem o objetivo de oferecer um atendimento humanizado. “O tratamento é emocionalmente desgastante. Oferecemos acompanhamento psicológico, consultas de nutrição e urologia, sem diferenciação entre clientes privados e corporativos”, completa o executivo.

Saúde, bem-estar e estratégia empresarial

A adoção da fertilização como benefício corporativo une agendas de saúde, inclusão e competitividade. Do setor de saúde ao financeiro, passando pela tecnologia, as empresas começam a reconhecer que apoiar o planejamento familiar é também investir em engajamento e retenção.

Como resume Afrânio Haag, do Fleury, “o benefício de fertilidade é, antes de tudo, um cuidado integral com as pessoas, um acolhimento em um momento delicado da vida”.

Renato Rovina, do BNP Paribas, reforça que “o programa não é imposição, mas de apoio. Ele envia uma mensagem clara de que o banco se importa com o bem-estar e a qualidade de vida dos seus colaboradores”.

Tendências globais e impacto no Brasil

Expansão nos Estados Unidos
Nos Estados Unidos, a oferta de benefícios ligados à fertilidade vem crescendo rapidamente. Em 2024, 42% das organizações já ofereciam algum tipo de apoio a seus colaboradores, contra apenas 30% em 2020, segundo dados da International Foundation of Employee Benefit Plans (IFEBP). Entre os grandes empregadores, a cobertura de fertilização in vitro (FIV) atingiu 45% em 2023, quase o dobro do índice de 2019. Empresas com mais de 500 funcionários têm índices ainda mais altos: cerca de 61% oferecem algum tipo de benefício de fertilidade.

Tipos de tratamentos cobertos
A cobertura vai além da FIV. Ainda de acordo com o IFEBP, 32% das companhias financiam medicamentos de fertilidade, 19% oferecem testes genéticos e 16% incluem congelamento de óvulos. Também há apoio em casos de inseminação artificial, preservação de esperma, adoção e até licenças relacionadas a tratamentos. O movimento reflete a busca por pacotes mais amplos de saúde e bem-estar.

Estratégia de atração e diversidade
A expansão está diretamente ligada a objetivos de atração e retenção de talentos e à agenda de diversidade, equidade e inclusão (DEI). Os anúncios de vagas que mencionam benefícios de fertilidade aumentaram mais de 700% desde 2022, e companhias como Apple, Facebook, Amazon, Goldman Sachs e até a cervejaria britânica Greene King já incorporaram o tema às suas políticas globais. A Amazon, por exemplo, ampliou sua cobertura via plataforma Maven para funcionários em mais de 50 países.

Reflexões e críticas
Apesar do avanço, há críticas sobre possíveis impactos sociais. Especialistas alertam que o congelamento de óvulos oferecido pelas empresas pode ser interpretado como estímulo ao adiamento da maternidade, mascarando desigualdades estruturais no mercado de trabalho. O consenso, no entanto, é que, quando aliados a políticas de licença parental e apoio psicológico, esses benefícios ampliam a inclusão e fortalecem a marca empregadora.

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