Durante muito tempo, o conceito de saúde corporativa limitou-se ao campo físico: ergonomia, pausas ativas, exames periódicos e campanhas de vacinação. Era uma visão técnica, preventiva e fragmentada, que enxergava o colaborador apenas sob o prisma da produtividade e do desempenho operacional. No entanto, a transformação social e as mudanças nas relações de trabalho colocaram em evidência uma realidade mais complexa — a de que o equilíbrio emocional, financeiro e existencial é determinante para o engajamento e a sustentabilidade dos negócios.
Hoje, falar em bem-estar integral nas empresas significa discutir saúde de maneira sistêmica, considerando corpo, mente, relações, propósito e finanças. Essa visão ampliada traduz um novo paradigma organizacional em que cuidar das pessoas se torna parte essencial da estratégia corporativa. O bem-estar deixa de ser um benefício e passa a ser uma responsabilidade compartilhada entre líderes, equipes e gestores de RH. Trata-se de um movimento que conecta valores humanos à performance sustentável, transformando o ambiente de trabalho em um espaço de desenvolvimento e pertencimento.
A cultura do cuidado como estratégia de sustentabilidade

Para Charmoniks Heuer, gerente de RH da Rede Condor e gestora do Instituto Joanir Zonta, o cuidado começa dentro da cultura. “As pessoas precisam sentir que a empresa realmente se importa. Falar de bem-estar é importante, mas o impacto só acontece quando as ações são coerentes com o discurso”, diz.
Ela defende que o bem-estar sustentável precisa ser coletivo. “Quando a empresa valoriza o equilíbrio emocional, estimula líderes a praticarem empatia e cria redes de apoio, os resultados aparecem naturalmente. O cuidado gera produtividade, e a produtividade retroalimenta o cuidado”, completa.
O impacto da saúde financeira no equilíbrio emocional

Maria Ester Domingues, diretora de RH da Gooroo Crédito, traz uma dimensão ainda pouco explorada: o peso da ansiedade financeira na saúde mental. “Sessenta por cento dos trabalhadores brasileiros têm algum tipo de problema financeiro, e isso não fica do lado de fora da empresa. Ele entra com o colaborador, tira o foco, o sono e a energia”, alerta.
Para Maria Ester, o primeiro passo é romper o tabu que envolve o tema. “As pessoas têm vergonha de falar sobre dívidas, mas o RH pode ser um canal de escuta e orientação”, explica. Essa abertura emocional é essencial para que as empresas possam atuar de forma preventiva e empática. Ela reforça que falar de dinheiro ainda é um desafio cultural. “No Brasil, aprendemos desde cedo a evitar o assunto. Só que a falta de diálogo perpetua o problema. Quando o colaborador percebe que a empresa oferece suporte e não julgamento, ele começa a buscar ajuda com mais naturalidade.”
A executiva observa que o estresse financeiro também interfere nas relações interpessoais dentro do trabalho. “A ansiedade com dívidas gera irritação, falta de concentração e conflitos desnecessários”, comenta. Ao promover programas de educação financeira, as organizações não apenas ensinam sobre orçamento, mas também restauram a sensação de autonomia e dignidade. “O crédito responsável é um respiro, não uma muleta. Quando a empresa ajuda o colaborador a reorganizar sua vida financeira, ela está prevenindo o adoecimento mental”, enfatiza.
Programas que unem mente, corpo e finanças
Na Colgate-Palmolive, essa abordagem se materializa no programa Viver Melhor, ativo há 15 anos e redesenhado para contemplar quatro pilares: físico, mental, espiritual e financeiro. “O programa foi ampliado para atender diferentes realidades. Promovemos palestras, lives e ferramentas digitais que ajudam o colaborador a se planejar, cuidar da saúde e buscar equilíbrio”, explica Daniel Arouca, diretor de RH.
Segundo ele, o segredo está na sensibilização. “Não impomos regras, mostramos caminhos. Educação financeira e emocional andam juntas. Cada pessoa que aprende algo novo leva esse conhecimento para casa e transforma o entorno.”
Liderança empática e escuta ativa como diferenciais

Para que o bem-estar se torne parte da cultura, as empresas precisam de lideranças capacitadas para escutar, orientar e agir com sensibilidade. “O RH é o guardião do clima organizacional, mas quem faz o dia a dia são os líderes”, afirma Daniel Arouca, da Colgate-Palmolive. “Um RH forte ensina a liderança a ser sensível, a identificar sinais de sofrimento e agir antes que o problema cresça.” Ele defende que a empatia é uma competência técnica tão essencial quanto a gestão de resultados. “Escutar não é apenas ouvir; é entender o contexto e responder com humanidade. Essa é a base da confiança.”
Charmoniks Heuer, da Rede Condor, complementa que a empresa vem investindo em um modelo de liderança cuidadora, centrado na empatia e na conexão humana. “Temos gestores preparados para conversar sobre saúde emocional, apoiar as equipes e mediar conflitos com equilíbrio. Bem-estar não é projeto de RH, é comportamento de liderança”, reforça. Ela acredita que o líder moderno precisa compreender que cuidar das pessoas é um ato de gestão. “Quando o gestor se dispõe a ouvir, ele cria uma cultura de confiança que reduz o turnover e aumenta a produtividade.”
A executiva ressalta que a liderança cuidadora não é paternalista nem permissiva. É madura, consistente e comprometida com o desenvolvimento do outro. “Liderar com empatia exige coragem. É olhar para o colaborador como ser humano e, ao mesmo tempo, manter clareza sobre metas e responsabilidades.” Na Rede Condor, esse equilíbrio é cultivado por meio de treinamentos contínuos, rodas de conversa e acompanhamento psicológico para líderes. “Não há cultura de bem-estar se quem lidera não estiver emocionalmente bem. Por isso, cuidamos primeiro de quem cuida dos outros.”
Ambiente acolhedor e propósito coletivo
O bem-estar integral também depende do ambiente. Segundo Maria Ester, acolher as vulnerabilidades é essencial. “As pessoas precisam se sentir seguras para pedir ajuda. Quando criamos espaços de conversa e programas de educação financeira, as equipes florescem”, diz.
Ela acredita que educação emocional e financeira deveriam ser parte do currículo corporativo. “Ensinar as pessoas a lidar com o dinheiro e com as emoções é ensinar a viver com dignidade. Isso é ESG na prática.”
Charmoniks concorda e complementa: “As pessoas felizes cuidam melhor umas das outras. A empresa que entende isso cria sustentabilidade emocional e social ao mesmo tempo.”
Dados, percepção e aprendizado constante
Os líderes também destacam o papel dos dados na consolidação dessas iniciativas. Arouca explica que o RH deve cruzar percepções qualitativas com pesquisas quantitativas. “Usamos pesquisa de clima e escuta ativa para identificar dores e desenhar soluções reais. A partir daí, criamos planos de ação com metas mensuráveis e acompanhamento contínuo.”
Essa inteligência de dados, combinada à empatia, sustenta programas que permanecem relevantes ao longo do tempo. “As empresas que aprendem a medir o bem-estar descobrem que ele é o melhor indicador de sustentabilidade humana”, completa o executivo.
O futuro do bem-estar é colaborativo
O bem-estar corporativo está deixando de ser uma política isolada para se tornar um ecossistema de cuidado coletivo. Ele envolve RH, líderes, equipes, famílias e comunidades. As empresas que adotam esse olhar colaborativo tendem a ser mais humanas, produtivas e perenes.
“O futuro do trabalho é mais humano, e o bem-estar é o caminho. “Quando uma empresa se preocupa com o indivíduo, ela garante a própria sustentabilidade”, conclui Maria Ester.
Confira na íntegra o 4º Fórum Melhor RH ESG e Comunicação
Os temas discutidos nesta reportagem também foram destaque no 4º Fórum Melhor RH ESG e Comunicação, que reuniu executivos e especialistas para debater como o bem-estar integral e a liderança empática estão redefinindo o papel das empresas na construção de uma cultura mais saudável, colaborativa e sustentável.
Os painéis do primeiro dia podem ser assistidos aqui.
Os painéis do segundo dia podem ser assistidos aqui.
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