Nenhuma tecnologia sustenta sozinha uma transformação digital. O que garante a mudança não são os códigos ou algoritmos, mas as pessoas, que precisam estar engajadas nessa jornada coletiva. E como nada no mundo corporativo – ou fora dele – acontece por simples “osmose”, cabe ao RH transformar esse potencial em prática, construindo uma cultura de inovação que envolva todos, independentemente da área ou formação. O velho hábito de delegar à área de TI a criação de soluções já não basta. Inovar não é privilégio de especialistas, tampouco nasce apenas de treinamentos técnicos. O verdadeiro desafio está justamente aí: em dar voz, oferecer ferramentas acessíveis, reconhecer iniciativas e criar condições para que a inovação se torne um valor estratégico compartilhado por cada colaborador – e também pelo RH.
Nos últimos anos, a tecnologia tem avançado de forma tão acelerada que nosso engajamento, enquanto entusiastas e sobreviventes digitais, dificilmente acompanha o compasso. A cada dia surge uma infinidade de inteligências artificiais e aplicativos capazes de automatizar até as tarefas mais simplórias, exigindo um jogo de cintura que nem sempre temos para lidar com tantas novidades de uma só vez.
A inovação pertence a todos
No trabalho, esse cenário é ainda mais desafiador: quando a inabilidade não é superada, os resultados são comprometidos – e a frustração nos empurra para a zona de conforto, onde repetir processos parece mais seguro. O “sempre foi assim”, somado à famosa ideia de que inovar é “tarefa exclusiva da área de tecnologia”, funciona como um verdadeiro freio. Por isso, não é exagero afirmar que o RH tem um papel decisivo nesse contexto ao mostrar que a cultura de inovação não é um movimento restrito, mas um processo que pertence a todos. Quando essa ponte entre gestão de pessoas e inovação se estabelece, cada colaborador encontra terreno para aprender, experimentar e se reinventar.
Na prática, falar em cultura de inovação sob a ótica do RH é reconhecer que a transformação digital só se sustenta quando deixa de ser privilégio técnico e se torna parte do dia a dia das pessoas. Democratizar a tecnologia é o que torna essa mudança de mindset amigável. É nessa direção que empresas de diferentes setores vêm avançando, como mostram as reflexões das especialistas Daniella Gallo, diretora de Gente e Gestão da Radix, e Rachel Soares Garcia, diretora e líder de RH da Accenture no Brasil.
Barreiras culturais existem
Mas para a cultura de inovação ganhar corpo é preciso que o RH supere algumas barreiras. Se a transformação digital já não é opcional, não dá para ignorar os obstáculos que se impõem, como resistência à mudança, insegurança diante do “novo” e ansiedade. Como Rachel Soares Garcia bem pontua, os desafios não estão na tecnologia em si, mas nos impactos que ela provoca nas pessoas. O medo de ser substituído, somado à falta de clareza sobre os efeitos da automação, acaba afastando os colaboradores dessa realidade. “A resistência é sempre um fator relevante, porque mudança traz desconforto, representa ameaça e as pessoas levam um tempo até adotarem a mudança no seu modus operandi”, analisa.

Garcia, da Accenture Brasil
Muitas vezes, a velocidade com que as inovações acontecem supera a capacidade das pessoas de absorvê-las, criando um cenário de ansiedade e insegurança. E isso só reforça o medo de substituição, porque, como a diretora e líder de RH da Accenture no Brasil bem reforça, não há clareza sobre os impactos que as novas tecnologias provocam, muito menos discernimento sobre a utilização delas no dia a dia. “A chave para transformar esse receio em oportunidade é criar um ambiente de aprendizado seguro e gradual, onde a tecnologia seja vista como aliada e não como ameaça”, orienta.
Diversidade geracional como ativo
Outro fator crítico apontado por ela é o engajamento entre as diferentes gerações que dividem o mesmo espaço de trabalho. Os mais jovens chegam com domínio natural das ferramentas digitais, enquanto os profissionais experientes carregam décadas de conhecimento do negócio, mas nem sempre têm familiaridade com tecnologia. Agora, imagine essa intergeracionalidade sendo desperdiçada por falta de integração. O que poderia ser riquíssimo, torna-se excludente.
Bem sabemos que a diversidade de ideias, trajetórias e perspectivas é o combustível da cultura de inovação, mas não há mágica nesse processo – e o RH pode – e deve – assumir um papel mais estratégico, desenhando programas que não apenas capacitem, mas conectem as gerações. “O papel do RH e da liderança é facilitar essa inclusão, estimulando o protagonismo e mostrando que a transformação digital não é sobre substituir pessoas, e sim sobre ampliar o potencial de cada uma delas”, afirma.
Capacitação que vira cultura
A bem da verdade, se muitas iniciativas de transformação falham, é porque focam apenas na parte técnica. Treinar para usar novas ferramentas é importante, mas ineficaz quando se trata de gerar pertencimento. Rachel defende que a verdadeira diferença está em transformar a capacitação em experiência cultural.
Hackathons, conferências internas, comunidades de prática e prêmios de reconhecimento são exemplos de como a aprendizagem pode ser acessível e engajadora ao não se limitar ao conhecimento técnico. “Quando o colaborador percebe que pode aprender, aplicar e ser reconhecido, a capacitação passa a ser uma alavanca cultural, capaz de gerar engajamento, colaboração e inovação contínua”, destaca a porta-voz.
Ciclo virtuoso de troca
Na prática, não adianta se apresentar como uma empresa inovadora se a inovação não é vivida por todas as pessoas. Garantir capacitação, por si só, não gera nenhuma inovação. A construção de uma cultura de inovação, genuinamente engajada, vai além – e o RH precisa ser estratégico para destravar esse potencial coletivo. O programa Flip, realizado em parceria com a United Way Brasil, é um bom exemplo disso. Jovens participaram de uma imersão em conteúdos digitais com a mentoria de voluntários da própria Accenture. O resultado foi duplo: ao preparar os jovens para o mercado, a empresa também fortaleceu o orgulho interno e ampliou o engajamento dos colaboradores.
Outro exemplo é a premiação interna V360 Awards, que dá visibilidade a iniciativas inovadoras. Valorizar projetos, nesse contexto, cria um ciclo virtuoso, como bem aponta Rachel. “Além de reconhecer os projetos incríveis que as pessoas têm feito, estimula que mais pessoas se engajem em projetos inovadores”, complementa.
Autonomia com responsabilidade
De fato, as ideias que nascem na operação carregam algo valioso: a legitimidade de quem vive, todos os dias, as dores e oportunidades do negócio. Mas, para saírem do papel, elas dependem de práticas consistentes de escuta e avaliação de viabilidade. Rachel aponta alguns caminhos possíveis, como programas de citizen developer, desafios internos de inovação e comitês com diversidade de perfis – iniciativas que ampliam as vozes dentro da organização.
E o papel das lideranças é decisivo nesse ponto, pois, segundo Rachel, são elas que garantem patrocínio, removem barreiras e criam as condições para que as boas ideias ganhem escala. “Quando o colaborador percebe que suas sugestões são ouvidas, testadas e implementadas, ele se engaja mais, se sente protagonista e contribui para uma cultura em que a inovação é responsabilidade de todos”, reforça.
RH estratégico, sempre
Se engajamento e criatividade são indispensáveis para uma cultura de inovação, com a atuação estratégica do RH, a governança também precisa entrar nessa equação. A diretora e líder de RH da Accenture no Brasil reforça que autonomia e segurança não são conceitos opostos – e quando bem equilibrados, se fortalecem. Definir guardrails claros, oferecer ferramentas seguras e adotar processos ágeis de validação são práticas que viabilizam a experimentação sem abrir mão da conformidade.
Na prática, quanto mais claras forem as diretrizes, mais à vontade os colaboradores estarão para testar suas soluções – sempre com o suporte do RH e da área de TI. “O protagonismo vem junto com a responsabilidade pelo impacto gerado”, ressalta Rachel. É nesse equilíbrio entre liberdade criativa e corresponsabilidade que a inovação encontra seu espaço seguro para acontecer de forma sustentável.
Protagonismo que nasce do cotidiano
É isso mesmo: toda inovação, seja um pequeno ajuste de processo ou algo realmente disruptivo, precisa ser viável para sair do papel. E para que essas melhorias se tornem parte do dia a dia, a cultura de inovação precisa ser estimulada de forma contínua pelo RH. A questão é: como fazer isso na prática? Algumas pistas já foram apresentadas, mas nada é mais poderoso do que um exemplo real para mostrar como esses desafios podem ser superados.
É aqui que enta o Citizen Development Program (CDP), da Radix, criado para empoderar os colaboradores no meio digital. A proposta é simples, mas transformadora: capacitá-los para desenvolver soluções utilizando ferramentas de low-code, no-code e IA – plataformas que dispensam conhecimento avançado em programação.
Em outras palavras, mesmo quem não tem essa expertise consegue, a partir dessas interfaces mais visuais, transformar ideias em ferramentas úteis, com autonomia. “Ao capacitar colaboradores de diferentes perfis, o CDP reduz a barreira técnica e mostra que todos podem contribuir. Isso é essencial porque gera inclusão no processo de inovação e fortalece a diversidade de ideias”, analisa a diretora de Gente e Gestão, Daniella Gallo.

da Radix
Não por acaso, falar em democratização da tecnologia é, também, falar em inclusão e diversidade de ideias. Em vez da inovação ficar restrita a um grupo de pessoas, ela se torna um espaço colaborativo, no qual qualquer pessoa pode contribuir. Muitas vezes, boas ideias se perdem porque o autor não se sente reconhecido ou porque a inovação ainda é vista apenas como sinônimo de disrupção – algo distante da realidade.
Cultura de inovação estimulada pelo RH
Mas, quando se abre a possibilidade de “colocar a mão na massa”, o colaborador ganha liberdade para testar, ajustar e aprimorar suas próprias soluções. Claro que isso não acontece da noite para o dia: há barreiras culturais que o conhecimento técnico, por si só, não derruba. Nesse processo, Daniella Gallo destaca as competências humanas que ganharam protagonismo nos times: resiliência para enfrentar desafios inéditos, criatividade para propor caminhos não convencionais, comunicação e colaboração em equipes multidisciplinares, curiosidade para explorar novas possibilidades e pensamento crítico para repensar processos. “No conjunto, essas competências criaram um ambiente fértil para transformar ideias em soluções e tornar cada participante protagonista do processo de inovação”, afirma.
Para a porta-voz da Radix, além da contribuição prática, o maior impacto disso está na forma como as pessoas passaram a se enxergar dentro da organização depois do CDP. Segundo ela, essa “virada” promoveu uma mudança cultural profunda por lá. “Os colaboradores que antes se viam apenas como executores agora assumem o papel de protagonistas da transformação digital”, afirma. Um movimento cuidadosamente conduzido pelo RH, que transformou engajamento e colaboração em pilares estratégicos para sustentar a cultura de inovação.
Case de sucesso
Na petroquímica onde o projeto foi realizado a princípio, a economia milionária acabou ficando em segundo plano diante da transformação humana que se desenhou. Equipes que antes trabalhavam de forma isolada passaram a cocriar soluções, compartilhar experiências e adotar a digitalização como parte da rotina. Como observa Daniella Gallo, diretora de Gente e Gestão da Radix, a tecnologia passou a ser vista como prática para gerar produtividade e valor.
E nesse ambiente de troca, surgiram os chamados “embaixadores da digitalização” – colaboradores que, de forma espontânea, se engajaram em propagar a mentalidade inovadora e inspirar colegas a experimentar sem medo de errar. Foi um movimento orgânico, que na visão da executiva representou “o despertar de um novo mindset coletivo”, mais colaborativo e digital. “O programa parte do princípio de que quem vive o dia a dia do negócio é quem melhor entende suas dores e oportunidades”, pontua.
Todo esse movimento foi sustentado por um ecossistema que extrapola a capacitação técnica. Hackathons, conferências internas, trilhas de aprendizado contínuo e programas de reconhecimento ajudaram a transformar cada conquista em combustível para a próxima. E nesse ciclo virtuoso, a cultura digital vai se enraizando de forma consistente. Para Daniella, o segredo disso está na integração entre tecnologia e gestão de pessoas – uma combinação que torna a transformação, de fato, coletiva. “A tecnologia viabiliza, enquanto a gestão de pessoas assegura engajamento, pertencimento e sustentabilidade.”
Democratização como jornada coletiva
Sem uma gestão de pessoas que realmente apoie a inovação, o mindset inovador não se consolida como parte da cultura. Daniella e Rachel são unânimes: isso só acontece quando a inovação deixa de ser discurso e se torna prática acessível a todos. Nesse cenário, o RH precisa assumir o papel de catalisador, garantindo que a transformação digital não seja um projeto restrito a poucos, mas uma jornada coletiva.
Colaboração, desenvolvimento contínuo, feedback constante, reconhecimento e celebração formam a base dessa construção e são os ingredientes que tornam a inovação possível, sustentável e viva no dia a dia das organizações.
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